Lembro que, quando eu era menino, as revistas Manchete e O Cruzeiro invariavelmente traziam notícias sobre recém-descobertas tribos de índios.
Naquele tempo, o nosso Centro-Oeste ainda era bem pouco povoado. O Brasil estava voltado para o Atlântico, e a América Latina ficava “lá depois da mata”.
Os indianistas eram aqueles abnegados, sempre sem camisa, exibindo um barrigão, no meio de gente nua. Esses homens deixaram um legado que possibilita, mais recentemente, uma série de pesquisas e obras que buscam desvendar o que seria o Brasil antes dos portugueses.
Em 1500, estima-se que a população nativa, no nosso território atual, era de 20 milhões de habitantes. Nossos índios sempre foram considerados atrasados em relação aos pares do Peru ou México, uma vez que não deixaram monumentos. Porém, como construir monumentos, se metade dos nossos índios estava na Amazônia, onde não existia pedra?
Acredita-se, porém, que a terra negra, altamente cultivável em espaço de floresta tropical, foi feita pelo nativo. Não seria isso uma grande obra? Eventualmente mais importante que uma pirâmide? E a floresta de Araucária no Paraná, ou os sambaquis em Santa Catarina? Não seriam obras grandiosas também do homem original?
Seja nos livros de Jorge Caldeira, em especial a “História da Riqueza no Brasil”, no qual os números mostram a economia pujante do “trade” entre europeu e índios (que fez o Brasil ter o dobro do PIB de Portugal em 1800), ou no relato do jornalista Reinaldo José Lopes, no seu livro “1499: O Brasil antes de Cabral”, sobre pesquisas recentes empreendidas por cientistas, fica claro que existe muito conhecimento a ser extraído dos milhares de anos que antecedem a chegada dos europeus ao Brasil, principalmente sobre a melhor forma de lidar com o mundo desconhecido dos trópicos, onde abundam terras diversas, luz, vento, água e plantas.
Um amigo meu relembra que Orlando Villas-Boas, desde sempre, insistia que a cidade perdida das selvas brasileiras era a própria selva. Ele compreendeu, décadas antes, o que foi reconhecido recentemente: o nativo brasileiro plantou a floresta como um ato premeditado, um ato de engenharia ambiental. A floresta não “invadiu” os sítios arqueológicos brasileiros. A floresta é o ciclópico sítio arqueológico brasileiro.
Sebastião Salgado, depois de ficar 10 anos restaurando a Mata Atlântica na fazenda do pai, rodou o planeta para fazer, na minha opinião, seu livro mais importante: “Genesis” (2014).
Neste livro, Salgado foca na Terra como personagem, ao invés do ser humano, e viaja, durante 8 anos, por todo o planeta.
As fotos comprovariam a tese de que 90% do planeta ainda está na sua forma original, como no tempo da criação. O economista e fotógrafo deixa-nos uma mensagem de otimismo, pois os danos causados pelo homem ainda podem ser revertidos em favor do “planeta azul”.
Agora, em 2020, Jorge Caldeira, jornalista e competente professor da USP, publica um livro intitulado: “Brasil, Paraíso Restaurável”.
Tirando proveito da oportunidade gerada pelo fato de que o mundo “parou” por conta da covid, o livro ganha mais importância, e mostra como a agenda ESG evolui com liderança da Alemanha, que puxa a Comunidade Europeia com o “Green Deal”, e a China, que colocou seu dragão voltado para a meta de levar quase 2 bilhões de pessoas para uma situação de neutralidade em carbono.
Interessante ver o impacto das pessoas físicas ao longo do planeta, como protagonistas da mudança da matriz energética, e o caminho tímido dos Estados Unidos, apesar do esforço pioneiro de Carter meio século atrás.
O objetivo dos autores, neste contexto, é de alertar que o Brasil é uma potência energética, pois tem os rios com quedas, as matas, tecnologia de biomassa, o sol, o vento e o subsolo. Ou seja, tudo em abundância.
A capa do livro é reveladora e chocante, na medida em que expõe o mapa do Mundo sob a ótica do potencial de se gerar vida, tanto animal como vegetal.
Sob esse critério, o Brasil é a maior potência do planeta, rivalizada apenas por todos os países africanos em conjunto.
Caso não leia o livro, olhe com atenção para a capa – no mínimo, você vai realizar como fica clara nossa capacidade de ter a maior e melhor matriz energética do mundo, desde que seja possível pensar estrategicamente sobre o futuro, e legislar, hoje, em prol deste.
O mundo clama por um sinal, um gesto, para que o Brasil seja inundado de recursos da ordem de trilhões de dólares e boa vontade, e se transforme numa potência verde.
O livro tem propostas realistas, e vale muito a sua leitura. A linguagem para leigos, as figuras e gráficos fantásticos favorecem uma leitura que faz bem e abre a cabeça, gerando otimismo em relação ao nosso país.
A mensagem é clara: queimar florestas é queimar dinheiro. Com essa mensagem, talvez seja possível mover os corações e as mentes dos eleitores e seus eleitos nos anos que se seguem.
Imagino, sem conhecer as pessoas, que Jorge Caldeira não é o maior protagonista do livro, pois a foto da orelha mostra que o mesmo foi escrito em conjunto com Julia Sekula, 27, e Luana Schabib, 34. Portanto, desconfio que coube a Caldeira coordenar o trabalho, e fornecer o seu banco de dados fantástico, somado a sua experiência e generosidade, para que uma economista e uma jornalista pudessem ser a força motriz desta obra tão atual, tão instantânea, e tão necessária. Jorge, se for como eu, sabe que só se pode manter-se contemporâneo através dos olhos dos jovens.
O livro me permite sonhar que um dia, na abertura da ONU, um presidente brasileiro fará o discurso não por tradição, mas por reconhecimento do que o Brasil foi e é capaz de fazer pela humanidade, na busca de uma via mais sustentável.
*Fersen Lambranho é engenheiro, chairman da GP Investments e conselheiro de empresas como The Craftory, Leon Naturally Fast Food e Centauro.
(Imagem: Sébastien Goldberg/Unsplash)