Caso SLC Agrícola expõe risco do desmatamento para empresas listadas 

Gestora britânica com 10% do capital vem sendo cobrada por ativistas pelo investimento na companhia

Caso SLC Agrícola expõe risco do desmatamento para empresas listadas 
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Enquanto a bolsa brasileira despenca por conta do novo coronavírus, a SLC Agrícola é uma das poucas companhias que segue esbanjando fartura. 

Com uma demanda resiliente por alimentos e beneficiada pela disparada do dólar, as ações da produtora de soja, algodão e milho estão praticamente no zero a zero no acumulado do ano — um trunfo frente ao tombo de 30% do Ibovespa. 

Mas, em meio à bonança, no começo do mês a companhia virou alvo de ativistas internacionais, por sua contribuição para o desmatamento do Cerrado. 

A ONG Global Witness publicou uma carta aberta cobrando uma postura da Odey Asset Management, gestora britânica com patrimônio de US$ 5 bilhões e que é a segunda maior acionista da SLC, com 9,7% do capital. 

Dados coletados pela Chain Reaction Research, uma coalizão de casas de análise estrangeiras que avaliam a sustentabilidade nas cadeias de suprimento, mostra que a SLC derrubou mais de 30 mil hectares de vegetação nativa do Cerrado para expandir suas fazendas entre 2011 e 2017 — o equivalente à cidade de Belo Horizonte. 

“O fato de um investidor tão icônico apoiar tão generosamente uma empresa que destruiu áreas de florestas críticas ao clima é emblemático”, escreveu a equipe da Global Witness.

A ONG apontou ainda que a SLC tem R$ 2,6 milhões em perdas possíveis com processos ambientais movidos pelo Ibama. A companhia diz que atua de acordo com as normas e está recorrendo de todos os processos.

Em entrevista ao Financial Times, Crispin Odey, o fundador da gestora que leva seu sobrenome — e conhecido apoiador do Brexit —, relativizou o pito. Comparou os processos do Ibama a ‘multas de estacionamento’, alegando que os valores são pequenos em comparação ao tamanho da SLC, que faturou R$ 2,5 bilhões em 2019.  

Os mais pragmáticos dirão que Odey não está completamente errado. Mas essa não é a questão.

O ativismo da Global Witness coloca a SLC no centro de uma discussão da qual é protagonista, mas na qual sempre atuou quase como figurante. 

Enquanto consumidores e investidores, especialmente os europeus, vêm cobrando uma postura mais contundente das grandes tradings agrícolas em relação ao desmatamento atrelado à produção de soja, pouca gente olha esse risco do ponto de vista da SLC, que pode sofrer sanções se não se adequar às novas pressões por consumo sustentável.  

“Quando se fala de frigoríficos, há uma preocupação cada vez maior dos investidores com desmatamento, seja na cadeia de suprimentos, seja no avanço das pastagens”, diz o analista de um grande banco que acompanha empresas do agronegócio. “Mas com SLC pouca gente traz essa preocupação.” 

Nesse sentido, o tamanho talvez seja uma vantagem: a companhia vale R$ 5 bilhões na B3, um décimo do valor de uma JBS, por exemplo, o que tende a diminuir o escrutínio de fundos internacionais. “É uma empresa relativamente pequena para os gringos e o investidor brasileiro, sinceramente, não está nem aí para isso”, diz o analista. 

Em 2017, o fundo soberano da Noruega desmontou sua posição de cerca de US$ 27 milhões no capital na SLC. Sem citar o nome da empresa especificamente, mencionou no relatório daquele ano que tinha desinvestido de uma produtora brasileira de soja por conta de desmatamento. 

Dentro da lei, mas fora do esperado

É importante frisar: a derrubada de vegetação nativa por parte da SLC ocorre dentro da legalidade. Enquanto na Amazônia o Código Florestal exige a preservação de até 80% da vegetação nativa, para o Cerrado a exigência é bem mais branda: de 20% a 35%. A SLC tem 33% das suas fazendas cobertas por reservas. 

Mas, gradualmente, grandes varejistas e empresas de consumo percebem que, para conter as mudanças climáticas, é preciso se adiantar às leis. 

A pressão dos consumidores sobre a cadeia de soja só vem aumentando desde 2017, quando foi assinado o Manifesto do Cerrado, um compromisso subscrito por 61 empresas — como Unilever, Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, Colgate Palmolive, L’Oreal, e McDonald’s — pela preservação do bioma. 

Todas as grandes tradings — principais clientes da SLC — têm compromissos de atingir desmatamento zero em suas cadeias de suprimento, ainda que o ritmo para fazer a rastreabilidade dos fornecedores venha deixando a desejar. 

No ano passado, a Nestlé deixou de comprar soja de origem brasileira da Cargill por não conseguir determinar a procedência da produção. Um relatório de 2018 da Chain Reaction estimava que entre 6% a 15% das receitas da trading vinham de empresas que assinaram o manifesto do Cerrado.

