Até pouco tempo antes de aceitar a proposta de emprego, o alemão Tim Christophersen não sabia muito sobre a Salesforce, uma potência global do software corporativo que faturou US$ 31,4 bilhões ano passado.
Ele trabalhava na ONU havia 15 anos e na época era um dos responsáveis pela área de restauração ecológica do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Não foi uma ruptura tão grande quanto se possa imaginar. Christophersen, que é engenheiro florestal, teve seu primeiro contato com a Salesforce justamente por conta de um plano ambicioso de reflorestamento da companhia.
Em parceria com o Fórum Econômico Mundial, a empresa lançou em janeiro de 2020 a iniciativa One Trillion Trees. Como diz o nome, o objetivo é mobilizar organizações para plantar ou conservar 1 trilhão de árvores ao redor do mundo até 2030.
“A oportunidade de influenciar o setor privado e, com sorte, movê-lo na direção certa foi tentadora demais”, diz Christophersen. Em maio de 2022, ele assumiu o cargo de vice-presidente de Ação Climática.
“A Salesforce tem 200 mil clientes. Falo regularmente com as equipes de sustentabilidade das maiores empresas do mundo, e todas têm dúvidas. O que é essa coisa chamada natureza? O que temos de fazer? Onde temos de investir? E os créditos de carbono?”
Por mais nobres que sejam os propósitos, porém, ele não acredita que ações voluntárias do mundo corporativo sejam a resposta: “O que funciona é a regulamentação”.
De passagem por São Paulo, Christophersen falou com o Reset sobre soluções baseadas na natureza, créditos de carbono e as 30 mil árvores que ele plantou na fazenda em que vive, na Dinamarca. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O que é o projeto Um Trilhão de Árvores?
Antes da revolução agrícola, o mundo tinha cerca de 6 trilhões de árvores. Com assentamentos urbanos e agricultura, perdemos metade dessa cobertura florestal e, com isso, muito estoque de carbono, muita biodiversidade.
Estamos num ponto de virada ecológico, uma policrise. Se o desmatamento não for controlado, a Amazônia pode se transformar numa savana.
Um trilhão de árvores é um número enorme, talvez mais aspiracional, e que inclui também mais proteção para as que estão em pé. Plantar árvores não é algo novo. A novidade é que todo mundo quer fazer isso, e muita gente precisa de direcionamento.
A meta foi encampada por 103 empresas, com compromissos diferentes. O da Salesforce é 100 milhões, com foco na restauração. Ainda temos de plantar 55 milhões de árvores até o fim da década.
Olhamos para pessoas, natureza, clima e paisagem, nesta ordem. Muita gente enxerga somente o carbono: cerca uma área e escolhe espécies de crescimento rápido para plantar.
Não é disso que se trata. Existe a árvore certa, no momento, lugar e contexto social certos. Apoiamos um projeto chamado Acción Andina, que restaura áreas em altas altitudes na Cordilheira dos Andes.
São polylepis, também chamadas de árvores que vivem nas nuvens. Elas absorvem a umidade das nuvens e a depositam no solo. Essa água alimenta a maior parte da América do Sul.
Se você falar de sequestro de carbono para as 400 comunidades envolvidas, vão responder: “E daí? Estamos preocupados com nossa água, que está acabando”.
Como isso funciona do ponto de vista financeiro? Porque reflorestamento custa caro.
A natureza é a melhor, mais barata e mais eficiente maneira de restaurar florestas. Mas as pessoas também fazem parte do cenário. Então você precisa construir um business case em que talvez o crédito de carbono seja um catalisador.
Outras opções de receita são os sistemas agroflorestais [que unem floresta e produção agrícola] ou exploração de madeira.
Na Salesforce temos alguns bolos de onde podem sair os recursos. Temos uma equipe de filantropia, um fundo de justiça climática de US$ 100 milhões e outro só para a iniciativa de 1 trilhão de árvores, que já investiu cerca de US$ 15 milhões.
Então o plantio de árvores não serve para compensações de emissões da empresa?
Por enquanto é algo separado, mas isso varia de acordo com cada participante da iniciativa.
O mercado de compensações voluntárias atravessa uma crise de credibilidade. Como a empresa enxerga os créditos de carbono? Qual é a política para offsets?
Recentemente o pessoal de relações públicas nos pediu para escrever um blog sobre o assunto. Acabou virando um paper de 14 páginas (risos).
Acreditamos que os créditos de carbono são necessários. Todo CEO precisa reduzir o mais rápido possível as emissões de sua empresa. Mas em certo momento não dá mais para cortar.
Imagine uma empresa global de logística. Quando você chega no combustível de aviação, o que fazer? Não existe uma solução ainda. Então pegue o dinheiro e invista no clima.
Na nossa opinião, são investimentos essenciais em pesquisa e desenvolvimento e na construção da indústria de remoção de carbono, que será uma das mais importantes desta década e provavelmente deste século.
