Vendedor de comida de rua na China

Brasília – Um dos principais desafios da sustentabilidade no mundo dos negócios é criar demanda por produtos mais verdes. A pecuária no Brasil ganhou a ajuda da China, o atual maior comprador da carne brasileira. 

A Tianjin Meat Association, que reúne 100 empresas chinesas, se comprometeu a comprar pelo menos 50 mil toneladas de frigoríficos brasileiros até junho de 2026, desde que eles comprovem que seu produto é livre de desmatamento. 

Isso será feito por meio do sistema de certificação Beef on Track (BoT), lançado nesta terça-feira (21) pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), organização brasileira sem fins lucrativos reconhecida por conduzir auditorias e emitir certificações segundo padrões nacionais e internacionais. 

“Convencemos primeiro o comprador, agora vamos buscar os frigoríficos”, diz Marina Piatto, diretora-executiva do Imaflora. “Hoje parte da produção pecuária nacional já está isenta de desmatamento e atende a requisitos de conformidade legal e social, mas não há um instrumento que dê visibilidade a isso. O BoT vem preencher essa lacuna.” 

O volume que a associação chinesa anunciou que pretende comprar representa 4% das exportações brasileiras de carne para o gigante asiático. Esse percentual pode subir, uma vez que os associados da Tianjin respondem por 15% das importações chinesas de carne bovina do Brasil, segundo o Imaflora. 

Em 2024, o Brasil exportou 2,8 milhões de toneladas de carne bovina. Quase metade foi para a China.

“Com a certificação, a carne livre de desmatamento será identificada por um selo que permitirá seu rápido reconhecimento pelo mercado, sejam varejistas, importadores ou consumidores finais”, explica a diretora do Imaflora.

Convença o consumidor

A meta do Imaflora é puxar o mercado pelo lado do consumidor. 

A organização está em conversas com outros grandes consumidores, como a União Europeia e países do Oriente Médio. Road shows estão programados para os próximos meses para apresentar a certificação a empresas importadoras e governos.

Na China, o instituto está em processo de acreditação, ou seja, reconhecimento formal do governo chinês da competência técnica para certificar produtos e conceder selos de conformidade. No caso da Europa, está sendo feita uma equivalência do BoT com a lei antidesmatamento (conhecida pela sigla EUDR) para que a certificação possa ser aceita como o padrão brasileiro de legalidade de carne sem desmatamento.

Dentro de casa, o Imaflora fechou um projeto piloto com uma rede varejista que usará o “selo” BoT nas carnes em suas gôndolas – o nome do varejista não foi revelado. 

“Vai ser uma longa jornada de letramento do consumidor para ele optar por uma carne BoT. Mas a estratégia é que isso não seja um luxo, que esteja nos atacarejos, nos varejos mais populares, porque todo mundo tem o direito de comer carne sem desmatamento”, diz Piatto. 

A certificação não deve gerar custo relevante para os frigoríficos, então não haveria razão para aumentar os preços para o consumidor final. Isso porque, num primeiro momento, o BoT vai certificar aqueles que já têm sistemas de rastreabilidade. 

Frigoríficos

Alguns mercados externos buscam produtos livres de desmatamento, o que impõe barreiras de acesso a quem não estiver em conformidade. Exemplo disso é a União Europeia com sua lei antidesmatamento, prevista para entrar em vigor em 2026. 

Hoje, 30% da produção de carne bovina brasileira é exportada. Com 60% do faturamento proveniente de exportações, a Minerva vai adotar a certificação. 

“A Minerva Foods reconhece a criação do selo Beef on Track (BoT) como um mecanismo setorial de reconhecimento e transparência, capaz de dar visibilidade às boas práticas de sustentabilidade já realizadas em toda a cadeia”, afirma Marta Giannichi, diretora global de sustentabilidade da Minerva Foods, em nota. 

Segundo ela, a companhia está preparada para atender aos níveis mais altos da certificação, uma vez que tem auditoria e protocolos próprios de rastreabilidade. “Entendemos a relevância do selo BoT para as empresas que possuem diferenciais em suas práticas já implementadas, além de grande potencialidade comercial”, diz Giannichi. 

O Imaflora informou que, nas conversas com o mercado para apresentar o BoT, a certificação foi bem recebida, mas que há resistências a serem superadas, como da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), que teria entre seus associados frigoríficos que ainda não fazem monitoramento de desmatamento, segundo a ONG. 

Questionada se vai aderir à certificação, a Abiec não se pronunciou. 

A MBRF (resultado da fusão de BRF com Marfrig) informou que está avaliando a iniciativa. “Independentemente, a companhia já opera um sistema rigoroso de controle socioambiental”, disse em nota. A JBS não respondeu se vai aderir, mas em nota afirmou que monitora seus fornecedores e cumpre os critérios do Protocolo Boi na Linha e do Protocolo Voluntário do Cerrado. 

Como funciona 

O BoT terá quatro níveis de selos: bronze, prata, ouro e platinum. Quanto mais alta a barra verde, maior o nível. A certificação vai analisar informações da cadeia da pecuária de corte tendo como foco os frigoríficos – e não diretamente os produtores. 

Será verificada a existência de desmatamento ilegal e de produção de gado em áreas sob embargo ou em terras indígenas, unidades de conservação e territórios quilombolas.

A certificação não nasce do zero. Ela é um sistema de monitoramento, relato e verificação (MRV) baseado em protocolos já existentes e pactuados com o setor. São eles o Boi na Linha, utilizado pelo Ministério Público Federal (MPF) para monitorar os frigoríficos signatários do Termo de Ajustamento de Conduta da Carne na Amazônia Legal; e o Protocolo do Cerrado, de adesão voluntária. 

Se os frigoríficos estiverem alinhados a eles, já podem receber o selo. 

No próximo ano, o Imaflora planeja desenvolver protocolos equivalentes para outros biomas brasileiros, como Mata Atlântica, Pampas e Caatinga. 

Para fornecedores com sistemas privados de rastreabilidade desde a origem, o BoT tem como referência as regras do Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI) e do Deforestation Conversion Free (DCF) para compradores que adotam o desmatamento zero como critério central.

Cada planta de abate será auditada individualmente, uma vez ao ano, e pode acontecer de um mesmo grupo frigorífico, por exemplo, ter plantas com diferentes níveis de conformidade socioambiental, o que implicaria BoT de níveis diferentes para cada uma delas.

*A repórter viajou a convite do Imaflora