Brasília – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) trabalha na estruturação de um projeto nacional para atrair empresas interessadas em atuar no reflorestamento de áreas degradadas. A ideia é financiar e alavancar recursos para que empresas possam agir na proteção e regeneração de regiões mais atingidas pelo desmatamento e que formam o que passou a ser conhecido como “arco do desmatamento”, área da fronteira agrícola entre o Centro-Oeste e Estados da região Norte.
As parcerias devem incluir projetos que busquem regeneração, fiscalização e exploração sustentável de recursos.
Em entrevista ao Reset, o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, diz que o plano está em fase avançada dentro do banco de fomento e deve ser anunciado em breve pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Estamos entrando na era da efervescência climática. Não basta mais, simplesmente, não desmatar. Temos que reflorestar a Amazônia. Vamos apresentar um projeto de grande escala para fazer isso”, afirma Mercadante.
“Vamos financiar, alavancar recursos e pensar numa forma criativa de financiamento. Você precisa reconstruir um arco verde florestal, uma parte com florestas produtivas, outra parte com florestas nativas. É preciso desenhar uma sustentabilidade desse investimento, para que o resto da floresta, rapidamente, se regenere e isso bloqueie o processo de destruição.”
Mercadante afirma que o governo trabalha na reformulação de concessões de parques, como Jalapão e Jericoacoara, depois de os projetos terem fracassado durante a gestão Bolsonaro, e detalha novas parcerias público-privadas na área social, destinadas à construção de escolas e hospitais.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
A preocupação ambiental passou a ser tema dos grandes projetos do governo na área econômica e de infraestrutura. Como é que o BNDES se encaixa nessas propostas?
A preocupação ambiental e a sustentabilidade estão no centro de nossas prioridades. Demos início às concessões florestais, com uma primeira operação no Amapá, e também estamos tratando de novas concessões de áreas com os Estados, como o Parque do Jalapão, no Tocantins.
O governador do Tocantins [Wanderlei Barbosa (Republicanos)] esteve aqui e pediu para entrarmos no assunto. Já estamos bem avançados. Vamos desenhar a concessão. Outro exemplo é o de Jericoacoara. O setor privado vai administrar cada projeto dentro de uma estruturação que o BNDES desenvolveu.
No que esse programa difere do “Adote um Parque”, do ex-presidente Bolsonaro?
Na gestão anterior, vimos uma tentativa que foi mal encaminhada. Estamos falando de outro tipo de acordo, exigências e estrutura. Aquilo gerou uma reação gigantesca, tanto que, no caso do Jalapão e de Jericoacoara, os governos do Tocantins e do Ceará romperam os contratos.
Agora temos outra proposta, que passa a incluir, por exemplo, a consulta democrática às comunidades. Elas participam de todas as etapas, com total transparência nas iniciativas. É um controle social de quem está lá, que vai valorizar seus negócios e atividades, fortalecendo a comunidade local.
Essa ideia de que você pega um ente privado que se apropria do bem público e exclui a comunidade local para maximizar lucros está completamente errada. Não é isso, mas sim melhorar a qualidade de vida e dos serviços de quem já está lá.
O governo vai trazer a iniciativa privada, portanto, para lucrar com a proteção das florestas?
A ideia é que a concessão dessas florestas possa ajudar a proteger, preservar e explorar de forma sustentável. Nós vamos apresentar um outro projeto muito forte nessa área, que mira o reflorestamento e a regeneração da floresta. Se você não reflorestar, nada vai se regenerar.
O Brasil é o quinto maior emissor de gás de efeito estufa do planeta. A nossa relação PIB e emissão é muito ruim. Metade das nossas emissões vem do desmatamento; outros 24% vêm do mau uso da terra. Então, reduzir 60% de desmatamento, como já está começando a ocorrer, contribui de forma decisiva para reduzir as emissões. Estamos sequestrando carbono e vamos atingir a nossa meta.
Só que a ambição do Brasil tem que ser muito maior que isso. O Brasil tem que ser o primeiro país do G20 a ter emissão [líquida] zero.
O que esses projetos vão prever, especificamente?
Não posso dar muitos detalhes ainda, mas de forma geral vamos financiar, alavancar recursos e oferecer uma forma criativa de financiamento. Se você não reflorestar o sul da Amazônia, onde está o arco do desmatamento, a região pode entrar num ponto de não-retorno.
É preciso reconstruir um arco verde florestal, uma parte com florestas produtivas, outra parte com florestas nativas. É preciso desenhar a sustentabilidade desse investimento, para que o resto da floresta, rapidamente, se regenere e isso bloqueie o processo de destruição.
Qual será a dimensão desta iniciativa?
Estamos definindo. Para mim, esse é o projeto mais eficiente e, talvez, seja o único que tem impacto sistêmico, pelo peso que a Amazônia tem no planeta. Estamos falando de uma área que concentra 25% das florestas tropicais do mundo.
Quem sabe não possamos mobilizar os outros oito países da Amazônia, além da Indonésia e do Congo, para fazer um grande progresso de restauração e reflorestamento nas florestas tropicais. Talvez este seja o movimento de maior impacto na crise climática que a gente possa oferecer.
