A régua do passado já não nos serve mais. Para empresas e governos que ainda acham que as mudanças climáticas são algo para se pensar lá no futuro, que não apresentam riscos iminentes capazes de causar rupturas, e que não há muito a ser feito hoje, a materialização do pior cenário no Rio Grande do Sul talvez funcione como um grande despertador.
Tragédias humanas comovem e geram correntes de solidariedade como as que estamos testemunhando agora, mas o que costuma mover o ponteiro no mundo corporativo é o bolso.
Ninguém irá admitir isso, porque é algo terrível de se dizer em voz alta diante da irreparável perda de vidas humanas, mas a verdade é que, quando aconteceu a tragédia de São Sebastião no litoral paulista, pouco mais de um ano atrás, muitas empresas com operações na região de Cubatão, na Baixada Santista, respiraram aliviadas.
Elas sabiam que, se os ventos tivessem soprado um pouco diferente, o mundo teria desabado sobre suas instalações, causando perdas materiais e interrupção de atividades com as quais não estavam preparadas para lidar.
Um executivo de uma dessas empresas, a posteriori, refletia sobre o fato de não existirem modelos matemáticos disponíveis para calcular o risco climático a que seu negócio estava exposto. Ou seja, do que adiantava olhar para o retrovisor, com dados estatísticos do passado, para lidar com o futuro incerto dos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes? O episódio foi um alerta para que essa empresa se mexesse e atualizasse sua política de gestão de riscos, correndo atrás de novos dados e tecnologias.
Agora no Rio Grande do Sul, a tragédia foi, por assim dizer, distribuída de forma democrática: recaiu sobre milhares de famílias e também sobre as empresas, tirou vidas e interrompeu o ciclo dos negócios. Pessoas perderam entes queridos, animais de estimação e todos os seus bens materiais. E, ao mesmo tempo, toneladas de grãos se perderam, operações de frigoríficos foram paralisadas, assim como fábricas, aeroporto e rodovias.
Mesmo setores que não foram fisicamente afetados, estão sofrendo as consequências. Pense nos bancos que concederam linhas de crédito para pessoas, pequenos e grandes negócios e que ficarão inadimplentes – os bancos, aliás, de antemão já anunciaram suspensão de cobrança e carências generalizadas, não sem um custo financeiro. Pense nas seguradoras, que enfrentam agora uma perda em massa em suas carteiras em todo o Estado. Quem poderia prever tamanha concentração de riscos? Agora pense esses riscos de forma sistêmica.
Não dá mais para contar com a sorte, torcendo para que o vento sopre para outro lado.
Nas esferas de governo e também nas empresas, o foco inicial é lidar com o caos. A hora é de medidas de emergência para socorro e abrigo das vítimas. Depois virá o esforço hercúleo de reconstrução de cidades inteiras, incluindo casas e infraestrutura, ou até de realocação de bairros e cidades, a um custo financeiro – e emocional e afetivo para os atingidos – inimaginável.
Mas, logo mais adiante, que a tragédia sirva para apontar a urgência de regulação, planejamento e investimento. De medidas concretas de mitigação das emissões de gases de efeito-estufa e para adaptar as cidades – e também os negócios – para os efeitos que, não nos enganemos, já estão contratados por conta da elevação da temperatura global que já ocorreu.