
O negócio já nasceu com uma longa lista de potenciais clientes em mãos. Com acesso aos fornecedores da empresa-mãe, a MyCarbon, subsidiária da Minerva Foods, fechou os primeiros grandes contratos para gerar créditos de carbono de agropecuária regenerativa. Agora chegou a hora de ganhar escala.
Prestes a completar quatro anos, a empresa fechou projetos com grandes empresas do agro, entre elas a SLC, gigante da soja, e a Yara, multinacional de fertilizantes. A meta é comercializar 5 milhões de créditos de carbono até 2033.
“O difícil é começar, é fechar o negócio com o produtor. Depois, o crescimento é exponencial”, diz Marta Giannichi, CEO da MyCarbon e diretora de sustentabilidade da Minerva.
É comum que os produtores comecem com poucos hectares e, ao provar o conceito e ver os primeiros resultados, coloquem uma parte maior da sua área produtiva no projeto, conta a CEO. É o caso da SLC, que iniciou um projeto de agricultura regenerativa com 2 mil hectares e, até o fim do ano, vai colocar outros 20 mil hectares – um hectare tem, mais ou menos, o tamanho de um campo de futebol.
A MyCarbon estaria, assim, no início do ponto de escalada. A meta é ter 500 mil hectares no projeto de agricultura regenerativa até 2029 – hoje tem 3 mil hectares. No de pecuária regenerativa, o objetivo é chegar a 150 mil hectares até 2033 – dos atuais 1.600 hectares.
A metodologia utilizada pela empresa é a ALM (sigla em inglês para gestão de terras agrícolas), que permite a geração tanto de créditos de remoção, com carbono capturado e estocado no solo, quanto créditos de emissões evitadas, baseados no manejo alimentar do gado que reduz a fermentação entérica e, consequentemente, as emissões de metano, um dos principais gases de efeito estufa.
A combinação dos dois tipos de crédito amplia o escopo de receita da operação.
“A conta do produtor não fecha só com o crédito de carbono. O que torna o projeto economicamente viável é o ganho de produtividade da fazenda”, afirma Edison Ticle, CFO da Minerva e o cérebro por trás da MyCarbon. Pelos dados da empresa, parceiros registraram aumento de 10 a 20 sacas de soja por hectare com adoção de práticas de manejo sustentável.
Novo negócio
A agropecuária é a nova fronteira do mercado voluntário de créditos de carbono – que vive uma duradoura crise nos últimos anos, aqui e no exterior.
Potência agropecuária, o Brasil é celeiro óbvio para projetos no campo. O agronegócio responde por 23% do PIB brasileiro e 28% das emissões de gases de efeito estufa do país. “Somos um país com vocação agrícola e decidimos ocupar esse espaço no mercado de carbono, que até agora era muito dominado por projetos florestais”, diz Giannichi.
Há, ainda, 40 milhões de hectares de pasto degradado identificados pelo plano de recuperação de pastagens do governo federal. Mas a ‘oportunidade’ pode ser ainda maior: a Embrapa mapeou 70 milhões de hectares de pastagens que poderiam migrar para sistemas regenerativos.
Muitos desses hectares de pastos e plantações fazem parte da cadeia de negócios da Minerva – e, portanto, de seu inventário de emissões de carbono.
Ticle conta que havia debates intensos com membros do conselho de administração, por volta de 2022, sobre os desafios e oportunidades para posicionar a empresa dentro da agenda de sustentabilidade.
“A primeira coisa que a gente concluiu é que não dá pra fazer nada por diletantismo, as coisas têm que ter racionalidade econômica”, conta o CFO. “E acreditamos que onde tem racionalidade econômica e contribuição para melhorar efetivamente os padrões de sustentabilidade do setor é na descarbonização da cadeia.”
Na época, o CFO estava embarcando para os Estados Unidos para uma pós-graduação em Harvard. Decidiu, assim, montar o plano de negócios do que viria a ser a MyCarbon como trabalho de conclusão do curso. Na volta, apresentou a ideia para o conselho, que decidiu abrir a subsidiária como uma nova frente de negócios.
A Minerva não divulga dados financeiros segregados da subsidiária. Mas o CFO diz que o negócio vai bem, o que teria despertado o interesse de fundos corporativos e de venture capital, além de organizações multilaterais, interessados em investir na MyCarbon. “Podemos analisar uma parceria estratégica, mas não precisamos de capital neste momento, temos como financiar a MyCarbon com recursos próprios”, diz Ticle.
Baixo carbono
Reduzir a pegada de carbono da sua produção é uma exigência de mercado para a Minerva. Diferente de seus principais concorrentes, a maior parte da sua receita vem de exportações. Mercados como o Europeu exigem produção livre de desmatamento e práticas de produção mais sustentáveis – e vai começar a taxar produtos com alta emissão de carbono a partir de 2026.
A Minerva apresentou faturamento de R$ 34 bilhões em 2024. E 75% disso vem de vendas para o exterior, segundo o CFO. “A gente passou a ter um olhar mais cuidadoso de cinco anos para cá, porque começou a ter uma demanda do mercado externo. Atendemos grandes redes de supermercado e fast food internacionais”, diz Ticle.
Do outro lado, pesa a atuação anti clima e de tarifaço do governo americano de Donald Trump. O CFO da Minerva diz que, nas questão climática, a política de Trump gerou um “freio de acomodação”.
“Não é que esse negócio está descartado. Isso vai continuar porque é uma necessidade, tem valor para todo mundo. Mas estamos em um período de acomodação, de entender o que realmente é prioritário e o que era modismo”, diz.
Frentes de atuação
A MyCarbon atua em três frentes: (1) origina créditos junto a produtores rurais, para offsetting de carbono; (2) desenvolve soluções para a cadeia da Minerva, para insetting da própria empresa; e (3) e tem uma trading para comercialização de créditos de carbono – próprios e de terceiros.
Entre as estratégias que empresas utilizam para lidar com suas emissões de gases de efeito estufa, insetting se refere à implementação de projetos de redução ou remoção de carbono dentro da cadeia de valor da própria empresa, em suas operações ou nas de seus fornecedores diretos. Já offsetting é a prática de compensar emissões por meio da compra de créditos de carbono gerados por projetos externos.
Os projetos de manejo desenvolvidos pela MyCarbon para a cadeia de fornecedores da Minerva têm permitido reduzir o tempo de abate e melhorar indicadores produtivos, como ganho de peso e qualidade da carne, segundo Giannichi. Segundo ela, isso gera retorno direto para os pecuaristas.
A originação dos créditos de carbono da MyCarbon seguem a metodologia da certificadora Verra conhecida como VM0042. Os projetos estão em fase de validação e permitem que novas áreas sejam acrescentadas ao mesmo projeto já aprovado ao longo da próxima década, o que permite que eles ganhem escala mais rápido.
“O custo de transação para 2 mil e 20 mil hectares é o mesmo. Porque você precisa fazer o due diligence de toda a fazenda”, explica Giannichi, CEO da MyCarbon. “Eu preciso pegar todos os documentos da fazenda, me certificar das outorgas, das licenças, que não tem sobreposição com área indígena, com unidade de conservação, que a matrícula tá redonda, que não tem embargo. Só a avaliação de conformidade já é um pacote grande”, conta.
*Atualizada às 9h15 para corrigir informação sobre a particpação do CFO da Minerva no conselho de administração da companhia.