O governo federal está avançando em seu plano de conceder áreas degradadas da União para que a iniciativa privada faça o reflorestamento. Em meio à consulta pública do edital de estreia, que envolve a recuperação de 15 mil dos 100 mil hectares da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) já prepara o terreno para um segundo leilão, com uma ambição mais de 20 vezes maior.
Dessa vez, a área total será de quase 7,3 milhões de hectares, divididos em 12 florestas e parques nacionais – dez no Pará, um em Roraima e um no Amazonas. O Parque Nacional dos Campos Amazônicos, no Amazonas, e a Floresta Nacional de Jamanxin e a Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo, no Pará, por exemplo, estão na lista.
Assim como no edital inaugural, os vencedores assumirão a responsabilidade por terras que incluem áreas em vários níveis de degradação, outras em que poderão explorar comercialmente madeiras nativas e também porções a ser preservadas.
A principal fonte de receita será a venda de créditos de carbono de remoção de CO2 da atmosfera pelas novas árvores plantadas.
A área estimada de restauração no segundo certame é de 333 mil hectares. O manejo sustentável da madeira poderá ser realizado em 1,4 milhão de hectares. O restante são áreas com finalidades diversas, como uso e manejo comunitário, preservação ou sobreposição com terras indígenas.
“Vimos que existe um apetite no mercado, que conseguimos encontrar um equilíbrio econômico no projeto, e por isso, estamos contratando os próximos junto ao BNDES”, diz Renato Rosenberg, diretor de concessões do SFB.
Com as áreas escolhidas, o passo seguinte é estruturar os projetos, o que é feito em conjunto com o BNDES.
O banco de desenvolvimento deve contratar consultorias para desenvolver a modelagem de cada uma das áreas florestais e desenhar a estrutura da concessão. Depois, vêm a consulta pública e audiências públicas com as populações afetadas, análise do Tribunal de Contas da União e, enfim, o lançamento do edital.
A expectativa é que o processo inteiro leve aproximadamente um ano e meio, diz Rosenberg.
Só ao fim desse trâmite, os editais chegarão ao mercado com modelagens econômicas de referência, o potencial de receita a partir de créditos de carbono e o número de concessões para cada área de conservação, por exemplo.
“Para a restauração, o foco está em empresas novas, que estão capitalizadas e buscando projetos. Já no manejo, são empresas menores, normalmente familiares, com experiência na área e uma forte relação na ponta”, afirma Rosenberg.
Estima-se que o país tenha entre 60 milhões a 135 milhões de hectares degradados ou sob risco de degradação, de acordo com uma análise do MapBiomas de 1986 a 2021. O estudo indica que 64% do território nacional está coberto por vegetação nativa, sendo que de 11% a 25% desta área se mostrou suscetível ao processo de degradação.
Reflorestamento
O Serviço Florestal calcula um investimento de R$ 600 milhões ao longo dos 40 anos dos primeiros contratos, que cobrem 15 mil hectares para reflorestamento, divididos em três lotes.
Recuperar áreas degradadas é uma atividade cara, com valores que variam de R$ 15 mil a R$ 50 mil por hectare, dependendo da região, da tecnologia e da intensidade do trabalho de recuperação. Um hectare corresponde a mais ou menos um campo de futebol.
Além da demanda por sementes e mudas, a atividade exige um acompanhamento cuidadoso na fase inicial, em áreas com infraestrutura deficiente ou não-existente. Além disso, pesquisas de melhoria genética das espécies nativas ainda estão na infância em comparação com exóticas há muito exploradas comercialmente, como pinus e eucalipto.
E as primeiras receitas com a venda de créditos de carbono só vêm depois de anos, quando as primeiras árvores começam a ganhar tamanho. Esse foi um dos motivos que levaram o SFB a permitir exploração sustentável de madeiras como forma de viabilizar o negócio.
Além do potencial de fechar a conta dos empreendimentos, o manejo sustentável tem outra função importante: ajudar na contenção do desmatamento.
“O mercado [para a madeira nativa] existe. Se não for atendido por fontes de manejo sustentável, será por outras formas”, afirmou o diretor do SFB, Garo Batmanian, em um evento realizado em Brasília nesta quarta-feira, 9.
Madeireiros ilegais ampliaram sua área de atuação na Amazônia no ano passado, enquanto a de atividade legal caiu.
As condições permitidas para a exploração nas áreas licitadas são rígidas. Tipicamente, são dadas autorizações para a derrubada de algo como cinco árvores por hectare – a cada 30 anos.
Rosenberg descreve essa operação como “mais que sustentável, é cirúrgica”. A ideia é permitir uma atividade econômica mais atraente que a extração clandestina sem que haja alterações na paisagem.
Edital nº 1
Os detalhes de como o edital de Bom Futuro deve ser construído foram apresentados em julho. Se o cronograma for cumprido, os leilões começarão no primeiro trimestre de 2025.
O contrato está no fim do período de consulta pública, e as questões centrais têm sido o compartilhamento da responsabilidade de segurança e ajustes na projeção de carbono, segundo o diretor.
Além de pagar outorgas, os vencedores terão de arcar com uma inovação batizada de “encargos acessórios”. Parte da receita deverá ser direcionada para investimentos nas comunidades da região onde atuam, em projetos sob responsabilidade dos próprios concessionários.
As florestas nacionais concedidas têm conselhos consultivos, que envolvem representantes das comunidades locais, entidades da sociedade civil e governo. A ideia é que esses órgãos fiquem responsáveis pela definição das iniciativas.
Com reportagem de Sérgio Teixeira Jr.