O padrão das emissões de gases do efeito estufa (GEE) vinculado à atividade agropecuária e uso do solo é um dos maiores desafios climáticos do país – e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade de ganhos de produtividade e eficiência.
Com tecnologias, práticas e estratégias de manejo bem consolidadas para a agropecuária tropical, o país tem nas mãos a perspectiva de realizar a transição da produção de alimentos para um padrão de baixa emissão de carbono e resiliência climática, garantindo renda, produtividade e avanços socioambientais.
Migrar dos métodos convencionais, com uso extensivo de terras e insumos químicos, para um padrão de intensificação produtiva, com diversificação de culturas, sistemas integrados, agroecológicos e resilientes, depende de financiamento. O principal instrumento para isso é o crédito rural.
A política creditícia para o meio rural vem incorporando de forma sistêmica atributos de sustentabilidade. Eles vão desde os critérios de elegibilidade, que levam em conta a conformidade socioambiental e fundiária das propriedades rurais, aos programas e subprogramas de investimento rotulados, por incentivos como aumento de limite de crédito e redução nas taxas de juros de custeio para produtores que adotam boas práticas agropecuárias.
Apesar dessa clara tendência, não se conhece o verdadeiro alcance, em termos de volume de recursos, do crédito rural direcionado ao financiamento de empreendimentos alinhados à jornada de sustentabilidade.
A ausência de uma taxonomia nacional (que está em discussão) e os próprios desafios na operacionalização do crédito e do seu sistema de dados (Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro, ou Sicor) significam que ainda não há uma forma consolidada de classificar os recursos conforme a estratégia adotada no empreendimento financiado.
Fazendo as contas
Uma possibilidade é olhar para os recursos de crédito destinados aos programas e subprogramas rotulados. Apesar de representar uma fatia pequena do volume de recursos – R$ 6,1 bilhões, ou cerca de 6% do total de investimentos na safra 2022/2023 –, essas linhas têm papel fundamental.
Mas, no contexto global do Plano Safra, existem outros contratos fora desses programas rotulados com potencial de redução de externalidades ambientais negativas. Analisando outras camadas de informação é possível ter uma visão mais ampla da dinâmica dos recursos de crédito destinados ao agro sustentável.
Essas camadas podem ser os produtos financiados, ou variáveis capazes de identificar a estratégia de manejo adotada (tipo de agricultura, tipo de irrigação, tipo de consórcio, dentre outras variáveis).
Elaboramos uma metodologia com esse olhar abrangente para tentar determinar um número mais fiel à jornada de sustentabilidade da agropecuária. Foram definidos cinco níveis de análise para a classificação de um determinado recurso.
Um exemplo para além dos recursos rotulados: um contrato de custeio de soja produzida num sistema de plantio direto seria contabilizado como parte da jornada de sustentabilidade. Demais contratos para fins de correção de solos, mas que são firmados fora dos rotulados, também seriam contabilizados, por exemplo.
Não se trata de um recurso “carimbado”, mas ele deve ser levado em conta para entender o impacto mais amplo do financiamento na agricultura.
Lente de aumento
Em uma estratégia menos conservadora de nossa metodologia, somamos o total de crédito rotulado à porção do recurso diretamente relacionada a atividades sustentáveis contida nos contratos firmados fora dos rotulados. O resultado saltou de R$ 6,1 bilhões para R$ 20,9 bilhões.
Adicionando outras camadas de informações do Sicor, como os produtos contratados e as práticas agropecuárias do produtor, sempre embasados nas políticas do setor voltadas à baixa emissão de carbono e resiliência climática, alcançamos um valor de R$ 63,1 bilhões de recursos alinhados à jornada de sustentabilidade da agropecuária.
A metodologia tem limitações, é claro (veja a nota técnica sobre a metodologia). Mesmo no cenário mais conservador, não é possível garantir que um determinado recurso foi realmente destinado para a finalidade contida no contrato. Muito menos é possível atestar o impacto dessas intervenções. Tais limitações são transversais a todos os recursos contidos na política de crédito..
Apesar disso, acreditamos que essa metodologia tem o potencial de evidenciar os verdadeiros esforços destinados ao financiamento de um setor mais produtivo e resiliente.
Ela pode apontar também o caminho para continuar pensando e aprimorando os incentivos à transição e ajudar na avaliação de portfólios, para determinar alinhamento à sustentabilidade e subscrição de riscos socioambientais das carteiras das instituições financeiras.
Esse retrato mais preciso pode até mesmo servir de elemento para a definição de melhores condições de financiamento para aqueles contratos com atributos socioambientais.
Taxonomia sustentável
Além dos fins de propositura para a política agrícola nacional, esse esforço busca contribuir com as discussões em torno da taxonomia sustentável brasileira para o setor agropecuário.
Entendendo que essa taxonomia deve ser aplicada ao financiamento do setor, incluindo os recursos do Plano Safra, a metodologia adianta diversos desafios que serão enfrentados na criação e aplicação desse instrumento, independentemente das definições que venham a ser escolhidas.
E não é demais repetir: precisamos destinar mais os recursos aos empreendimentos alinhados à sustentabilidade. Este deve ser o mote, uma vez que é de interesse nacional a transição produtiva para um padrão de baixa emissão de carbono, sustentável, resiliente e socialmente justo.
* Leila Harfuch, economista, é sócia-gerente na Agroicone e possui 16 anos de experiência em desenvolvimento sustentável da agropecuária e políticas públicas
Gustavo Lobo, economista, é pesquisador na Agroicone e atua na agenda de política agrícola e sustentabilidade na agropecuária.
Lauro Vicari, economosta, é pesquisador na Agroicone e atua na agenda de política agrícola, com foco em finanças sustentáveis.