Em um dos maiores negócios de remoção de carbono já fechados globalmente, a Microsoft anunciou a compra de 8 milhões de créditos do Timberland Investment Group (TIG), braço de gestão de investimentos florestais do BTG Pactual.
Inicialmente os créditos serão gerados em projetos no Cerrado, com o plantio de espécies nativas para a restauração e também exóticas, que serão exploradas comercialmente. O contrato vai até 2043, um prazo estendido, pois a restauração leva tempo.
Esta é a terceira compra de grande volume que a gigante do software, segunda maior empresa do mundo em valor de mercado, faz na região. No fim de 2023, a Mombak fechou uma venda de até 1,5 milhão de créditos para a empresa. No mês passado, foi a vez da Re.green, com um contrato de 3 milhões.
Os valores das transações não foram revelados. Cada crédito de remoção corresponde a uma tonelada de carbono retirada da atmosfera, neste caso com o crescimento das árvores.
O negócio é o primeiro anunciado pelo TIG, que mira a recuperação de pastagens degradadas no Brasil e em outros países da América Latina.
Vender para a Microsoft, uma companhia com políticas estritas em relação aos créditos usados nas compensações de carbono, é estratégico, disse ao Reset Mark Wishnie, diretor de sustentabilidade e responsável pela estratégia de reflorestamento do TIG.
“Acreditamos que a empresa está estabelecendo um alto padrão no mercado em termos de qualidade e integridade.”
As negociações, disse, começaram assim que o plano de investir em reflorestamento foi anunciado, há pouco mais de três anos.
Ativos florestais
Subsidiária do BTG, o TIG é um dos maiores gestores de investimentos florestais do mundo, com US$ 7,1 bilhões de ativos sob gestão, controlando uma área de 1,2 milhão de hectares nos Estados Unidos e na América Latina.
A meta da empresa é restaurar 270 mil hectares nas próximas décadas, sempre combinando silvicultura com a criação e manutenção de um estoque de carbono natural. Essas são as fontes de receita do negócio. Por enquanto, a restauração teve início em 2,6 mil hectares.
Os projetos são divididos em dois: em uma metade são plantadas espécies nativas do bioma; na outra são criadas fazendas para comercialização de madeira. A empresa quer vender madeira certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC), o principal selo de sustentabilidade do setor.
Ambas atividades geram créditos de carbono, mas em uma proporção diferente. A restauração deve responder por 60% desses ativos naturais, e o restante virá das áreas em que haverá corte da madeira.
O TIG não revela a área necessária para originar os 8 milhões de créditos negociados com a Microsoft, mas Wishnie diz que ela deve ser “relativamente pequena” em relação ao total que a empresa pretende recuperar.
A Re.green, que vai entregar 3 milhões de créditos, espera produzi-los em 16 mil hectares.
Por enquanto, o foco do TIG, que conta com apoio da ONG norte-americana Conservation International, deve estar no Cerradão, tipo de vegetação presente no bioma cujas árvores podem chegar a 15 metros de altura.
Experimentos
O TIG desenvolve um projeto de pesquisa com a Universidade Federal de Viçosa (MG) para avaliar as diferentes metodologias de restauração do bioma.
Em 81 hectares, foram testados processos de regeneração natural, em que não há qualquer ação humana; regeneração natural assistida, em que o ecossistema recebe uma “ajuda” para se recuperar; e a semeadura direta, plantando sementes de espécies diversas na terra, um método chamado de “muvuca”.
A preferência é pela regeneração natural, mais eficaz na restauração da estrutura florestal, da biodiversidade e da biomassa, segundo o executivo.
Mas, além de mais lenta, a ação da natureza depende do estado do solo. “Em alguns lugares, o solo está muito degradado e as coisas não crescem se não dermos ajuda, se não trouxermos mudas, cuidarmos delas e as deixarmos crescer.”
20 anos de carbono
Como o contrato com a Microsoft prevê uma geração de créditos ao longo de duas décadas, a cauda de restauração e reflorestamento também precisa ser longa.
Os primeiros créditos serão gerados nas fazendas florestais, com o plantio de eucalipto que será explorado comercialmente, diz Wishnie.
“No Brasil e na América Latina, as árvores [de eucalipto] crescem muito rápido em comparação com o resto do mundo. Então, esperamos poder começar a gerar as compensações cerca de três anos após o início do plantio.”
À medida que as áreas plantadas com espécies nativas vão se recuperando, um processo que leva mais de uma década, o investimento da restauração começa a se pagar. Isso porque a vegetação é preservada, atinge seu pico e mantém o estoque de carbono estável no decorrer das décadas.
Já a floresta comercial é cortada diversas vezes, o que resulta em um estoque de carbono oscilante ao longo do tempo. “O estoque é grande nos primeiros oito ou nove anos, e depois não mais”, afirma Wishnie.
O executivo afirma que o plantio do eucalipto está sendo feito em rotação longa, com períodos de 12 a 16 anos até o corte – o dobro do padrão no setor de celulose no Brasil, que varia entre seis a sete anos.
“Podemos usar o tronco maior para fazer outros produtos e, em particular, para fazer produtos de madeira maciça”, afirma Wishnie. A intenção é que essa madeira seja usada na produção de móveis, portas e pisos.
Metas agressivas
A maior parte das emissões de gases de efeito estufa da Microsoft está associada à eletricidade usada pelos servidores e pelos sistemas de refrigeração de seus enormes data centers.
A explosão da inteligência artificial, baseada em chips que consomem ainda mais energia que os convencionais, também ajuda a explicar a movimentação da empresa no mercado voluntário.
No ano passado, as emissões totais da Microsoft aumentaram 29% em relação a 2020, em grande parte por causa da construção de mais data centers.
A companhia criada por Bill Gates e Paul Allen pretende remover mais carbono da atmosfera do que emite até 2030, ou seja, ser negativa em carbono. Passo seguinte, com prazo de 2050, é remover da atmosfera todo carbono emitido desde sua fundação, em 1975.
Para isso, a companhia vai usar créditos gerados pelas chamadas soluções climáticas baseadas na natureza – como o plantio de árvores no Brasil – e também os obtidos com tecnologias ainda em desenvolvimento que sugam o CO2 do ar que respiramos.
“Os avanços da Microsoft rumo ao objetivo de emissões negativas necessitam de projetos inovadores que podem escalar rapidamente e de forma sustentável a remoção de carbono”, disse Brian Marrs, diretor sênior de energia e remoção de carbono da Microsoft, em nota.