Com o segundo maior rebanho bovino do mundo, depois da Índia, o Brasil é um dos países que mais contribuem com o gás metano lançado na atmosfera pelo arroto dos bovinos.
A startup australiana Rumin8, que desenvolve um aditivo à base de algas marinhas para reduzir o gás produzido na digestão dos animais, enxerga na pecuária brasileira um mercado chave – e a companhia acaba de dar um passo importante para acelerar seus planos por aqui.
A empresa recebeu investimento da gestora de impacto Good Karma Partners, de Eduardo Mufarej, para estender os estudos científicos que realiza em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e montar uma estratégia adequada às particularidades da criação de gado nacional.
O valor do aporte não foi revelado. Em duas outras rodadas semente, a companhia havia levantado US$ 17 milhões. O Breakthrough Energy Ventures, fundo climático de Bill Gates, é um dos sócios da Rumin8.
“O que mais nos atraiu na companhia é que ela entende a visão do produtor e tenta construir um produto que faça sentido economicamente”, diz Raphael Falcioni, sócio da GK.
Este é um dos pontos críticos para a descarbonização do campo – e para as ambições net zero dos frigoríficos brasileiros. A agropecuária está espalhada em milhares de fazendas dos mais variados tamanhos e seus donos costumam ser conservadores na adoção de novas tecnologias ou métodos produtivos.
O trabalho de convencimento dos produtores é gradual e precisa passar necessariamente pela rentabilidade.
Ganho de produtividade
Falcioni diz que um dos argumentos de venda desse tipo de insumo será justamente a produtividade. O estudo da Unesp, que ainda não foi concluído, aponta um aumento de 9% no ganho de peso dos animais que receberam o aditivo.
O percentual de redução de emissões de metano obtido nos testes com os animais brasileiros ainda não foi divulgado. A companhia espera que a criação de metodologias que permitam gerar créditos de carbono na pecuária seja outro “vento de cauda”.
E o mercado brasileiro é grande o suficiente, diz Falcioni. “Não preciso vender [suplementação] para 260 milhões de vacas. Se conseguir vender para algumas, já é um negócio que para muito de pé.”
Do mar para o pasto
A tecnologia da Rumin8 se baseia num composto chamado bromofórmio, encontrado em um tipo de alga marinha. A companhia patenteou uma maneira de reproduzi-lo em laboratório e transformá-lo em suplemento alimentar.
Acrescentado à dieta do gado de corte, o bromofórmio pode reduzir mais de 85% do metano gerado durante a digestão dos bovinos, de acordo com pesquisas iniciais da companhia.
Os números reais dependem de várias condições, da raça do animal à qualidade da alimentação e o tipo de criação.
Os testes realizados no Brasil, onde 90% da pecuária é extensiva, incluem formulações para fazendas que criam o gado solto no pasto. “O produto pode ser solúvel em água, ou então misturado com os minerais que fazem parte da dieta”, afirma Falcioni.
Mas o foco principal está na etapa da engorda, por alguns motivos. Em primeiro lugar, porque é aí que a extensa cadeia produtiva se afunila. E é também nesta etapa que os animais comem mais —- e emitem mais metano.
Liberação para uso
O produto ainda não está disponível comercialmente em nenhum lugar do mundo. Um dos objetivos do estudo em andamento no Brasil é colher as informações necessárias para registro junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária. Falcioni afirma que a liberação deva levar entre 12 e 18 meses.
O Bovaer, suplemento com função semelhante desenvolvido pela holandesa DSM, é vendido no Brasil há dois anos, e a gigante americana Cargill vende na Europa o Silvair.
Os três produtos tentam, de formas diferentes, reduzir a produção de metano que ocorre naturalmente no aparelho digestivo de ruminantes, um processo conhecido como fermentação entérica.
O gás é um dos subprodutos da transformação dos açúcares em energia pelo animal, e a maior parte dele é expelido pela boca – o arroto dos bois.
A Rumin8 tem hoje uma planta piloto em sua sede, em Perth, no oeste da Austrália. Uma unidade maior, capaz de fabricar 25 mil doses diárias, deve ser inaugurada até o fim do ano.
Uma das apostas da GK é que o domínio mundial dos frigoríficos brasileiros seja um grande acelerador no crescimento da startup. O fato de as companhias daqui serem as líderes globais em um setor é algo raro, diz Falcioni.
“Em dinheiro, o mercado americano é maior. Mas temos o maior número de cabeças de gado do mundo, ponto”, afirma ele. “Se conseguirmos convencer bem a companhia, o Brasil deveria ser o mercado foco ontem.”