PECUÁRIA

Na Danone, a fórmula para produzir mais leite e menos metano

Projeto de pecuária regenerativa no Brasil reduziu em 42% as emissões de metano e aumentou a produtividade de pequenos agricultores

Na Danone, a fórmula para produzir mais leite e menos metano

Dono de uma pequena fazenda em Santa Rita de Caldas, em Minas Gerais, Áureo Carvalho tem 85 vacas leiteiras. Filho e neto de trabalhadores rurais, seu sonho era se tornar um produtor de leite, o que realizou com o dinheiro que economizou trabalhando fora do Brasil. Ao voltar ao país, comprou a Fazenda Cachoeira das Antas e encontrou em práticas regenerativas de produção uma forma de multiplicar por oito sua produção. 

Carvalho é um dos 130 fornecedores de leite da Danone no Brasil que participam do projeto de agropecuária regenerativa da empresa. Chamado de Flora, ele incentiva a adoção de práticas sustentáveis, que além de reduzir a emissão de metano apresenta também aumento de produtividade.

Para a Danone, o programa contribui para atingir sua meta de redução de emissões de gases de efeito estufa. Para o produtor, paga 4% a mais por litro de leite, o que, combinado com a maior produtividade, viabiliza o investimento para a transição do modo de produção. 

Na Fazenda Cachoeira das Antas, a produção saltou de 200 litros diários para 1.700 nos últimos dois anos, quando aderiu ao programa da Danone. O número de vacas adicionadas ao rebanho foi de apenas cinco no período, um aumento de 6%. Carvalho projeta chegar a uma produção de 2,5 mil litros diários até o início de 2026.

O plano da Danone é, agora, replicar essas práticas em outras operações. “Os projetos na América Latina são um laboratório de boas práticas, que é o que queremos exportar”, diz Silvia Dávila, presidente da Danone para América Latina, ao Reset. O modelo do projeto Flora ganhará versões na Índia e no Marrocos. 

As práticas sustentáveis incluem cuidado com o pasto e com o bem estar das vacas. O pulo do gato foi entender que animais bem tratados produzem mais leite com menos emissão de metano – que tem um potencial de aquecimento 80 vezes maior que o CO2. Parece marketing, mas é ciência e dados.

A Danone não revela volumes, mas afirma que quase 50% do leite usado no Brasil vem das fazendas que adotam práticas regenerativas. Nelas, a multinacional verificou uma redução de 42% na emissão de metano. 

No mundo, cerca de 10% dos gases de efeito estufa são provenientes do arroto dos ruminantes – o podcast original do Reset, o Carbono Zero, explica esse fenômeno. No Brasil, o número chega a 17%. É um sinal de alerta de que o modelo de produção precisa mudar. 

O incentivo mais eficaz costuma ser o financeiro: com o pagamento adicional pelo leite produzido de forma mais sustentável, a Danone afirma que aumentou, em média, 17% a renda dos produtores parceiros nos últimos cinco anos. No México, onde a Danone toca um projeto similar há 15 anos, o aumento chega a 30%. A América Latina responde por cerca de 10% das vendas da Danone no mundo – em 2024, o faturamento na região aumentou em 8%.

Práticas regenerativas

A Danone integra uma considerável lista de corporações agroalimentares que assumiram compromissos públicos com a agricultura regenerativa, entre elas ADM, AB InBev, Bunge, Cargill, Coca Cola, Heineken, Nestlé, Pepsi, Unilever e Walmart. 

A agropecuária regenerativa não tem uma cartilha única ou uma receita que possa ser replicada em várias propriedades, como uma certificação orgânica. Cada produtor escolhe um caminho, mas todos querem chegar ao mesmo destino: um solo e ecossistema saudáveis – regenerados. 

No caso da pecuária leiteira significa um pasto de qualidade e uma criação com bem estar dos animais: locais de pasto e confinamento com sombra, ventilação e água fresca (sistema conhecido como comfort barn, o “celeiro confortável”). Estudos e experiências no campo mostram que isso resulta em menor emissão de metano na atmosfera.

O protocolo da Danone para a produção de leite foca em mudanças do uso da terra e no cotidiano dos animais. São práticas de manejo de solo e dejetos, recuperação de áreas degradadas e a integração lavoura-pecuária-floresta. O programa se soma a um outro de bem estar animal da empresa, que orienta sobre práticas de nutrição, amamentação, colostragem, cuidados sanitários e ambientes livres de estresse.  

A multinacional entra com assistência técnica e um prêmio do valor pago pelo leite, o produtor se compromete a fazer a transição da produção, o que inclui os investimentos. 

Na Fazenda Cachoeira das Antas, de Áureo Carvalho, a primeira mudança foi baixar a contagem de células somáticas e das bactérias das vacas, indicativos de saúde dos animais. Depois, foi hora de aprender a cuidar melhor da terra. 

“O agrônomo nos ensinou que ao não deixar a terra compactada, o que preserva a matéria orgânica no solo, você aumenta a produção de alimentação para vacas, no mesmo número de hectares e com menos custos de fertilizantes”, conta Carvalho. “Ao reduzir a aragem, gastamos menos óleo diesel e horas de trator.”

Metas

A presidente da Danone para América Latina diz que a migração para a agropecuária  regenerativa demanda todo um ecossistema. “Precisa envolver ONGs, empresas de tecnologia e inovação governamental para atender os produtores, com condições e incentivos para novas práticas”, diz. Ela aponta como gargalos o acesso a tecnologia e crédito para que os produtores façam a transição.

O programa de agricultura regenerativa está dentro do escopo de compromissos climáticos da Danone. A multinacional tem como meta atingir o net zero (zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa) até 2050. Dado que sua operação é intensiva em consumo de leite, ela tem uma meta específica para metano: reduzir a emissão em 30% até 2030, em relação a 2020. 

A edição de 2025 do Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa, relatório do Instituto New Climate e Carbon Market Watch, classificou as metas e ações de descarbonização da Danone como “moderado”, a melhor classificação entre as cinco maiores empresas de alimentos e agricultura do mundo. 

De autoria de entidades respeitadas, o estudo avalia que a Danone demonstra um compromisso significativo com metas de redução de emissões alinhadas ao SBTi – a entidade dá o selo de maior prestígio para os planos de descarbonização das empresas – e que seu plano aborda diversas transições essenciais. No entanto, aponta que a companhia precisa definir melhor o papel das remoções de carbono baseadas no uso da terra em suas metas de longo prazo. 

“Hoje temos mais consciência dos problemas climáticos. As chuvas estão atrasando, é frio e seca fora de hora”, diz Carvalho, produtor em Minas Gerais. “Se não melhorar a relação com o meio ambiente, é pior para todos.”