Cerca de cem pessoas lotaram um pequeno auditório em São Paulo nesta quinta-feira para conhecer os detalhes da primeira concessão de um pedaço da floresta amazônica para reflorestamento pela iniciativa privada.
O edital inaugural vai envolver a recuperação de cerca de 15 mil dos 100 mil hectares da Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho (RO), divididos em três unidades. O investimento estimado dos três concessionários será de R$ 600 milhões, e as concessões durarão 40 anos.
O foco principal é a recuperação ecológica, que será financiada com a venda de créditos de carbono. A exploração da madeira de espécies nativas, seguindo regras estritas do número de árvores derrubadas em áreas autorizadas, também ajudará a fechar as contas.
O evento foi um “market sounding board”, um teste da ideia junto a potenciais interessados. Estavam na plateia representantes das maiores empresas de carbono e de startups de reflorestamento brasileiras. Potenciais compradores de créditos também estavam presentes.
O SFB tem mais de 30 reuniões individuais marcadas para os próximos dias para esclarecer dúvidas.
“Precisa ouvir o mercado, é o primeiro projeto desse tipo”, diz Renato Rosenberg, diretor de concessões do SFB. “Mostramos as premissas e agora vamos ver se elas estão aderentes à realidade.”
Depois de eventuais alterações, o edital ainda terá de percorrer um caminho burocrático até ser colocado na rua. A expectativa de Rosenberg é que isso aconteça apenas no primeiro trimestre de 2025.
O preço do carbono
Acertar o desenho desta primeira concessão é considerado essencial para os planos do Serviço Florestal de recuperar 100 mil hectares nos próximos dois anos com esse modelo.
Os créditos de remoção de carbono gerados pelas árvores plantadas serão o principal componente de receita nesses projetos.
No modelo financeiro apresentado, que prevê uma taxa de retorno de 10,97% ao ano em reais, os créditos seriam vendidos por US$ 40 no mercado voluntário, ou seja, para companhias interessadas em fazer a compensação de suas emissões mesmo sem obrigações regulatórias.
Esse valor pressupõe um aumento dos valores vistos hoje. Uma pessoa que atua no mercado de carbono afirmou que a estimativa pode ser “otimista demais”.
Levando em conta os descontos obrigatórios feitos nesse tipo de projeto (uma porção é separada como ‘seguro’ caso haja um incêndio florestal, por exemplo), seriam gerados ao todo cerca de 4,5 milhões de créditos.
As concessões também incluem áreas que não precisam de intervenção, mas que terão de ser preservadas. Não há, porém, garantias de que a venda de créditos de carbono de desmatamento evitado, conhecidos como REDD+, será permitida.
Isso vai depender da autorização dessas metodologias pela Comissão Nacional para REDD+ (Conaredd), órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela política nacional para esse tipo de ativo ambiental.
“Não podemos garantir a aprovação do Conaredd, então deixamos claro que [no caso desse tipo de crédito] é um risco do [agente] privado”, afirma Rosenberg.
Receitas adicionais
A venda de madeiras nativas e itens como sementes, frutos e raízes será uma receita acessória, segundo a proposta, sempre mediante aprovação prévia.
O SFB calcula que essas atividades poderão ser realizadas em 40% das áreas objeto de restauração, ou seja, excluindo aquelas em que a floresta já está intocada e zonas de conservação ou de proteção permanente.
Num programa de manejo típico da Amazônia, é permitida a derrubada de quatro a seis árvores por hectare (área que equivale a um campo de futebol) a cada 30 anos.
A implementação de sistemas agroflorestais (SAF), em que culturas de valor comercial convivem com a floresta, também não será autorizada, pelo menos nesse primeiro edital, porque isso adicionaria mais um nível de complexidade aos contratos.
“Tentamos fazer as coisas do jeito simples agora”, diz Rosenberg. “Ainda temos feijão para comer. Queremos ir com calma, e aprendendo.”
A conta fecha?
Um projeto de reflorestamento típico envolve grandes despesas de capital de saída e uma espera de ao menos cinco anos para que sejam geradas as primeiras receitas de carbono.
As áreas da Floresta do Bom Futuro a serem recuperadas têm diferentes níveis de degradação. Na modelagem apresentada pelo SFB, as mais devastadas exigirão investimento de cerca de R$ 15 mil por hectare.
Já aquelas em que é preciso apenas dar um empurrão na regeneração natural, esse valor cai para R$ 3 mil por hectare nas projeções. Uma pessoa que assistiu à apresentação e atua no mercado considerou os valores baixos. “Acho que custa mais que isso. Mas eles são os vendedores…”
O edital também estabelece “encargos acessórios”, um pagamento anual de responsabilidade do concessionário que tem de ser investido obrigatoriamente nas comunidades da região e do entorno.
A aplicação do recurso será determinada pelo conselho consultivo da floresta nacional, um órgão com representantes locais, entidades da sociedade civil e do governo.
“Não basta depositar, tem que fazer”, afirma Rosenberg. “O [ente] privado tem que se relacionar e entender as demandas, aprová-las e executá-las.”
O edital também será discutido em duas audiências públicas: uma em Porto Velho e outra com os karitiana, cuja área é vizinha à floresta do Bom Futuro.