Ele destoa da selva de pedra. Todo em madeira, das vigas e pilares às lajes, um charmoso prédio de quatro andares e 1.500 m2 inaugurado no mês passado é a ponta visível da chegada ao país de uma nova tendência da construção civil mundial.
A loja-conceito da chocolateria Dengo, do empresário Guilherme Leal, acionista da Natura, é a primeira edificação de vários andares erguida no Brasil utilizando a chamada madeira engenheirada.
O ‘mass timber’, como é conhecido lá fora, utiliza camadas de madeira maciça sobrepostas para fazer pilares, vigas e lajes suficientemente fortes para substituir o aço e o concreto e conseguir sustentar prédios de muitos andares. O mais alto do mundo, de 25 pavimentos, está atualmente em construção em Milwaukee, nos Estados Unidos.
Nascido na Áustria nos anos 90, o método se espalhou pela Europa e outros continentes e ganhou velocidade de verdade nos últimos cinco anos.
Nos Estados Unidos, onde o primeiro edifício de madeira foi construído em 2011, já existem quase 400 prédios em mass timber prontos e mais 500 em construção, entre residenciais, comerciais, universidades e outros.
A rede de supermercados Walmart resolveu fazer a sua nova sede em madeira, enquanto Google e Microsoft também optaram pelo método construtivo em alguns de seus planos de expansão. A Forest Business Network, associação americana do setor, calcula que o número pode atingir 24 mil edifícios no país em 2034.
“A madeira engenheirada é considerada o futuro da construção civil”, diz o CEO da Dengo, Estevan Sartoreli. A decisão de erguer a loja-conceito em madeira engenheirada, diz, está alinhada ao princípio da marca de gerar impacto positivo em tudo o que faz.
Armazém de CO2
O avanço do mass timber se apoia em dois pilares: a racionalização da forma de construir, que permite a industrialização dos processos, com menos resíduos e desperdício no canteiro de obras, e o forte apelo ambiental.
A substituição da tradicional dupla aço e concreto reduz as emissões de CO2 do processo construtivo em mais de 60%, segundo algumas estimativas. E, além disso, a madeira é um depósito natural do carbono. As árvores absorvem o dióxido de carbono e água e liberam oxigênio, principalmente na fase de crescimento. O carbono absorvido é armazenado até que as árvores apodreçam ou sejam consumidas em um incêndio, quando o CO2 é liberado na atmosfera. Mesmo cortada, a madeira segue estocando o carbono.
Há quem aponte que, tudo somado, o sequestro de carbono superaria as emissões do processo construtivo, o que torna esses edifícios carbono positivos.
Aqui no Brasil, a cadeia em torno da madeira engenheirada está começando a se estruturar.
A loja da Dengo serve de cartão de visitas para outra empresa que também tem o empresário Guilherme Leal no quadro de acionistas: a Amata, especializada na gestão de ativos florestais com manejo sustentável. Foi seu novo braço de negócios, batizado de Urbem, que forneceu as lajes e paredes em madeira engenheirada para a loja.
A Urbem surgiu justamente com a ambição de se tornar o maior produtor de mass timber em larga escala no Brasil.
Outras duas empresa, a Crosslam e a Rewood, produzem madeira engenheirada no país, mas numa escala menor que a pretendida pela Urbem — vieram da Rewood os pilares e vigas da loja Dengo.
“A madeira engenheirada deverá ser o motor de crescimento da empresa. Quanto mais crescer, mais vai gerar negócios para o mercado florestal”, diz Ana Bastos, CEO da Amata, que tem ainda como acionistas BNDESPar, o fundo de private equity Brasil Agro, gerido pela BRZ, e a empresa de investimentos alemã Aquila.
Com investimento de R$ 100 milhões, a empresa começará a construir a fábrica em 2021 e espera concluí-la em 2022. O projeto nem saiu do papel e Bastos diz que essa deverá ser a primeira de várias. “O Brasil tem potencial para se consolidar como um polo produtor de madeira engenheirada.”
Como ainda não fabrica o produto, importou o material usado na loja da Dengo da austríaca KLH, pioneira nessa tecnologia. A importação fez com que a obra custasse duas a três vezes mais do que a opção tradicional em aço e concreto, segundo a Dengo. Mas a realidade será outra quando a produção for local, diz Bastos.
