Quer entender o contexto, as implicações e as oportunidades de uma economia verde, neutra em carbono?
Um livro que chegou ontem às livrarias cobre o assunto em extensão, tocando em boa parte dos aspectos relevantes e funcionando quase como um grande manual para uma economia sustentável.
E com um detalhe: “Nem negacionismo nem apocalipse — Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira” tem o mérito de tropicalizar a discussão, tratando das peculiaridades do país, carente de uma bibliografia sobre o tema.
O economista Gesner Oliveira e o administrador de empresas Artur Villela Ferreira afirmam logo na partida que não reivindicam o monopólio da verdade e nem têm pretensões de formular soluções definitivas, mas sim informar o debate.
E cumprem essa proposta com grande competência.
Nas suas 304 páginas, o livro faz um passeio pelas teorias macro e microeconômicas por trás da defesa de uma economia verde, discutindo os limites planetários para o consumo e a produção, falam sobre a chegada da sustentabilidade ao universo financeiro, com a febre ESG, para então chegar à parte mais interessante, em que discutem macrotendências da economia do meio-ambiente na prática.
Agricultura e pecuária sustentáveis, transporte de pessoas e mercadorias, transição energética e economia circular são alguns dos temas que ganham destaque.
A seguir, o Reset publica em primeira mão a íntegra de um trecho final do livro, em que os autores se propõem a desconstruir alguns mitos (spoiler: contém polêmicas) e a deixar uma lista de sugestões para que o Brasil se torne uma potência ambiental.
Derrubando sete mitos sobre o meio ambiente
Mito 1: O desmatamento é necessário para o desenvolvimento
Na realidade, grande parte do desmatamento no Brasil hoje ocorre de forma ilegal para o roubo de terras públicas. Essas atividades não guardam nenhuma semelhança com o que existe de mais moderno na produção agropecuária e geram pouquíssimo valor, capturado por uma minoria de criminosos. Além de não gerar benefícios, essas atividades criam um ambiente de ilegalidade e afastam investimento em bons negócios que poderiam gerar prosperidade.
Mito 2: Os transgênicos são prejudiciais à saúde
A verdade é que a edição genética é uma ferramenta importante para garantir a atual produtividade agrícola no mundo. Além de não representar risco à saúde humana, as técnicas de edição genética permitem uma produção maior em uma mesma área, contribuindo para a redução da pressão por conversão de áreas de biomas nativos em lavoura.
Mito 3: O plástico e a mineração são os grandes vilões ambientais do século XXI
O uso de materiais provenientes de fontes fósseis traz desafios, mas é necessário realizar análises de ciclo de vida das diversas soluções possíveis para cada demanda. Em boa parte das vezes, o desempenho ambiental dos plásticos é melhor do que o das alternativas. Tampouco a mineração é vilã. Conforme comentado no Capítulo 11, quanto mais ambiciosas as metas de redução na produção de gases de efeito estufa, maior será a demanda sobre a produção de minérios. A verdade é que não faz sentido demonizar um determinado setor ou material. O fundamental é haver uma análise global a partir da qual a sociedade fará escolhas de quais são e como devem ser usados os recursos para atingir determinadas metas ambientais.
Mito 4: A reciclagem vai resolver o problema de resíduos do Brasil
Por mais que seja desejável reaproveitar o máximo possível de matérias-primas, processos de reciclagem nem sempre são possíveis ou economicamente viáveis. Aterros sanitários bem operados e aproveitamento energético fazem parte do leque de soluções alternativas, em especial quando falamos de um país com nível médio de renda e recursos limitados.
Mito 5: Conscientizadas do problema ambiental, as pessoas mudarão seus hábitos drasticamente
Esperar que todos se tornem veganos ou abandonem seus carros não é razoável; o mesmo no que diz respeito às roupas: é ilusório acreditar que serão usadas por mais tempo, de forma mais consciente. Qualquer estratégia para a sustentabilidade deve incluir alternativas graduais, como as “carnes vegetais” ou os biocombustíveis, e estabelecer metas de curto, médio e longo prazo compatíveis com os limites planetários.
