Há pouco mais de 10 anos, a AGBI veio a mercado com uma tese inusual numa Faria Lima até então pouco conectada ao agronegócio: levantar um fundo para comprar pastagens degradadas, transformá-las em terras agricultáveis e vendê-las capturando a valorização.
Dois veículos de investimento depois e com retornos superiores a cinco vezes o capital investido, a gestora está em fase de captação do terceiro fundo.
É o primeiro a se enquadrar como Fiagro (fundos que investem no agronegócios criados em 2021 e que vêm ganhando cada vez mais popularidade) e, desta vez, agregando um novo componente à tese: a possibilidade de geração de créditos de carbono.
Com um mercado de créditos de carbono baseados em agricultura ainda muito incipiente e cheio de desafios de execução e carente de provas de integridade, essa linha de receita é considerada uma opcionalidade – isto é, algo que pode se materializar mais à frente, mas não compõe o retorno esperado do fundo num primeiro momento.
O benefício, no entanto, vai muito além dos offsets de carbono em si.
“A quantidade de carbono estocado é um dos melhores indicadores de produtividade que o solo pode ter. Todo processo para gerar um crédito de carbono gera mais liquidez quando eu for vender essa terra”, afirma o diretor de novos negócios Mário Lewandowski. “Quando uma grande empresa for escolher uma área para produzir soja, por exemplo, ela vai preferir uma que tenha certificação de carbono.”
A AGBI acaba de fazer o primeiro fechamento da captação com investidores brasileiros e está na fase final de assinatura para compra de uma fazenda, diz ele. Por regulamento, todas as propriedades que integrarem o portfólio deste fundo terão de passar por um processo de medição de carbono no solo.
O objetivo da gestora é captar até R$ 500 milhões desta vez – mais que o dobro dos cerca de R$ 230 milhões atualmente sob gestão –, mirando também o investidor estrangeiro, muito mais sensível a teses ligadas à sustentabilidade.
O desafio será mostrar que a produção de soja, principal cultura nas fazendas na mira da AGBI, pode ser sustentável. “Os investidores de fora associam sustentabilidade à floresta. Temos que romper a visão que eles têm da agricultura tropical, e mostrar que, quando feita da maneira correta, sem desmatamento, ela é muito mais sustentável do que as técnicas usadas no Hemisfério Norte”, diz.
A AGBI tem foco nas regiões do Cerrado e dos Estados que compõem o Matopiba (fronteira agrícola que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e tem o compromisso registrado de não investir em áreas que tiveram a vegetação nativa retirada – legal ou ilegalmente – após 2012.
Transformando a terra
A AGBI foi fundada por Luciano Lewandowski, um dos pioneiros na estruturação de produtos financeiros voltados para a área imobiliária no Brasil, com participação em alguns dos maiores negócios envolvendo galpões logísticos.
Com passagem pela Rio Bravo, começou a atuar na gestão de fundos em 2003, quando integrou a GP Investimentos e, em seguida, foi um dos fundadores da Prosperitas, gestora de fundos voltada para o mercado imobiliário e que chegou a ter US$ 2 bilhões sob gestão.
Em 2012, ele quis levar sua tese baseada em ativos reais para o mercado de terras, já prevendo sua valorização por conta da expansão e da sofisticação do agronegócio.
Com uma captação inaugural no estilo family and friends, a AGBI comprou uma fazenda no Mato Grosso por R$ 39,2 milhões em 2013. Sete anos depois, a vendeu por R$ 177 milhões.
Num segundo veículo, agora já com outros investidores domésticos, comprou uma fazenda no mesmo Estado de 6 mil hectares, com 3 mil ha de áreas abertas, por R$ 26 milhões, que foi vendida no ano passado por R$ 146 milhões.
“Nossa tese, de forma muito geral, é que o custo de aquisição e conversão de pastagens para áreas agricultáveis é muito menor que os valores das terras que já estão prontas para a agricultura”, afirma Gustavo Fonseca, sócio-diretor da AGBI. “Tem um potencial grande de valorização para capturar neste mercado.”
Após a compra, a AGBI arrenda as terras em que atua, com a obrigação de que o arrendatário faça a transformação da área ao longo dos primeiros anos.
