O setor de seguros ainda tenta apurar o valor das perdas com as enchentes no Rio Grande do Sul. Mas, mesmo sem conhecer o tamanho da conta, a tragédia sem precedentes deve provocar ao menos uma mudança para as empresas do setor. A maioria das seguradoras em operação no país não costuma contratar resseguros para se proteger de catástrofes naturais.
“O Rio Grande do Sul muda o jogo. Quem não fazia, vai começar a fazer”, diz Roberto Santos, presidente do conselho da CNseg, que reúne as seguradoras, e também conselheiro da Porto Seguro, da qual foi CEO até dezembro.
O resseguro funciona como um seguro para as seguradoras. Diante de um risco que pode ser elevado demais para suportar sozinha, elas contratam uma proteção para si próprias. As resseguradoras são empresas com atuação global e absorvem grandes riscos no mundo todo.
Tamanho da conta
Santos explica que a dimensão histórica da tragédia gaúcha, com alagamentos que já duram mais de uma semana, está dificultando a comunicação, a comprovação e também a apuração dos sinistros. “Com a água ainda alta, as pessoas não estão acionando as seguradoras”. Ele também relata documentos extraviados e dificuldade de vistoria como grandes obstáculos para a contabilização das perdas.
Ainda assim, a expectativa é alcançar uma primeira estimativa nesta semana, por conta de uma força-tarefa organizada pela CNseg.
Segundo ele, as principais coberturas em jogo são de automóveis, residenciais, de safra agrícola, de equipamentos agrícolas e seguro patrimonial de empresas e do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.
O Rio Grande do Sul é o Estado com maior penetração de seguro residencial do país: 38% das residências têm apólice – em segundo lugar vem São Paulo, com 29%.
Apesar disso, ainda não se sabe qual porção tinha a cobertura contra enchentes e alagamento contratada, uma vez que se trata de uma proteção acessória que nem todo mundo costuma incluir na apólice.
Se na pandemia de covid-19 as seguradoras tomaram uma decisão setorial de cobrir as vidas perdidas, agora não deve acontecer algo semelhante com quem não tem a proteção contra enchentes, diz ele.
Outra cobertura facultativa e nem sempre utilizada é a de lucros cessantes, no caso das empresas.
Já nos seguros de automóveis, 98% das apólices têm cobertura ‘compreensiva’, ou seja, que contempla eventos como enchentes.
“As seguradoras não ofereciam proteção contra risco pandêmico e as pessoas não tiveram a opção de contratar, por isso a decisão de pagar as indenizações mesmo sem a cobertura”, diz ele. “Mas agora é diferente, porque a opção existia. Se houver decisão de cobrir, será individual de cada seguradora”, completa ele, dizendo que até agora não há notícias de empresas que tenham tomado essa decisão.
Alívio temporário
O que a CNseg recomendou como medida de alívio e que, segundo ele, foi seguido por quase todo o setor, foi postergar o vencimento de apólices na região afetada e também prorrogar as datas de pagamento, para evitar cancelamentos.
O setor segurador no país já previa que este seria um ano difícil, sujeito a riscos climáticos fora da curva. “Parte das perdas já estavam precificadas”, diz ele. “No ano passado já sabíamos que 2024 seria mais violento que 2023 por casa do El Niño”, diz ele, explicando que isso fez com que as seguradoras cobrassem prêmios mais elevados pelo país todo, buscando se precaver.
Segundo ele, se antigamente o setor se valia apenas de dados estatísticos, hoje a análise de risco é mais preditiva, com uso de dados e inteligência artificial.
Seguro climático social
Roberto Santos acredita que a calamidade no Rio Grande do Sul pode ajudar a destravar uma proposta da CNseg, que está no Congresso, para criar um seguro social contra catástrofes.
A ideia, desenvolvida em parceria com a Iniciativa Financeira das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep Fi), com suporte técnico da ERM Nint, pretende criar uma cobertura climática compulsória no país.
Os prêmios seriam embutidos nas contas de luz, com um valor estimado em algo como R$ 3 por cliente. Em caso de catástrofe climática, as famílias atingidas teriam direito a uma indenização automática para riscos de morte e também danos patrimoniais. Estima-se uma cobertura em torno de R$ 15 mil por residência.
Por representar um custo adicional nas contas de consumo, a proposta não vinha encontrando apoio político para avançar. Algo que, na visão do executivo, pode mudar diante da comoção atual.
“A maior parte das pessoas que estão debaixo d ‘água não têm seguro nenhum. A casa não tem seguro, não tem nada. E essa será uma grande questão, porque são essas as pessoas mais vulneráveis [aos eventos das mudanças climáticas], não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil.”