Mito 6: Casas dispersas com grande área verde são sustentáveis
O adensamento em cidades é ao mesmo tempo grande gerador de riqueza e grande fonte de sustentabilidade. Em especial se atreladas a usos mistos do solo, políticas de adensamento urbano permitem às pessoas fazer mais trocas com menor necessidade de locomoção, reduzindo muito seu impacto ambiental.
Mito 7: Usar madeira contribui para a crise ambiental
Quando proveniente de fontes legais, a madeira pode ter diversas aplicações, inclusive na construção civil, sendo uma alternativa desejável do ponto de vista ambiental, pois captura carbono da atmosfera. Produtos madeireiros provenientes de florestas plantadas, que se renovam a cada safra, ou de florestas nativas corretamente manejadas estão entre os materiais mais sustentáveis.
Dez passos para o Brasil se tornar uma potência ambiental
O potencial ambiental brasileiro é nossa maior vantagem competitiva e pode ser a força que direciona o crescimento do país no século XXI. Aproveitar esse potencial depende de uma série de medidas tanto por parte de agentes públicos e privados quanto da sociedade civil. Listamos a seguir dez diretrizes para que o país chegue a 2030 como um dos grandes líderes mundiais em economia sustentável.
1. Combater e eliminar o desmatamento ilegal e o roubo de terras públicas, quebrando o ciclo perverso da grilagem.
2. Rentabilizar os serviços ecossistêmicos prestados por quem preserva os biomas nativos, seja por mecanismos nacionais, seja pela integração aos mercados globais de carbono.
3. Expandir a participação de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta e produção regenerativa na área cultivada, fortalecendo a posição do Brasil como líder em agricultura de baixo carbono.
4. Diversificar a produção agrícola para além de gêneros alimentícios, visando fornecer combustíveis renováveis, biomassa, fibras e outros insumos para indústrias sustentáveis, no Brasil e no mundo.
5. Manter a liderança em energia sustentável, com expansão da produção eólica, solar e uso de biomassa, além da substituição de térmicas a diesel e do investimento em estrutura de armazenamento de energia, para que a baixa pegada de carbono da matriz seja um diferencial da indústria nacional.
6. Ampliar a participação de navegação de cabotagem, hidrovias e ferrovias na matriz de transporte, reduzindo os custos e as emissões específicas do transporte.
7. Universalizar o saneamento básico, garantindo acesso a água encanada, tratamento de esgoto e desativação dos lixões, além de aumentar os programas de reciclagem e reaproveitamento energético de resíduos e de reutilização da água.
8. Aumentar a pesquisa e desenvolvimento em bioeconomia, para identificar possíveis novos produtos derivados da fauna e da flora brasileiras, bem como novas aplicações de matérias-primas e moléculas conhecidas, tornando o Brasil o maior polo mundial de pesquisa em bioeconomia tropical.
9. Incentivar a redução do uso de combustíveis fósseis no transporte urbano, combinando o emprego de biocombustíveis e a eletrificação das frotas com o investimento em redes de transporte público e principalmente de transporte ativo, com adensamento das cidades e adequação de calçadas e ciclovias.
10. Integrar todas as ações anteriores e outras em um plano estratégico para posicionar o país como líder na economia verde, construindo uma “marca Brasil” que leve essa imagem a todos os produtos e serviços do país.
Essas sugestões são apenas possíveis linhas de ação para o país. Mais importante que a decisão de priorização deste ou daquele caminho, é que todos — população, empresas, líderes da sociedade civil e políticos — abracem o desenvolvimento sustentável não como um empecilho, mas como uma oportunidade única para o Brasil se colocar entre os líderes da economia verde do século XXI.
“Nem negacionismo nem apocalipse — Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira”
Autores: Gesner Oliveira e Artur Villela Ferreira
304 páginas, Editora BEĨ
Preço: R$ 75