O que é que teria impacto para sequestrar carbono em grande escala e reequilibrar o clima, o funcionamento hidrológico? O coração dessa estratégia é a Amazônia. O Brasil pode liderar essa estratégia, esse movimento global, e dar uma contribuição gigantesca no enfrentamento da crise climática, que não pode mais ser tratada com essa inércia e essa lentidão que está sendo enfrentada.
Quando teremos esse programa de regeneração em operação?
O presidente vai anunciar assim que for concluído. O fato é que não se trata mais de urgência climática. Estamos entrando na era da efervescência climática. Pega o incêndio no Canadá, no Havaí, na Grécia, o deserto da Arizona com 57 graus, as cidades europeias e americanas com 45 graus ou mais.
Temos um inverno no Brasil com 38 graus ou mais. Tivemos o mês mais quente da história da Terra. Os próximos cinco anos, com 98% de probabilidade já confirmada, serão os anos mais quentes da história do planeta.
Temos a situação dramática no Rio Grande do Sul.
Veja que estivemos lá dias atrás para lançar uma linha de crédito para amenizar o impacto da seca, daqueles que tiveram um prejuízo de R$ 28 bilhões na agricultura. Abrimos uma linha especial para o cooperativismo que foi impactado. Agora, dias depois, encontramos outro extremo, com as inundações.
Toda vez que ocorre um acidente climático dessa dimensão, você precisa reconstruir o espaço urbano, garantir alguma renda para as famílias. Acontece que o Estado nunca cuidou da reconstrução da atividade econômica local, que foi devastada por aquela água. Tudo fica completamente inviabilizado.
O que essa linha de crédito prevê?
Criamos uma linha nova, de R$ 1 bilhão, com cinco anos para pagar e dois anos de carência, a juro zero. O valor vai até R$ 2,5 milhões para pequena e média empresa, para ajudar na reconstrução econômica.
Temos mais um fundo garantidor de R$ 100 milhões para ajudar na oferta de recursos, porque as empresas não conseguem pegar empréstimo nesta situação, por não terem garantia. O desequilíbrio climático está acentuando e acelerando esses extremos, que trarão prejuízos econômicos e sociais absolutamente devastadores. Paralelamente, ao focar em projetos sustentáveis, vamos recuperar nossa indústria e a inovação.
De que forma isso será feito?
O governo estabeleceu um tripé que organiza os ministérios, as empresas públicas e o BNDES em relação à nova política industrial. Ao lado da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), somamos R$ 40 bilhões em recursos para inovação, com uma taxa de juros de 3% ao ano.
O Conselho Monetário Nacional estabeleceu as prioridades de inovação e nossa política industrial, também. Dentro disso, vamos começar, agora, a liberar recursos e alavancar a retomada do investimento que a inovação não tinha.
Além desses R$ 40 bilhões, há outros R$ 20 bilhões não reembolsáveis pela Finep. São, portanto, R$ 60 bilhões para recuperar a indústria e a inovação.
Que papel terá o BNDES dentro do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?
A segunda grande estrutura orientadora de nosso investimento é o PAC. Ele foi construído na forma de um pacto federativo, com o governo dos Estados. Neste ano, já financiamos mais investimento em infraestrutura do que todo ano passado. Temos para desembolsar e contratar uma carteira de R$ 26,1 bilhões.
Trata-se do que está em andamento, porque o PAC é uma prioridade absoluta. O que ficou estabelecido é que Caixa Econômica e Banco do Brasil vão acompanhar os investimentos das prefeituras, enquanto o BNDES cuida dos governos dos Estados. Vamos tratar disso, que é a nossa competência.
Como estão esses contatos com os governadores?
A maioria dos governadores já apresentou a sua carteira, os processos de solicitação de crédito já estão em andamento e nós estamos tratando o tema de forma suprapartidária.
O que está no PAC é prioridade e é o que vamos alavancar. Hoje temos mais de R$ 54 bilhões em volume de projetos que se cadastraram para fazer a consulta sobre a viabilidade do financiamento. É o que temos hoje na carteira já em processo de análise. Então, há um crescimento extraordinário.
Lançamos as duas maiores debêntures de infraestrutura da história do Brasil, depois da (crise da) Americanas, depois que o mercado teve uma queda de 37%, e que foram estruturadas, distribuídas e organizadas pelo BNDES. Estamos trabalhando intensamente com o mercado de capitais para alavancar recursos privados, além dos recursos próprios.
Que debêntures são essas?
São da área de saneamento. São cerca de R$ 13 bilhões. Estamos mostrando que, além dos recursos próprios, estamos organizando a mobilização de recursos privados para o financiamento dos projetos estratégicos em infraestrutura.
O mercado se sentiu seguro, porque a placa do BNDES dá muita segurança, porque a gente investe mais em longo prazo, acompanha os projetos e o banco é muito rigoroso, com uma inadimplência de 0,01%.
Nós precisamos de parceria público-privada para fazer os projetos avançarem. Além disso, estamos desenvolvendo áreas novas de negócios, como as parcerias público-privadas nas áreas sociais, envolvendo hospitais e escolas.