Da floresta à cidade
Com 15 anos de estrada, a Amata começou a pesquisar o mass timber há cerca de quatro anos ao buscar formas de agregar valor à madeira de reflorestamento. “Entre 2018 e 2019 fizemos estudos para provar que o negócio seria viável no mercado local, com matéria-prima brasileira, com construtor local”, diz Bastos.
Confiantes de que tinham um produto em mãos, em 2020 veio a decisão de acelerar os planos, prospectando clientes, encomendando equipamentos e planejando a fábrica. A localização é mantida em segredo, mas a escolha recairá sobre Santa Catarina ou Paraná, os dois Estados que concentram a plantação de pinus no país.
A espécie foi identificada como a que mais se aproxima do desempenho de outras coníferas empregadas em países do hemisfério Norte, permitindo usar o mesmo maquinário e eliminando o risco tecnológico da jogada.
Um aspecto importante do negócio é que, assim como lá fora, a matéria-prima virá exclusivamente de florestas plantadas. “Muita gente logo associa construções em madeira com derrubada de florestas nativas. E não é isso”, diz a arquiteta Ana Belizário, responsável por novos negócios na Urbem. A empresa só comprará madeira de manejo sustentável, certificada com o selo FSC.
Em 2017, a Amata anunciou a construção de um edifício em madeira engenheirada de 13 pavimentos na Vila Madalena, em São Paulo, projetado pelo escritório de arquitetura Triptyque. Com previsão de ter coworking, coliving e restaurante, o projeto não saiu do papel e continua sem previsão.
Além da prancheta
Agora, quem quer ser a primeira a tirar da prancheta um projeto com tantos pavimentos em mass timber é uma construtech fundada há um ano em São Paulo, a Noah.
“A madeira é o único material que é renovável e estruturalmente eficiente ao mesmo tempo”, diz o CEO e fundador, Nicolaos Theodorakis, um ex-executivo do mercado financeiro, com passagens por Unibanco e BTG Pactual, e que depois enveredou para o mercado imobiliário.
Neste um ano de existência, os executivos da empresa têm se dedicado justamente a desenvolver o mercado, principalmente em conversar com incorporadores, para convencê-los das vantagens e do apelo comercial do ‘mass timber’.
Para tangibilizar o que vem pregando ao mercado, a Noah resolveu verticalizar seu negócio e, além de construir, incorporar ela mesma o primeiro projeto. A ideia é que seja um prédio de onze andares, também na Vila Madalena. O financiamento está sendo estruturado por meio de um fundo imobiliário que deve vir a mercado nos próximos meses.
“As pessoas querem ver para crer. É preciso desconstruir vários conceitos”, diz Theodorakis.
Se tudo correr como o planejado, a obra começa dentro de um ano e deve levar 18 meses para ser concluída. “Depois que a gente conseguir mostrar que o negócio funciona, queremos escalar de forma forte.”
O setor da construção é bastante conservador e, assim como a Noah, a Amata também tem peregrinado pelos diversos elos da cadeia para pregar sobre as vantagens do mass timber.
“Até 2018 o mercado local reagia mal à novidade. É uma disrupção cultural. Muita gente associa a construção em madeira à fábula dos três porquinhos, em que a casa de madeira cai e a única que fica em pé é a de alvenaria”, diz Ana Belizário.
“Agora em 2020, com o avanço do ESG, o ambiental veio para a mesa e o mercado passou a olhar para soluções ambientalmente mais suaves”, diz ela. No ano, a empresa orçou mais de 300 mil metros quadrados para potenciais clientes.
O capital também começa a se mover na direção do mass timber. O BTG Pactual criou a Landscape Capital neste ano para gerir fundos para investir em reflorestamento. Além de plantar florestas que poderão fornecer para os fabricantes como a Amata, uma das apostas é investir também no downstream da cadeia.
Para além do apelo ambiental, Belizário acredita que o que vai fazer o mass timber decolar é o aspecto da industrialização do processo construtivo. “Os canteiros de obra não evoluíram, o concreto ainda sobe por uma mangueira para encher as formas. A construção civil é ineficiente.”
Theodorakis vai na mesma linha. Ele recorre ao exemplo da Katerra, uma construtech fundada em Palo Alto em 2015 e que se tornou uma das grandes referências desse mercado no mundo. “Eles atingiram uma redução de custos de até 30% na construção. Nosso desejo no futuro é ter condições de chegar nesse nível de eficiência.”
(Crédito da foto: Fran Parente)