O Principles for Responsible Investment (PRI), uma das maiores alianças financeiras para promover critérios sociais e ambientais nos investimentos, anunciou hoje um novo braço dedicado à natureza e à biodiversidade – e o Brasil está no centro das atenções.
A iniciativa, anunciada oficialmente nesta quarta-feira na semana do clima de Londres, tem o nome Spring. Uma lista de 60 companhias, das quais 10 são brasileiras, serão o alvo inicial do engajamento de cerca de 66 investidores.
A rede completa do PRI conta com mais de 5,5 mil signatários em 100 países, que somam US$ 120 trilhões em ativos. Pouco mais de 200, que juntos administram aproximadamente US$ 15 trilhões, já anunciaram apoio ao novo programa.
O objetivo é usar a influência do setor financeiro sobre grandes companhias para ajudar a interromper a perda de biodiversidade no planeta e promover a restauração da natureza.
Essa é a meta central do Marco Global da Biodiversidade, aprovado há um ano e meio na Conferência da ONU que trata do tema. O documento é comparado ao Acordo de Paris, que estabelece marcos para o clima.
O diálogo com as empresas deve durar pelo menos cinco anos e terá como foco principal a perda de florestas e a degradação da terra, dois dos maiores motores da perda de diversidade biológica no planeta.
As brasileiras selecionadas incluem quatro bancos e três empresas de proteínas animais. Eis a lista completa:
- Atacadão
- Banco do Brasil
- Bradesco
- BTG Pactual
- BRF
- Gerdau
- Grupo Pão de Açúcar
- Itaú Unibanco
- Marfrig
- Minerva
A escolha se baseou em dois critérios principais. O primeiro foi a capacidade de influência que as selecionadas têm sobre as pontas de suas cadeias de valor que estão próximas do problema.
A Spring também evitou incluir nomes que já aparecem em outras listas do tipo. JBS, Vale e Suzano, por exemplo, estão no rol de empresas abordadas pela Nature Action 100, uma coalizão com objetivos semelhantes.
A proeminência das nacionais se explica pelo peso do Brasil quando se trata de natureza, diz José Pugas, sócio e head de ESG da JGP, gestora que integra o conselho consultivo da Spring, com a também brasileira Fama Re.capital.
“O país tem relevância gigantesca. Não estamos falando de PIB ou de participação nos portfólios dos gestores, mas sim de concentração de ativos naturais”, afirma o gestor.
O peso do agronegócio na economia e a relação simbiótica – nos sentidos literal e figurado da palavra – com a natureza também tornam o país um candidato natural a receber tanta atenção, diz Pugas.
Força local
Outra diferença importante para outras alianças parecidas é o papel dos investidores locais no engajamento.
“As gestoras que conhecem bem as empresas vão liderar esse processo”, diz Andrea Böttcher, responsável pela área ESG da Neo Investimentos. “Não serão estrangeiros que muitas vezes não entendem a realidade de um país como o Brasil.”
Ela afirma que a Neo vai liderar as interações com um dos bancos selecionados e que já está na carteira da casa. O aprendizado terá mão dupla, segundo Böttcher.
O tema da biodiversidade e dos ativos naturais ainda é novo para a maioria dos negócios, incluindo as métricas. Enquanto no clima as toneladas de carbono funcionam como uma aproximação universalmente entendida, na natureza a contabilidade é mais complicada.
“As métricas variam, como no ESG como um todo. Depende da materialidade [para o negócio]. Mas imagino que estresse hídrico seja uma medida relevante, por exemplo”, afirma a executiva.
Frente unida
A Spring também quer incentivar uma espécie de “frente unida” das companhias frente a reguladores e legisladores. Iniciativas focadas em descarbonização sofreram deserções de peso e são alvo frequente de políticos da extrema-direita, principalmente nos Estados Unidos.
“Desenho e implementação robustos de políticas públicas têm maior probabilidade de lidar com a perda da natureza no ritmo e na escala necessários”, afirma a aliança. “O engajamento político responsável das empresas pode ajudar a viabilizar essas políticas.”
O próximo passo da Spring é formar os grupos de investidores que vão interagir com cada uma das empresas selecionadas, o que deve acontecer nos próximos meses.
Depois do Brasil, a Alemanha vem em segundo lugar em número de companhias, com seis, seguida por França (cinco) e China (quatro).
Nomes globais, como Ford, ADM e Santander também integram a lista completa das empresas.