Gigante do agronegócio vai medir captura de carbono no solo

Piloto da americana ADM calcula a pegada completa da soja; informação interessa às empresas que precisam contabilizar as emissões da cadeia de valor inteira   

Gigante do agronegócio vai medir captura de carbono no solo
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Ainda no ensino fundamental aprendemos sobre o processo de fotossíntese das plantas, em que por meio da energia solar substâncias inorgânicas, como gás carbônico, são transformadas em orgânicas, produzindo alimento para as plantas. 

Esse é um dos processos por meio do qual a agricultura, uma das principais atividades econômicas brasileiras, sequestra carbono, ou seja, captura o CO2 e o armazena no solo. A ADM, uma das maiores negociadoras de alimentos do mundo e dona de um faturamento anual de US$ 100 bilhões, quer medir esse estoque.

O objetivo é fazer a conta precisa da pegada de carbono da soja. A empresa já calcula as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção, incluindo a abertura de áreas para cultivo, o uso de fertilizantes e a queima de combustível pelo maquinário das fazendas.

Descontando o que fica sequestrado no solo, a companhia americana terá o saldo de carbono final. 

A nova medição faz parte da segunda fase do programa de agricultura regenerativa da ADM. Chamada de ADM Re:generação, a iniciativa foi lançada há um ano e acompanha 16 produtores rurais de soja de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul cuja produção é comprada pela empresa.

Eles respondem por uma área total de 25 mil hectares. A meta do programa é ter 200 mil hectares em cinco anos. Ainda se trata de uma fase piloto, diz André Germanos, gerente de negócios de carbono e agricultura regenerativa da ADM para América Latina.

Apesar de a área de cobertura não ter aumentado nesta segunda etapa, ele afirma que o compromisso não mudou. “Mantemos o nosso objetivo. Recebemos contatos de produtores que querem participar. Temos conseguido cumprir as metas nos Estados Unidos e na Europa, e pretendemos cumprir aqui também.” 

Pegada no solo

O programa da ADM é resposta a uma demanda crescente por informações precisas sobre a pegada de carbono das cadeias produtivas. Por pressão dos consumidores ou exigências regulatórias, empresas dos mais diversos setores têm de fazer essa conta – e divulgá-la. 

As emissões de carbono da soja são contabilizadas no chamado escopo 3 das empresas que usam o grão ou seus derivados como matéria-prima, como uma indústria de alimentos. Elas também entram na conta total de carbono da ADM. Tipicamente, a cadeia de valor responde pelo maior impacto climático de uma empresa.

Para aumentar a captura de CO2 no solo, e portanto melhorar o balanço final da produção, os agricultores precisam fazer investimentos em tecnologia e técnicas de manejo.

O programa é custeado pela trading, que não divulga os valores investidos. Germanos diz que há planos para trazer outros financiadores, como faz no programa americano, em que a própria indústria pode contribuir para os investimentos que precisam ser feitos no cultivo para que ele seja de baixo carbono. 

Dividir essa conta por toda a cadeia faz sentido porque os benefícios também valem para todos. “O produtor registra essa redução [de emissões], a ADM registra a redução, a indústria de alimentos, o supermercado”, afirma Germanos.

Por essa mesma razão, não existe a expectativa de que o carbono do solo seja monetizável via créditos de carbono. Esses ativos são comprados no mercado por companhias que querem compensar suas emissões, ou fazer o chamado offsetting. O programa da ADM é considerado uma forma de insetting, pois a mitigação acontece na própria cadeia de valor.

Resultado inicial

Como esse foi o primeiro ano da coleta de dados primários de emissão do programa, os resultados foram comparados com um dado de referência. 

A linha de base foi uma emissão de 2,6 toneladas de CO2 equivalente para cada tonelada de soja na safra 2023/24, segundo cálculo da Ecoinvent, biblioteca de inventários de emissão de carbono referência de mercado. Em relação a este número, as emissões dos agricultores do programa da ADM ficou em menos da metade desse total.

“Esperávamos encontrar uma emissão menor quando comparada ao benchmark, que é uma média, mas o resultado foi ainda mais surpreendente”, afirma Germanos. 

A ADM não divulga dados detalhados porque a variação é muito grande entre as propriedades e pode desincentivar quem está abaixo da média ou dificultar novas adesões. 

“Quando apresentamos os dados para os produtores, dizemos que a comparação não é com o seu vizinho, não é com o outro produtor rural da região. A comparação é você com você mesmo, de um ano para o outro”, explicou. 

A medição é feita em parceria com a Bayer. A alemã tem um programa que atesta a pegada de carbono da soja, chamado de PRO Carbon. Nele, desenvolveu uma calculadora de emissões considerando fatores específicos da agricultura tropical junto com a Embrapa. Na outra ponta, usa metodologias de coleta e análise de solo com bases científicas para medir a captura de carbono no solo. 

“Hoje a nossa ferramenta consegue fazer o cálculo no nível do talhão, que pode variar muito um do outro a depender de quando essa área foi aberta, por exemplo. Assim, conseguimos fazer uma recomendação de ajuste ou mudança prática de forma mais assertiva, que vai de fato ajudar esse agricultor a reduzir a emissão ou então sequestrar mais carbono”, afirmou Ana Carolina Guedes, líder de parcerias para o negócio de carbono da Bayer.

Para fins agrícolas, talhão é uma área de solo que representa uma unidade mínima de cultivo de uma propriedade, geralmente definida em função de seu relevo e do planejamento da lavoura.

O programa

Hoje, o programa de agricultura regenerativa da ADM é aplicado apenas em cultivos de soja. Para aderir a ele, o produtor passa por uma avaliação de critérios socioambientais, entre eles embargos, sobreposição sobre unidades de conservação, áreas quilombolas e reservas indígenas. 

A fazenda também não pode ter áreas desmatadas, legal ou ilegalmente, nos últimos dez anos. A comprovação precisa ser por meio de documentos, além de uma avaliação in loco.

Depois que adere ao programa, recebe assistência técnica e consultorias. Os dados coletados pelo programa, cerca de 90 informações, passam por avaliação e análises antes de alimentarem a plataforma do programa, que usa sistema de blockchain para garantir transparência das informações.