
A startup de restauração florestal Biomas, que tem como sócios seis grandes empresas brasileiras ou com forte atuação no país, anunciou hoje seu primeiro projeto. Trata-se do reflorestamento de uma área de 1.200 hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia.
A estreia demorou e chega quase dois anos e meio depois da notícia da criação da companhia, na COP27, realizada no Egito. O custo inicial do projeto é de R$ 55 milhões e será bancado com caixa próprio.
As atividades serão realizadas em terras que pertencem à fabricante de celulose Veracel, que tem entre seus controladores a Suzano, uma das sócias da Biomas. A companhia cedeu o espaço em troca de uma parte da futura receita com a venda de créditos de carbono.
A empresa recebeu R$ 20 milhões de cada um dos acionistas: os bancos Itaú, Santander e Rabobank, a mineradora Vale, o frigorífico Marfrig, além da fabricante de papel e celulose.
Cada projeto terá uma estrutura de financiamento própria, afirma Fabio Sakamoto, o CEO da Biomas. As alternativas, inclusive para compor esta primeira iniciativa, incluem dívida, participação societária e a venda antecipada de créditos, uma prática também conhecida como offtake.
A Biomas vai obter receitas exclusivamente com a venda de créditos de carbono correspondentes ao CO2 retirado da atmosfera pelas árvores. Ou seja, não pretende desenvolver outras atividades florestais, como a comercialização de madeira. Serão plantadas 2 milhões de mudas pelos próximos 20 meses.
Os 1.200 hectares, uma área pequena em comparação com outras startups desse setor, estão divididos em vários fragmentos. Em muitos casos, eles são interrupções em corredores importantes para a circulação de animais.
“Essa conexão tem um impacto grande na biodiversidade. Essa região, que inclui o sul da Bahia e o norte de Minas Gerais, é considerada um hotspot, com muitas espécies endêmicas”, diz Caio Zanardo, presidente da Veracel.
“A floresta que vai crescer ali vai ajudar a restabelecer a biodiversidade, vai melhorar o microclima, vai fazer voltar as nascentes”, diz Sakamoto.
As áreas são contíguas às plantações de eucalipto da Veracel (foto), que já tem estruturas de segurança e prevenção e combate a incêndios.
A parte mais intensiva do trabalho ocorre nos primeiros cinco anos após o plantio das mudas, para garantir a sobrevivência das árvores. É mais ou menos a partir deste momento que começam a ser gerados os primeiros créditos de carbono.
Medida pela captura de carbono, a “produtividade” de uma floresta plantada atinge seu auge entre os anos 10 e 20. A expectativa é que o projeto gere cerca de 500 mil créditos.
A Biomas afirma já estar em contato com potenciais clientes e não divulga o preço esperado para o crédito – cada um corresponde a uma tonelada de CO2 capturado.
Esses certificados de remoção de CO2 da atmosfera são vendidos no chamado mercado voluntário para empresas interessadas em compensar suas emissões de gases de efeito estufa.
Os compradores são tipicamente estrangeiros – no caso brasileiro, há um interesse particular das gigantes da tecnologia. Outras startups desse nascente setor de construtores de florestas, como Mombak, Re.green e Symbiosis, já fecharam contratos para Big Techs.
Uma gota no oceano
O Brasil tem dezenas de milhões de hectares de terras degradadas que podem ser objeto de atividades de regeneração. Sakamoto menciona uma estimativa da consultoria McKinsey: o Brasil poderia atrair entre US$ 16 bilhões e US$ 26 bilhões anuais para financiamento do restauro.
As empresas do setor falam em metas na casa dos milhões – a da Biomas é recuperar 2 milhões de hectares nos biomas Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado –, mas as áreas já garantidas são contadas em dezenas de milhares.
A ambição de uma indústria bilionária ainda parece longe de se tornar realidade. Além da extensão limitada dos projetos privados, ao menos por enquanto, os obstáculos envolvem encontrar terras sem problemas de titularidade, a imprevisibilidade do preço do carbono e a obtenção de financiamento e garantias para esses empréstimos.
Também existem riscos relacionados à credibilidade do mercado de carbono baseado em soluções naturais. Os projetos de conservação de florestas, conhecidos como REDD+ e os mais comuns no Brasil, atravessam uma profunda crise há mais de dois anos.
A restauração florestal que existe hoje ainda se baseia em grande parte no cumprimento de obrigações legais ligadas ao Código Florestal (a Veracel não tem déficit de reserva legal, segundo a Biomas).
Regenerar a natureza como um negócio-fim é algo muito novo.
“O Brasil é um grande exportador de commodities, que se especializou em escala. A gente espera que isso possa ser alcançado aqui também numa atividade econômica, não só compensatória”, afirma Sakamoto.
Sakamoto diz que a Biomas já avaliou 2 milhões de hectares e que existe um pipeline de projetos em potencial. A Amazônia tem áreas extensas, em que a escala será naturalmente maior do que na Mata Atlântica, diz o CEO.
“Esse caminho vai ser construído com projetos sérios, de alta qualidade. A gente acredita que o mercado internacional vai reconhecer essa qualidade no preço e quer crescer a partir desse primeiro projeto, que é muito importante.”
Restauração ecológica
Cerca de 70 espécies nativas da região serão plantadas, incluindo jatobá, ipê, pau-brasil, aroeira e copaíba. O objetivo é obter a paisagem mais próxima possível da original, num prazo mais acelerado que uma eventual recuperação no ritmo da natureza.
As regras das principais certificadoras de carbono determinam que as áreas reflorestadas sejam cuidadas por pelo menos 40 anos.