Tanto o governo federal quanto o Estado do Pará já têm definidas as primeiras áreas que pretendem oferecer como concessões para que o setor privado se encarregue do reflorestamento.
Essa foi uma das novidades que surgiram no painel de abertura do Reset Conecta, que discutiu as oportunidades das concessões florestais para restauração.
Participaram da discussão Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, Raul Romão, secretário-adjunto de Meio Ambiente do Pará, e Ludmila Costa da Silva, gerente de projetos do BNDES.
A discussão envolveu o desenho dos editais e a busca pelo equilíbrio entre a atratividade econômica e os objetivos socioambientais dos programas, a questão dos riscos de invasão e incêndios e os mecanismos para garantir que as comunidades locais também sejam beneficiadas.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
As primeiras concessões
O primeiro edital federal para restauração florestal deve envolver uma área da Flona [floresta nacional] do Bom Futuro, em Rondônia, disse Rosenberg. “É uma área próxima a Porto Velho, que já tem bastante atividade de recuperação, e a gente encontrou ali cerca de 14 mil hectares degradados.” A expectativa é lançar o edital em meados do ano que vem.
No Pará, o plano é fazer a primeira concessão dentro da APA (área de proteção ambiental) Triunfo do Xingu. “O montante mapeado até o momento é de 10.200 hectares de área contínua”, afirmou Romão. A ideia é apresentar um plano na COP28, com detalhes “que vão interessar muito e ajudar o mercado a entender e a se planejar”. Ainda não há uma data definida para a divulgação do edital paraense, afirmou Romão.
Diáogo com o setor privado
Romão afirmou que pretende chamar os potenciais interessados para ir a Belém este mês ou no próximo para “discutir os gargalos, os medos, o que tem que ser endereçado necessariamente para que a concessão tenha atratividade”.
Rosenberg, do Serviço Florestal Brasileiro, também afirmou que, depois de definidos os detalhes – como critérios técnicos do ICMBio e revisões jurídicas do Tribunal de Contas da União –, o governo federal também pretende fazer uma sondagem do mercado. “A gente vai precisar ouvir muito o mercado sobre o que é viável e o que não é.”
O desenho dos editais
Um dos temas que mais geram interesse é o desenho das concessões: como o desenho vai equilibrar a atratividade econômica e os objetivos do restauro, que também incluem metas sociais e de biodiversidade.
Os painelistas ressaltaram que será um desafio, pois não existe nenhuma experiência comparável em que se basear.
Rosenberg espera um “custo de aprendizado” para todas as partes envolvidas. As metas de biodiversidade dos editais federais serão estabelecidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que está “supersensível ao equilíbrio econômico do processo”, afirmou.
Romão, do Pará, afirmou que o plano é concentrar as primeiras concessões em um raio de 30 ou 40 quilômetros. “Tem toda a parte da cadeia de suprimentos, a capacidade técnica, não da empresa, mas do entorno. Suprir a empresa com aquilo para que se torne uma operação viável.”
Os riscos
Os debatedores também trataram de dois riscos essenciais para esse tipo de empreendimento: invasões de terra e incêndios.
Segundo Rosenberg, o risco maior será “alocado no privado”. “O que quero dizer com isso? O risco de mercado, do preço do carbono, risco de certificação, risco de ter algum fogo, acidente durante a restauração, mas a gente quer que grande parte do benefício também fique com o [setor] privado.”
Sobre a segurança patrimonial, Romão afirmou que “em concessões isso envolve uma atividade do Estado. O Estado tem que garantir ao concessionário a plena posse e a operação do que ele concedeu”.
A ideia de manter as áreas concedidas em uma única região também ajudaria a mitigar esses riscos, disse o subsecretário.
O modelo de negócios
A ideia é iniciar os dois planos com concessões para restauração ecológica, ou seja, sem atividades econômicas como agroflorestas ou exploração de madeira. A receita virá da venda de créditos de carbono.