“Como já visto no setor de óleo de palma, o escopo, as definições usadas e a implementação de compromissos de zero desmatamento podem rapidamente evoluir para o ponto no qual qualquer desmatamento impõe riscos de exclusão de algumas cadeias de suprimento”, escreveu a equipe da Chain Reaction.

Da expansão acelerada ao ‘asset-light

Fundada em 1977, a SLC é controlada pela família gaúcha Logemann, que, depois de vender sua parte numa joint venture de máquinas agrícolas para a sócia John Deere, em 1999, decidiu focar exclusivamente na produção agrícola. 

Com uso intensivo de tecnologia e uma gestão bem mais profissionalizada que o padrão do setor, tem uma das produtividades mais altas do país, de 3739 quilos por hectares de soja na última safra, 16,6% superior à média nacional. “Eles são um dos melhores operadores do Brasil, têm um alto nível de excelência”, pontua uma fonte. 

Do IPO em 2007 até meados de 2015, a SLC passou por um processo agressivo de compra de terras, expandindo suas propriedades originalmente concentradas no Centro-Oeste para o Nordeste, na região de fronteira agrícola do Matopiba, uma das que mais perdeu vegetação de Cerrado. 

Hoje, a companhia tem mais de 480 mil hectares — o equivalente a três vezes a cidade de São Paulo — entre terras próprias e arrendadas, distribuídas em 16 fazendas, em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão e Piauí. 

O avanço para a fronteira agrícola, no entanto, teve seus percalços. O desempenho de algumas terras ficou abaixo do esperado, especialmente por conta da maior volatilidade do clima, o que levou a companhia a se desfazer de mais de 17 mil hectares no Piauí e na Bahia, e voltar a concentrar a produção nas terras já desenvolvidas do Centro-Oeste nos últimos anos.

Nos últimos quatro anos, a companhia mudou a estratégia e vem adotando um modelo que batizou de ‘asset-light’, vendendo terras próprias para posterior arrendamento, como uma forma de maximizar o retorno do capital investido.

Expansão em município crítico

Apesar do modelo, a SLC continua a expandir suas fazendas em cima de vegetação nativa. Um levantamento da Chain Reaction Research feito a pedido do Reset mostra que, desde 2018, a SLC desmatou cerca de 7 mil hectares. A maior parte deles, 5,2 mil, de agosto de 2019 para cá. 

A limpeza de vegetação foi feita na Fazenda Parceiro, localizada em Formosa do Rio Preto, na Bahia, próximo à fronteira com o Piauí e o Tocantins. O município está na lista das 25 localidades que mais sofreram com a expansão do cultivo de soja em áreas de vegetação nativa desde 2014. 

Essas cidades são consideradas prioritárias pelo Soft Commodities Forum, uma plataforma ligada ao Conselho Empresarial Global pelo Desenvolvimento Sustentável, que reúne as principais tradings: ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus (conhecidas como ‘ABCD’), além da Glencore e da chinesa Cofco. É nesses municípios que estão concentradas as iniciativas de rastreabilidade para tentar garantir que não haja expansão de cultivo sobre vegetação nativa. 

Em 2019, a receita da SLC veio principalmente de três grandes players: a Cargill, que representou 25,7% do faturamento, seguida pela Amaggi LD (JV entre o Grupo Amaggi e Louis Dreyfus), com 20,3%, e a Bunge, com 12,1%. 

Cargill, Amaggi e Louis Dreyfus têm o compromisso oficial de desmatamento zero para toda sua cadeia de suprimento. A Bunge é ainda mais específica e diz querer atingir sua meta até 2025.

O posicionamento da SLC

Procurada, a SLC não quis conceder entrevista. 

Disse, por email, que está incorporando uma área que “fazia parte de seu banco de terras nativas” e que “obteve as licenças de transformação de acordo com as exigências dos órgãos ambientais”. 

A empresa avalia que não haverá problemas com as tradings porque “todas elas trabalham com compromisso de zero desmatamento ilegal e que, ao longo de sua história, está totalmente em linha com essa posição”.  

Segundo a companhia, seus clientes “têm compromissos assumidos para estimular a produção em áreas que não necessitem da conversão da vegetação nativa, mas sem definição de prazo para o ‘desmatamento zero’.” 

Questionada se continuará expandindo sua produção para áreas de vegetação nativa, a SLC informou que “o modelo de negócio adotado atualmente está focado em áreas já consolidadas e que não necessitam de supressão vegetal”. 

A empresa afirma, no entanto, que tem um banco de terras adquiridas há mais de oito anos para expansão agrícola que corresponde a 3% da área plantada atualmente. “Essas áreas serão convertidas assim que as licenças ambientais forem emitidas”.