O diferencial vem no incentivo para a transformação: enquanto, nos contratos tradicionais, o arrendatário tem que pagar um percentual da produção de soja logo que começa a produzir, a gestora oferece um prazo de carência.
Nos primeiros anos, ele paga apenas uma fração do valor integral do arrendamento, num percentual que vai aumentando paulatinamente. A ideia é que o produtor tenha fôlego financeiro para investir na transformação da terra.
Por contrato, há um valor fixo que ele só recebe quando é feita a conversão integral da área de pastagem, o que alinha o incentivo para que ela aconteça de maneira mais rápida. “Isso é muito importante, porque, além da transformação do solo, é preciso ter tempo para escolher o momento certo de vender”, afirma Fonseca.
Os fundos da AGBI não se comprometem com uma renda periódica para o investidor (yield), mas com o retorno sobre o capital investido. O prazo do veículo é de 10 anos.
Os vendedores de terras normalmente são produtores que precisam levantar capital para financiar o aumento de produção em outras áreas. Já os compradores mais óbvios são as grandes empresas do agronegócio. “Mas, em algum momento, o próprio arrendatário pode comprar essa terra já mais produtiva ao fim do período”, diz o diretor.
O caminho dos créditos de carbono
Para seu terceiro fundo, a AGBI conseguiu um selo verde da Nint, o primeiro atribuído pela consultoria a um Fiagro. Ele que atesta que o fundo faz referência a metodologias como do Climate Bonds Initiative (CBI), utilizado como base para emissão de títulos verdes, e a regulação europeia para produtos financeiros sustentáveis.
Emitir créditos de carbono, contudo, não será tarefa simples. As metodologias envolvendo a agricultura, que normalmente dizem respeito ao carbono que foi fixado no solo pelas técnicas utilizadas, estão começando a sair do papel.
O que a AGBI pretende fazer é alguns projetos de carbono em paralelo, usando locais e metodologias de certificadoras diferentes, para entender daqui a alguns anos quais delas vingaram e efetivamente atraíram a demanda dos compradores.
“É um mundo novo e em constante mutação, mas queremos estar nessa fronteira”, afirma Mario Lewandowski.
Por enquanto, a única certeza é que a gestora deve entrar com um projeto na Verra, a principal certificadora do mercado voluntário de carbono, na metodologia que diz respeito a melhorias no uso da terra. Por enquanto, há poucos projetos cadastrados nesta metodologia no mundo – e nenhum deles emitiu créditos.
Uma das dificuldades da AGBI vai ser provar a permanência dos créditos, ou seja, que o carbono armazenado não será lançado na atmosfera. Enquanto o fundo tem prazo de 10 anos, os projetos de carbono envolvendo agricultura giram entre 15 a 20 anos.
Para que o projeto realmente vá em frente, o futuro comprador da terra tem de estar comprometido com a tese de carbono. Além disso, os créditos emitidos ao longo do processo ficam encarteirados no balanço da sociedade de propósito específico que detém a fazenda e não vão a mercado.
Na hora da venda da propriedade, o comprador pode escolher aposentar os créditos de carbono para uso próprio – no caso de uma trading que precisa fazer compensação de emissões, por exemplo – ou vendê-los no mercado, explica o diretor.
Outro ponto sensível será provar a adicionalidade. Para emitir um crédito de carbono, o projeto precisa mostrar que é adicional, isto é, que dá um incentivo financeiro para um sequestro de carbono ou emissão evitada que não ocorreria na sua ausência.
A princípio, a ideia do AGBI não é fazer em larga escala técnicas de plantio que são hoje menos utilizadas, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). “O ILP a gente já faz, a parte do F [de floresta] é a mais difícil de fazer por uma questão de custo associado”, diz o gestor.
Os produtores de soja no Brasil usam técnicas como o plantio direto, sem arar o solo, o que acaba liberando o carbono que estava armazenado. Mas isso é considerado adicional no Hemisfério Norte, onde o solo se compacta ou congela nos meses de frio. Na agricultura tropical, o plantio direto é praticamente business as usual.
“A certificação está me permitindo ter um fundo maior do que eu tinha antes. E com um fundo maior, consigo converter mais pastagens. O crescimento do fundo é a minha adicionalidade”, argumenta Lewandowski.