“Não vai ser uma PPP [parceria público-privada], vai ser uma concessão puro sangue. Não vai haver subsídio público porque não há espaço fiscal nem para iniciar essa discussão”, disse Rosenberg.
O financiamento
“Essa é a pergunta que não quer calar”, disse Ludmila Costa da Silva, gerente de projetos do BNDES, quando questionada sobre a atuação do banco no financiamento.
O BNDES tem uma meta de restauração em torno de 30 mil hectares no Amazonas e no Pará. “Mas a gente sabe que não é suficiente. Não posso contar tudo, mas o banco todo está mobilizado para estruturar produtos e linhas novas voltados à Amazônia e ao arco do desmatamento, que são áreas com acesso difícil ao crédito, seja pelo porte, pela questão fundiária, pelas garantias.”
Ela mencionou uma recente entrevista que o presidente do banco, Aloizio Mercadante, concedeu ao Reset, na qual ele afirma que o banco quer alavancar dinheiro privado para a recuperação.
As concessões de restauração são uma “low hanging fruit, e [o banco] tem que atuar”, disse Silva.
As garantias jurídicas
Silva também falou da importância da solidez dos programas. Além de tribunais de contas e [órgãos] fiscalizadores, é importante envolver os stakeholders, incluindo comunidades locais.
“São interlocutores muito importantes. Dentro da estruturação, a gente tem que fazer esse alinhamento para também garantir segurança jurídica.”
Rosenberg afirmou que uma das variáveis em relação à data do lançamento do primeiro edital é justamente o Tribunal de Contas da União. “O tribunal tem sido bastante detalhista nas regulações econômicas de manejo, e na área de restauração a gente tem muito menos dados disponíveis.”
A questão social
A partilha dos benefícios foi outro tema importante da discussão. Como garantir que as populações locais também sejam beneficiadas?
Silva, do BNDES, mencionou os encargos acessórios socioambientais, um percentual da receita bruta do concessionário direcionada a ações dentro da unidade e no entorno.
A porcentagem exata varia de acordo com a atratividade econômica da concessão, mas o importante é o retorno dos recursos diretamente para o local, afirmou ela. “Sabemos que o dinheiro da outorga vai diretamente para o caixa da União.”
“A gente brinca que, quanto menos desses recursos forem para Brasília, melhor. Não é isso o que vai fechar as contas do governo”, afirmou Rosenberg, do serviço florestal.
Alexis Bastos, da RioTerra, uma ONG com 24 anos de atuação em Rondônia, afirmou que muitas vezes a transferência do recurso não é suficiente. A empresa faz os depósitos em uma conta como forma de “lavar as mãos” de uma relação mais próxima com a comunidade, afirmou Bastos.
Rosenberg afirmou que estão se pensando soluções para garantir o uso dos recursos. “Empoderando os conselhos consultivos, acho que vai ter um olhar da ponta, legítimo, para avaliar a qualidade desses gastos.”
O investidor ‘dos sonhos’
Paulo Bellotti, da MOV, perguntou quais seriam as características do ‘investidor dos sonhos’ para dar escala às concessões de reflorestamento.
“Seria interessante ter algum conhecimento em restauração, em carbono, alguma proximidade com instituições que lidem com essas populações do entorno, que são na maioria das vezes vulneráveis. E também [há] populações tradicionais”, disse Ludmila Costa.
Ela também mencionou a importância da experiência no trato com governos. “Lidar com contratos públicos, com metas, com a relação com o ente público… É uma expertise muito específica.”
Rosenberg ressaltou este ponto e arrancou risos da mesa quando disse esperar dos concessionários “um departamento jurídico menorzinho”.
“O que a gente tem de concessionário beligerante… Toda discussão vai para a Justiça. Todo mundo perde muito tempo e energia.”
“A síntese talvez seja um investidor colaborativo”, afirmou Romão, do Pará. “Ele está com você, te ajuda a pensar nessas soluções ao invés de ativar o modo ‘law enforcement’.”