
Um grupo de representações empresariais se uniu a uma consultoria para fazer as contas do volume de oportunidades de negócios – e o investimento necessário – que a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis traria para o Cerrado. O bioma abriga 30% da biodiversidade do mundo, mas quase metade de sua área já foi convertida para produção agropecuária (25% da soja do mundo é produzida nesse bioma).
O resultado: a agricultura regenerativa representa uma oportunidade de até US$ 100 bilhões para o Cerrado brasileiro até 2050, segundo estudo do Boston Consulting Group (BCG). Ele foi realizado com parceria técnica do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
Os principais ganhos viriam do aumento de produtividade e da redução de custos. Um possível prêmio na venda de produtos sustentáveis não foi estimado no estudo, por ser ainda uma prática muito incipiente no mercado.
“A transição representa não apenas uma oportunidade econômica sem precedentes, mas um imperativo para a resiliência climática e competitividade do agronegócio brasileiro a longo prazo”, afirma Juliana Lopes, diretora de natureza e sociedade do CEBDS.
Seriam necessários US$ 55 bilhões em investimentos. “Uma coisa que destrava investimento é mostrar que há viabilidade econômica”, diz Arthur Ramos, diretor-executivo e sócio do BCG.
O estudo aponta que 32 milhões de hectares apresentam viabilidade para transição ou intensificação de práticas sustentáveis. Foram consideradas práticas e técnicas de manejo já são conhecida e usadas por produtores locais: plantio direto e de cobertura; melhora da gestão hídrica; uso de bioinsumos; implementação de sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta; rotação de culturas; recuperação de pastagens e gestão de resíduos da pecuária.
“No Cerrado temos hoje quase 25 milhões de áreas de pasto com algum nível de degradação que tem potencial para conversão para áreas de agricultura e pecuária de alta performance. A adoção dessas técnicas nessas áreas nos ajudaria a fazer essa transição”, diz Lucas Moino, sócio do BCG.
Os benefícios socioambientais dessa transição também foram estimados: 43 milhões de hectares de áreas naturais conservadas, uma vez que a recuperação de pastagens reduz a pressão de desmatamento para abertura de novas áreas de cultivo; redução de emissão de 140 milhões de toneladas de CO2 equivalente com mitigação e sequestro de carbono no solo; e aumento de renda para até 400 mil agricultores.
O estudo utilizou dados geoespaciais da composição do Cerrado, olhando quais áreas são de pecuária, agrícolas e de vegetação nativa e qual o potencial relacionado a esse solo. “Fizemos o cruzamento de dados e construímos os cases de potencial de negócios a nível de propriedade rural, por meio dos registros do CAR [cadastro ambiental rural]”, explicou Matheus Munhoz, gerente de projetos do BCG.
Barreiras
São principalmente três as barreiras para a expansão da agricultura regenerativa no Cerrado, segundo o estudo.
A primeira é o convencimento dos produtores. A transição traria maiores margens e produtividade no longo prazo, mas a realidade dos produtores brasileiros é de endividamento no curto prazo e falta de assistência técnica.
O estudo aponta que o ceticismo sobre a viabilidade econômica e o apego cultural às práticas tradicionais reforçam a resistência à mudança. Por conta disso, é fundamental iniciar a adoção pelas práticas que o produtor já associa a benefícios financeiros, como plantio direto, bioinsumos ou intensificação das pastagens, diz Moina.
A segunda barreira é o dinheiro para financiar a transição, que exige investimentos iniciais em infraestrutura, insumos, equipamentos e capacitação. Dos US$ 55 bilhões estimados pelo estudo, a maior parte viria de crédito subsidiado (48%), seguido por crédito comercial (43%) e capital catalítico (9%) – este último é um recurso filantrópico ou subsidiado, que entra para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala.
Apesar dos benefícios no longo prazo, o risco de transição é alto tanto para os produtores quanto para as instituições financeiras que concedem crédito. Os maiores retornos financeiros demoram a chegar, exigindo um acompanhamento técnico contínuo para evitar uma possível queda nos lucros nos primeiros anos. Por isso o estudo aponta que são necessários mecanismos mistos de capital filantrópico e seguro, combinados com o empréstimo e suporte agronômico.
O terceiro desafio seria a verificação de práticas e resultados, um processo complexo e custoso, exigindo tecnologias avançadas, auditorias e ferramentas digitais. Para pequenos agricultores, os altos custos e a burocracia podem ser impeditivos. A falta de métricas e protocolos padronizados também são apontados.
“Por isso é importante reunir todos os players da cadeia, do campo à mesa, para superar as principais barreiras”, diz Lopes, do CEBDS. Ela conta que há um esforço para construir soluções aproveitando a janela da Conferência do Clima da ONU, a COP30, que este ano acontece em Belém.
As três organizações, BCG, WBCSD e CEBDS, vão lançar em abril o Landscape Accelerator – Brazil (LAB), para promover alinhamentos do setor privado para a transição. Ele acontecerá no AARL Brazil Summit, na cidade de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia.