BIOECONOMIA

Açaí: tarifaço de Trump atinge ribeirinhos no Pará

Com 75% das exportações destinadas aos EUA, fruto símbolo da bioeconomia amazônica vê risco de retração e impactos na subsistência de populações ribeirinhas

Açaí: tarifaço de Trump atinge ribeirinhos no Pará

Belém – O tarifaço imposto pelos Estados Unidos desde o último dia 6 acendeu um alerta na cadeia do açaí. O mercado americano é o principal importador do fruto símbolo da Amazônia, e os impactos começam a ser sentidos em uma das histórias de sucesso da bioeconomia nacional.

O açaí ficou fora da lista de 700 itens isentos da sobretaxação. A exclusão preocupa especialmente o Pará, responsável por 95,3% do fruto produzido no país e que tem nos consumidores americanos seu maior cliente.

As medidas vêm em um momento de forte expansão internacional. No primeiro semestre de 2025, as vendas para os Estados Unidos cresceram 59,3% em relação ao mesmo período do ano passado. O país fica com três quartos de todo o açaí mandado ao exterior. Os dados são da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa). 

Um levantamento da Fundação Amazônia de Amparo à Estudos e Pesquisa do Pará mostra que, em 2023, o Pará exportou 61 mil toneladas de açaí e derivados, gerando US$ 45 milhões em receita externa. A cadeia movimenta R$ 7 bilhões ao ano e envolve 180 fábricas de beneficiamento, segundo estimativas do Sindfrutas Pará.  

As primeiras estimativas apontam uma retração de pelo menos 8% nos volumes exportados, de acordo com o Centro Internacional de Negócios e do Observatório da Indústria da Fiepa.

“A queda impacta a renda de milhares de famílias, a sustentabilidade da cadeia produtiva e a imagem internacional do açaí paraense, que é um produto de forte valor socioambiental”, diz o presidente da Fiepa, Alex Carvalho.

Diversificação

O temor é que o aumento dos preços ponha a perder um espaço conquistado ao longo de duas décadas. Embora não exista um equivalente made in USA, a fruta concorre com smoothies e outras preparações que levam frutas silvestres.

A dependência de um único destino exportador sempre foi entendida como um risco. Mas abrir novos mercados leva tempo, afirma Carvalho. “Barreiras sanitárias, certificações e custos logísticos tornam essa transição mais onerosa. É improvável que no curto prazo outros países consigam absorver integralmente o volume hoje destinado aos EUA.”

O grupo EcoFoods, que tem quatro fábricas de beneficiamento de açaí no Pará, passou por um longo processo até estabelecer um relacionamento com os japoneses.

“Foi um ano de relacionamento para começar a vender para o Japão, mandando amostra, análise, atestados sanitários. Vieram aqui para ver se era tudo verdade”, diz José Bonifácio Sena, diretor de comércio exterior do EcoFoods.

Em novembro, aproveitando a realização da COP30 em Belém, a empresa vai receber visitantes chineses com o objetivo de aumentar os embarques para o país.

O crescimento não depende só de bons preços, segundo Sena. A rastreabilidade do produto, as práticas sustentáveis e a aproximação com as comunidades produtoras têm sido cada vez mais exigidas. 

Extrativistas pressionados

Mas os valores são parte fundamental da conta, especialmente na ponta mais frágil da cadeia. O tarifaço pode pressionar os preços pagos a extrativistas e pequenos produtores, reduzindo a renda de comunidades ribeirinhas e fragilizando conquistas recentes da bioeconomia paraense. 

A indústria de processamento do açaí mantém cerca de 5 mil empregos diretos e outros 15 mil indiretos, em atividades que vão desde a coleta ribeirinha até a logística internacional. Para comunidades amazônicas, trata-se de uma das principais fontes de subsistência.

Hoje, o produtor vende as latas de açaí a barqueiros que fazem o transporte para as unidades de processamento. Hoje, o valor de cada uma – que corresponde a 14 quilos do fruto – fica entre R$ 90 e R$ 150.

Depois do beneficiamento, um quilo do produto pode ser negociado por até US$ 60 no caso do açaí desidratado.

Quebra de safra

A conjuntura é particularmente delicada porque o setor ainda sente os efeitos da quebra de safra de 2024. A produção do ano passado foi de 1,4 milhão de toneladas, uma redução de  12,5% em relação a 2023.

“Temos um produto de forte impacto socioambiental, e o tarifaço mostra o quanto ainda somos vulneráveis”, concluiu Carvalho.

A pressão tarifária imposta pelos Estados Unidos mobilizou uma reação conjunta das exportadoras de açaí no Pará. Segundo Denise Acosta, presidente do Sindicato das Indústrias de Frutas e Derivados (Sindfrutas) do Pará, empresas do setor decidiram atuar de forma articulada para enfrentar o impacto imediato. 

A dirigente explicou que, diante do risco de cortes, está em avaliação a adesão ao programa Brasil Soberano, do governo federal, que oferece linhas de financiamento para evitar demissões.

O bloqueio tarifário já começa a afetar a logística e a abastecer de incertezas o mercado americano, principal destino das vendas. 

“Tem empresas com mercadoria nos portos dos EUA esperando definições. O mercado americano já começa a ficar desabastecido.  A gente perde muito com isso, mas há um redirecionamento para o mercado nacional. Os EUA também perdem muito, pois é um mercado milionário com redes de alimentação e franquias”, disse Acosta. 

Para ela, a preocupação com a cadeia do açaí deve ser tratada como um tema de alcance nacional: “Mesmo a empresa que é exportadora baseada em São Paulo, o açaí é do Pará. Em algum momento, algum ribeirinho colheu esse açaí no Pará ou uma fábrica processou aqui”.