Na busca centenária pelo umami, o chamado “quinto sabor” registrado pelo nosso paladar, a Ajinomoto encontrou uma fonte natural em uma foodtech do Pará.
Essa “essência do que é delicioso”, uma tradução aproximada do termo japonês umami, está presente em alimentos como queijo parmesão, cogumelos e carne vermelha – e também no brasileiríssimo tucupi.
Foi esse um dos motivos que aproximaram a gigante japonesa, dona das marcas Sazón, Mid e Sabor a Mi e com um faturamento global de US$ 10 bilhões em 2022, da Manioca, startup de Belém que há uma década leva produtos tradicionais da culinária amazônica para o resto do país.
As conversas sobre umami se transformaram num convite para a empresa integrar o programa de inovação aberta Ajinolab e culminaram num aporte fechado em novembro passado (o valor não é revelado).
Além do realce de sabor, a empresa enxergou nos paraenses dois outros atributos, afirma Natalia Fialho, gerente do departamento de negócios de saúde esportiva da Ajinomoto.
“Globalmente, buscamos cada vez mais produtos que remetam à sustentabilidade e biodiversidade. A Manioca traz exatamente isso”, diz a executiva.
Não é a primeira vez que a Manioca chama a atenção do mercado.
Antes da companhia japonesa, a foodtech paraense já havia recebido investimentos da aceleradora de impacto Amaz e do Fundo de Biodiversidade da Amazônia (ABF, na sigla em inglês), veículo gerido pela consultoria Impact Earth.
A diferença, dessa vez, é que a startup despertou o interesse de uma das maiores empresas de alimentos do mundo.
Fornecimento justo
A Manioca nasceu em 2014. Joanna Martins é publicitária e também filha do chef Paulo Martins, dono do Lá em Casa, um restaurante tradicional de Belém.
Ela e seu sócio Paulo Reis criaram a empresa com o objetivo de utilizar ingredientes da rica culinária regional em produtos como especiarias, pimentas, farinhas e grãos, criando cadeias de valor sustentáveis para as comunidades locais.
São 42 famílias fornecedoras de ingredientes como mandioca, cumaru, chicória, puxuri, entre outros. Elas estão espalhadas por 13 cidades do Pará.
A Manioca compra 90 toneladas por ano de matérias-primas. Martins diz que, além das transações comerciais, a preocupação é ajudar esses negócios familiares a lidar com demandas do mercado.
“Eles não estão acostumados a atender uma indústria, por exemplo, que quer um produto mais padronizado, embalado de uma forma adequada, que seja pedido e entregue em um prazo específico, que tenha nota fiscal”, afirma ela.
“Queremos que ele venda não só para a Manioca, mas também para outras empresas.”
A foodtech também acompanha indicadores socioeconômicos dos fornecedores. Um questionário aplicado anualmente ajuda a empresa a entender o seu impacto junto às comunidades locais.
Umami no tucupi
O carro-chefe da startup é o tucupi, extrato do caldo da mandioca brava amarela que é um dos ingredientes centrais da culinária local, mas que dificilmente era encontrado em outras partes do país: o produto estraga facilmente se não estiver refrigerado.
A Manioca desenvolveu um processo produtivo que estende a validade do tucupi em temperatura ambiente. Envasado em garrafinhas, ele pode ser enviado para outras regiões do Brasil e também para o exterior.
A foodtech fez sucesso na cena gastronômica paulistana nos últimos anos. Restaurantes famosos de São Paulo, como o DOM, do chef Alex Atala, e o Maní, de Helena Rizzo, por exemplo, usam o tucupi da empresa.
Até o início da pandemia, as vendas B2B representavam 70% do faturamento. Mas no período de isolamento social, entre 2020 e 2021, as vendas da Manioca para o segmento de food service praticamente secaram.
A decisão foi redirecionar os esforços para o consumidor final.
Além de vender no próprio site, a empresa conta com 150 pontos de venda, espalhados por 21 Estados brasileiros.
No eixo Rio-São Paulo, a Manioca está nas gôndolas de redes varejistas como Pão de Açúcar, St. Marche e Zona Sul.
“Temos um sonho grande que é estar na casa de todo brasileiro”, diz Martins. Isso passa por triplicar os pontos de venda até o ano que vem – e também usar o poder de distribuição da Ajinomoto.
A companhia, da sua parte, quer aprender. Globalmente, a meta da Ajinomoto é que até 2030 60% de seus produtos tenham “valor nutricional aprimorado”.
De certa forma, é uma volta às origens. A empresa foi fundada em 1907 para vender o ingrediente descoberto por Kikunae Ikeda, professor de uma universidade de Tóquio.
Intrigado com o sabor peculiar de um caldo feito à base de kombu, um tipo de alga, ele foi o primeiro a sugerir que haveria um quinto sabor além dos quatro conhecidos: doce, salgado, azedo e amargo.
Ikeda isolou o glutamato monossódico, um dos principais responsáveis pelo novo sabor, e patenteou o processo produtivo que deu origem ao Ajinomoto.
(O produto e similares são amplamente utilizados em alimentos ultraprocessados. Mas estudos científicos apontam que o glutamato monossódico, nas quantidades tipicamente consumidas, não estão associados a nenhum problema de saúde.)
A descoberta gustativa foi batizada por Ikeda de umami, palavra que já entrou para o vocabulário da gastronomia.
Martins enxerga um paralelo com o tucupi. “Mesmo sem adição de sal, o tucupi tem um sódio natural que traz o sabor salgado. E, na origem, antes de ser fermentado, ele é docinho. Além disso, também traz um certo amargor e uma certa acidez que vem da fermentação”, explica a fundadora da Manioca, Joanna Martins. “É por isso que ele é tão gostoso e combina com tanta coisa.”