REFLORESTAMENTO

Concessão para reflorestar Amazônia estreia com baixa demanda

Systemica foi a vencedora de licitação do Pará para restaurar 10 mil hectares no Xingu; edital recebeu apenas uma proposta válida

vista aérea de area desmatada ao lado de floresta na fronteira do parque indígena do xingu

O resultado do primeiro leilão de concessão de áreas desmatadas para reflorestamento foi anunciado nesta sexta-feira (28) e teve a Systemica, que tem o BTG entre os sócios, como vencedora. O modelo inédito desenhado pelo governo do Pará recebeu apenas duas propostas, acendendo um sinal amarelo sobre a demanda para futuras concessões. 

O governo federal está desenhando um edital para reflorestamento na Floresta Amazônica, e o Pará planeja conceder outros dois territórios na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, em um total de mais de 30 mil hectares, ainda este ano.

Os desafios logísticos e especificidades da área afastaram os proponentes, segundo fontes ouvidas pela reportagem. “Não foi atrativo. O desenvolvedor precisa conseguir financiamento e entrar com a expertise, além de lidar com o alto custo burocrático e ter o compromisso com o Estado de um negócio ainda muito novo”, disse o executivo de uma empresa que desenvolve projetos, que pediu para não ser identificado.

O certame do Pará envolveu a concessão de 10,4 mil hectares, por 40 anos, para a restauração de áreas degradadas. O investimento estimado para o projeto supera os R$ 250 milhões e tem a venda de créditos de carbono como principal fonte de receita.

O edital, lançado na COP29 em Baku, recebeu propostas de apenas duas empresas. Uma delas não entregou todos os documentos exigidos e deixou a Systemica como única competidora apta a participar da disputa pela Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu, próxima à cidade de Altamira. A Mombak e a Re.green, duas startups especializadas em reflorestamento de grandes áreas, também fizeram visitas à área e demonstraram interesse inicialmente, mas decidiram não apresentar uma proposta. 

“Temos alguns meses para tirar algumas lições e trazer mais concorrentes para a concessão da Floresta Nacional de Bom Futuro, um projeto do mesmo tipo em nível federal”, disse Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), ao Reset.

O edital federal vai envolver a recuperação de cerca de 15 mil dos 100 mil hectares da Floresta do Bom Futuro, perto de Porto Velho (RO), divididos em três unidades. O investimento estimado dos três concessionários será de R$ 600 milhões, e as concessões durarão 40 anos.

A expectativa é que a recepção dos editais em terras da União seja melhor devido à logística facilitada da área escolhida em Rondônia, nível distinto de degradação das terras e um processo de escrutínio que envolve a Controladoria-Geral da União e Ministério Público Federal.

A baixa demanda não surpreendeu, segundo Helder Barbalho, governador do Pará. “É natural que tenhamos que apresentar o sucesso deste leilão para que o mercado compreenda a solidez daquilo que o Estado do Pará está concebendo”, disse em coletiva de imprensa na sede da B3, em São Paulo, onde foi divulgado o vencedor. 

A expectativa do governo paraense é que, à medida que a Systemica conduza a primeira experiência como desenvolvedora na concessão, o mercado esteja mais disposto a participar dos próximos leilões. 

Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Raul Protazio avalia que a concessão é um modelo com o qual empresas de reflorestamento ainda não estão acostumadas. A falta de conhecimento sobre a região também teria influenciado a baixa participação. 

O tamanho da área foi outro fator. Não há ainda no Brasil uma empresa que faça reflorestamento em uma única área tão extensa, de pouco mais de 10 mil hectares – cada hectare equivalente a um campo de futebol. A Mombak, por exemplo, tem mais de 20 mil hectares repartidos pelo Pará, enquanto a Re.green tem mais de 25 mil hectares entre a Amazônia e a Mata Atlântica. 

Modelo no Xingu

A Systemica, que levou a concessão, já atua na área do Xingu com projetos de conservação florestal. “Nós já conhecemos a dinâmica local, os aspectos sociais e a biodiversidade, e já fizemos inventário florestal e de carbono ali”, diz Tiago Ricci, sócio e diretor jurídico da empresa. 

“Todo mundo que trabalha na Amazônia sabe da complexidade do desafio fundiário na região, vide a Operação Greenwashing [esquema desmontado pela Polícia Federal que revelou projetos privados em áreas da União]. Então, quando vem uma concessão de uma área significativa, passamos a ter uma maior segurança, porque o Estado está assegurando a integridade fundiária daquele território”, afirma o diretor. 

A maior parte dos projetos da Systemica são de conservação florestal. A companhia entrou no segmento de restauração recentemente, por meio da Arapuá, empresa adquirida em 2023. A área a ser reflorestada nesta iniciativa tem 400 hectares. A concedida pelo Pará é 25 vezes maior. 

O investimento inicial do projeto está previsto em R$ 74,6 milhões e os custos operacionais, em R$ 183,7 milhões. Ao longo dos 40 anos de concessão, a receita total do projeto é estimada pelo edital em torno de R$ 950 milhões. A fonte principal será a venda dos potenciais 3,7 milhões de créditos de carbono a serem gerados pela restauração da floresta.

A Systemica vai buscar financiamento em diferentes fontes, diz Ricci. Mais de 50% devem ser buscados em linhas do BNDES. “Também podemos ter contratos de offtake [venda antecipada] dos créditos de carbono, e há potenciais investidores interessados em fazer aporte direto no equity do projeto.”

Tanto o BNDES quanto o BID Invest, braço de investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento, demonstraram a intenção de oferecer linhas de crédito subsidiadas para o vencedor da licitação.

Com a outorga, o Estado do Pará irá receber R$ 150 milhões mais 6% da receita operacional bruta (em torno de R$ 60 milhões). O governo segue trabalhando com o BID em um fundo garantidor do projeto, que servirá como uma espécie de seguro para a empresa desenvolvedora do projeto.