Como Confins descarboniza a aviação – no solo

Aeroporto mineiro desenvolveu tecnologia para reduzir emissões de gases do efeito estufa das aeronaves em terra; investimento foi de R$ 36 mi

Aeroporto de Confins, em Minas Gerais
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A situação se repete todo dia em aeroportos do mundo inteiro: depois do pouso, com o avião já encostado no terminal, as luzes da aeronave se acendem, os passageiros se preparam para descer e o ar-condicionado segue ligado.

A viagem termina, mas o impacto ambiental, não.

Para que os aviões sigam abastecidos de energia, há a necessidade de usar geradores que queimam combustíveis fósseis. Trata-se de mais uma fonte de emissões de carbono para o setor, que lida com o desafio de substituir o querosene por combustíveis sustentáveis de aviação (SAF).

No Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, conhecido popularmente como Confins, um projeto que exigiu um investimento de R$ 36 milhões serviu para melhorar a pegada climática do terminal e ajudando as companhias aéreas, pelo menos em solo.

Operado pela concessionária BH Airport, que reúne o Grupo CCR e a Zurich Airport, o aeroporto mineiro tem colecionado reconhecimentos de sustentabilidade nos últimos anos.

Desde o fim do ano passado, Confins é o primeiro aeroporto neutro em emissões de gases de efeito estufa do país, segundo certificação do Airport Carbon Accreditation, programa global de medições da pegada de carbono do Conselho Internacional de Aeroportos (ACI, na sigla em inglês).

As ações vão desde práticas já conhecidas, como o reuso da água da chuva e a substituição das lâmpadas, a tecnologias menos convencionais, como a substituição da fonte de energia que alimenta os aviões enquanto eles estão na pista.

O trabalho de descarbonização começou em 2017, quando o aeroporto emitia 2.689 toneladas anuais de CO2e. Hoje, a emissão de emissões diretas do terminal é 48% menor, totalizando 1.400 toneladas de CO2e em 2023. A meta da BH Airport é zerar as emissões dos escopos 1 e 2 até 2044.

Energia para o avião

Há dois anos, a BH Airport desenvolveu o projeto 400Hz+PCA, que consiste em substituir os equipamentos movidos a combustíveis fósseis por uma nova tecnologia que utiliza energia elétrica de fontes renováveis.

Até então, havia dois caminhos para levar energia às aeronaves na pista – ambos poluentes.

Uma das formas era utilizar um gerador móvel chamado Ground Power Unit (GPU, na sigla em inglês), que é acoplado às aeronaves. Luzes e ar-condicionado precisam desse equipamento para funcionar quando os aviões estão estacionados no terminal para embarque e desembarque.

A outra tecnologia está dentro da própria aeronave. Os aviões possuem um equipamento chamado Unidade Auxiliar de Energia (APU, na sigla em inglês), espécie de motor auxiliar que fica na cauda do avião.

Ambas as tecnologias utilizam combustíveis de origem fóssil para funcionar, encarecem a operação e contribuem para o aumento das emissões de gases do efeito estufa, aumentando a contabilidade de carbono das companhias aéreas.

A Azul, por exemplo, criou há dois anos um programa para diminuir o uso do APU em suas operações. Desde o começo do projeto, a companhia conseguiu evitar a emissão de 128 mil toneladas de CO2.

Para substituir os geradores móveis e movidos a diesel, o terminal mineiro desenvolveu uma tecnologia em conjunto com a empresa Icy Cold, de Americana (SP). As fabricantes desse tipo de equipamento costumam ser estrangeiras, diz o gestor de engenharia e manutenção do BH Airport, Emerson Chaves.

“Geralmente, as empresas de fora trabalham com outra abordagem. Na Europa, eles usam o equipamento para ter ar quente. Aqui, a gente usa para ter ar frio”, exemplifica ele.

Na nova versão dos geradores, o GPU agora fica fixo, sem precisar dos carrinhos que o movimentavam pela pista, e fornece energia renovável às aeronaves, com certificação da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).

Também há um outro equipamento, o Pre Conditioned Air (PCA), responsável por refrigerar o avião. “É um equipamento com um duto que é acoplado após a parada da aeronave. Os dois aparelhos são ligados e geram energia elétrica e ar condicionado”, explica o gestor de produtos e serviços aeroportuários e cargo do BH Airport, Geovane Medina.

Nos cálculos do aeroporto, 203 mil litros de diesel já deixaram de serem queimados anualmente com as substituições. O terminal estima também que houve uma redução de 70% do consumo de diesel e uma diminuição de emissões de aproximadamente 500 toneladas de CO2 por ano.

No momento, já são 20 posições de estacionamento para aeronaves com essa solução implementada, o que representa 92% das operações em pontes de embarque e desembarque.

A meta é chegar a 100% até o fim deste ano, segundo Chaves. Das grandes companhias brasileiras, Azul e Gol já aderiram totalmente ao programa de Confins, e a Latam aderiu parcialmente.

“Entendemos que esse projeto interessa às companhias por ajudá-las a diminuir os custos com combustível e também a reduzir a quantidade de emissões”, afirma Chaves.

Ponto fora da curva

Dos mais de 2 mil terminais aeroportuários públicos e privados do país, apenas sete, além do BH Airport, receberam certificações do Airport Carbon Accreditation: Galeão e Santos Dumont, no Rio; Hercílio Luz, em Florianópolis; e os aeroportos de Salvador, Brasília, Vitória e Macaé.

Com essa iniciativa, é possível identificar em que estágio está o nível da pegada de carbono de cada terminal. 

Como se trata de um programa de adesão voluntária, aeroportos importantes estão de fora. É o caso, por exemplo, do maior terminal do país e da América do Sul, o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, operado pela GRU Airport, que não tem essa acreditação.

A escala de acreditação vai de 1 a 5. Aeroportos no estágio 1, por exemplo, ainda estão na fase de calcular suas emissões e fazer o seu inventário. No Brasil, é o caso, por exemplo, do Aeroporto Santos Dumont, do Rio de Janeiro, operado pela Infraero.

O BH Airport é o único do país que está na categoria 3+, em que os aeroportos alcançam a neutralidade e precisam compensar as emissões de carbono que não conseguem reduzir de outras formas.

Já os aeroportos que estão no estágio 5 são aqueles que já conseguiram chegar à neutralidade de carbono no escopo 1 e 2 e estão com o escopo 3 mapeado.