O que você quer dizer com remoção de carbono? Soluções tecnológicas, naturais ou ambas?
Temos a cabeça aberta em relação à tecnologia, obviamente, mas o mercado [de remoções baseadas em sistemas de engenharia] ainda é muito caro e muito difícil de escalar. Já a natureza tem 3,5 bilhões de anos de pesquisa e desenvolvimento. Temos que aproveitar.
Dito isso, temos privilegiado os créditos de carbono jurisdicionais [que cobrem uma jurisdição inteira, como um Estado, por exemplo]. Somos parte da coalizão Leaf (leia mais sobre a organização e o sistema de créditos jurisdicionais).
Muitas empresas de tecnologia tendem a gravitar para as soluções de engenharia, pois elas ofereceriam mais garantias de que o carbono não vai voltar para a atmosfera.
De fato existem questionamentos sobre a durabilidade das remoções em sistemas naturais, mas há como contornar o problema. Você pode criar áreas-tampão, pode aumentar a resiliência da floresta melhorando a biodiversidade.
A floresta amazônica existe há milênios. Os estoques de carbono da natureza flutuam, mas você consegue administrá-los. Na agricultura, por exemplo, é possível ao mesmo tempo aumentar a absorção de CO2 e a produtividade da terra.
Temos um compromisso de compra de 2 milhões de toneladas em créditos da coalizão Leaf. Ainda não há nada do Brasil disponível nesse arranjo, mas olhamos para o país com muito interesse. Estamos conversando com empresas que atuam na restauração. O Brasil é um dos mercados de maior crescimento da Salesforce.
Diante dos questionamentos sobre a integridade do mercado voluntário, como a Salesforce seleciona os créditos que vai comprar?
Isso exige um esforço da nossa parte, e nem toda empresa tem condições de fazer o mesmo. Consultamos três agências de ratings dos créditos, e somos investidores de uma delas, a Sylvera.
Ainda é tudo muito novo, e muitas vezes as avaliações dessas agências não batem. Depois disso fazemos nosso próprio due diligence. Somos muito meticulosos, o processo todo leva três meses.
Apesar das imperfeições, o mercado voluntário é a melhor alternativa hoje. Se tivéssemos introduzido um imposto de carbono 20 anos atrás, não estaríamos falando disso agora, mas não foi o que aconteceu.
Agora a casa está em chamas. E temos que lembrar que não existe mercado perfeito. Se você comprar um café e estiver ruim, você não vai voltar naquela loja. É simples.
Na COP28 houve uma avalanche de compromissos voluntários por parte de empresas. Eles geram muito barulho, mas não há como acompanhar nem cobrar responsabilidades posteriormente. O que você pensa a respeito?
Vou contar uma história. Em 2014, fazia parte de uma equipe que trabalhou na primeira Cúpula de Ação Climática. De lá saiu a Declaração de Nova York sobre Florestas, assinada por 150 empresas, incluindo Walmart, McDonald’s e vários grandes bancos.
A promessa era eliminar o desmatamento nesses negócios até 2020. Pois bem: quando chegamos ao prazo, só 7% das signatárias tinham feito progresso significativo.
Na história do movimento ambiental, a ação voluntária nunca mexeu os ponteiros de forma relevante. Nunca. Não existe um único exemplo.
O que funciona é a regulamentação, e aí as lideranças voluntárias são importantes. Elas podem apontar caminhos para outras empresas, ou então atuar junto aos governos para garantir que as condições sejam niveladas para todos.
Agora, com a introdução da CSRD (sigla em inglês para a regra de divulgações corporativas de sustentabilidade da União Europeia), 50 mil empresas terão que prestar contas.
Por outro lado, as exigências são complexas e requerem muitas informações. Imagino que poucas empresas estejam prontas para fazer esse tipo de reporte.
Sim. Mesmo para uma empresa de tecnologia como a Salesforce a complexidade é assustadora. Não necessariamente pela quantidade de indicadores, mas porque a Califórnia pede uma coisa, a UE, outra, que é diferente do que o Reino Unido ou a Austrália estão fazendo.
Dados e divulgações são fundamentais, mas, por favor, harmonizem-se entre si.
Você plantou árvores em sua fazenda na Dinamarca. Que tal a experiência?
Compramos a propriedade há três anos. São cerca de 35 hectares. Boa parte das terras estavam arrendadas para um produtor de leite que faliu no ano passado e que tinha um modelo industrial.
Plantei cerca de 30 mil árvores, de 26 espécies nativas, e estou planejando sistemas de agrossilvicultura, junto com pastoreio de ovelhas.
Mas gostaria de fazer isso no Brasil: você vê uns projetos que depois de cinco anos já têm árvores de 20 metros de altura!
As minhas estão mais ou menos assim (Christophersen aponta cerca de um metro). Então para mim e para minha mulher é mais um projeto intergeracional.