Inundações no RS: 'Não é só dinheiro que resolve'

Especialista em planos de ação climática, Sergio Margulis diz que ações precisam ser coordenadas localmente e que país deve ter reforço urgente na Defesa Civil 

Gilvan Rocha/Agência Brasil
Gilvan Rocha/Agência Brasil
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Ao longo desta semana, o Rio Grande do Sul vem atravessando a maior tragédia climática de sua história.

Às 12h desta sexta-feira, segundo dados da Defesa Civil gaúcha, haviam sido afetados 235 municípios em todo o Estado, e o governo contabilizava 23.598 pessoas desalojadas, 37 mortes e 74 desaparecimentos.

A situação começou a se agravar também em Porto Alegre. Na capital gaúcha, o rio Guaíba atingiu seu maior nível desde 1941 na manhã desta sexta-feira, batendo recorde de 4,31 metros às 5h15 – a régua de medição parou de funcionar após o registro desse último dado por problemas técnicos.

Porto Alegre vem elaborando um plano de ação climática há pouco mais de um ano, que tem prazo de conclusão previsto para julho.

Esse tipo de documento, já desenvolvido em outras capitais brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro e diversas cidades do mundo, visa mitigar o impacto de emissões de gases do efeito estufa, melhorar o uso de recursos hídricos e ambientais e também preparar a cidade para extremos climáticos.

Para entender melhor como esse tipo de planejamento pode estar inserido nas cidades, mitigando os efeitos de novos desastres, que parecem estar se tornando cada vez mais comuns na região, o Reset conversou com Sergio Margulis, economista de meio ambiente do Banco Mundial durante 22 anos e hoje pesquisador associado à consultoria WayCarbon, uma das executoras do plano de ação climática de Porto Alegre. 

Quais políticas as cidades deveriam adotar como formas de prevenção para outras eventuais enchentes que venham a acontecer?

Nessa hora, todo mundo faz o melhor que pode, né? Mas é um alerta para todas essas prefeituras estarem se preparando, pelo menos, para os piores desastres previstos.

Não sei se os municípios afetados já tinham sido alertados dos riscos a que estavam expostos, mas a gente já tinha identificado há muito tempo. Os modelos climáticos globais estão apontando um aumento grande da pluviosidade na região Sul do Brasil [à frente].

Mas às vezes a informação não chega nas municipalidades menores. E mesmo Porto Alegre, que é a capital, está começando a fazer o seu plano agora.

A prefeitura está identificando quais são as áreas mais vulneráveis e o que seriam medidas de resiliência para minimizar um pouco o risco, tendo em perspectiva principalmente as populações mais vulneráveis que vivem nessas áreas mais pobres. 

São medidas abrangentes, que envolvem desde melhoria de construções, de condições de vida, até sistemas de alerta, de emergência e melhoria dos sistemas de drenagem.

Agora, uma coisa que eu não tenho a menor dúvida, e isso realmente todo mundo tem que estar fazendo, é que as cidades precisam começar a ter um plano de ação climática.

Além disso, tem outra frente, que é a Defesa Civil. Elas têm que estar super preparadas e ter recursos. Se tem um setor que tem que ser fortalecido com urgência é a Defesa Civil no Brasil inteiro. 

No Sul, principalmente [com foco em] inundações. Nas regiões do Nordeste, de olho no aumento da temperatura.

É uma questão de falta de recursos públicos?

Não é só dinheiro que resolve. O dinheiro é absolutamente necessário para fazer as intervenções, claro. Mas elas precisam ser efetivas.

Não adianta dar R$ 50 milhões para um prefeito de uma cidade que foi totalmente inundada. Ele vai dizer: “Mas eu faço o quê? Qual é o projeto que vai resolver esse meu problema de inundação, de enchente?” É difícil. Você tem que ter estudos técnicos, científicos, de engenharia.

E também tem outra coisa: cada município tem a sua peculiaridade. Não tem uma regra mágica que vale pra todos. O mais básico, porém, é ter um plano de ação climática para saber como lidar com isso tudo.

Porto Alegre tem uma população significativa que vive em ilhas à beira do Guaíba, o bairro Arquipélago. Como lidar com a prevenção em locais críticos ou de risco como esse?

Ocupações irregulares não são um privilégio de Porto Alegre, mas de todas as cidades, do mundo inteiro. Isso aconteceu em São Sebastião (SP), e anteriormente no Estado do Rio, em Petrópolis.

O pessoal faz uma ocupação nessas áreas de encosta porque não houve controle, aí um dia acontece uma tragédia. É muito triste e, ao mesmo tempo, você não tem como remover toda essa gente. Às vezes eles não querem sair. 

Como plano, você só pode dizer: “Tira esse pessoal daí”, porque eles estão numa área que vai ficar brigando com a natureza. Está escrito que um dia essas ilhas vão ser totalmente alagadas.

Não estou falando especificamente das ilhas de Porto Alegre, mas de uma forma geral. Ou você tira as populações de áreas vulneráveis ou fortalece as estruturas da moradias onde eles estão e faz sistemas de drenagem.

Ou pelo menos cria zonas de refúgio, sistemas de alerta, dizendo: “Olha, tocou a sirene, sai correndo, deixa tudo para trás, vai para um refúgio conhecido que está preparado, que tem uma estrutura para aguentar qualquer coisa, que tem alimento, que você vai poder dormir.”

Porto Alegre está desenvolvendo um plano de ação climática há mais de um ano. Não é o caso de ser mais rápido, uma vez que os problemas climáticos estão se impondo ao cotidiano das cidades?

É um dilema de quem está no governo. Mas também você não pode ser irresponsável, fazer um plano qualquer.

Você está dizendo, “Bom, esse plano demorou um ano para ser feito.” Mas isso não é nada [em termos de tempo], tá? A gente até correu, mas em [em outras cidades como] Recife, São Paulo, é tudo a mesma história.

Você tem que chamar os técnicos de cada setor, isso é demorado, porque cada um vem com a sua perspectiva.

Depois vem a consulta pública, você tem que consultar as secretarias para saber o que cada uma delas já está fazendo no setor de transporte, de energia, no setor de habitação, no setor de drenagem, de abastecimento de água, de lixo, etc.

O plano é uma junção dessas iniciativas e de outras para resolver o problema.

Infelizmente, são esses eventos de visibilidade que dão uma puxada na agenda. Todas as cidades que estão sujeitas já a esses fenômenos têm que estar fazendo seus planos, têm que estar preparadas para ter uma resposta e têm que começar a fazer os investimentos necessários.

É necessária uma maior unidade entre poderes para o desenvolvimento e adoção desses planos de prevenção?

Exatamente. Esse é um papel fundamental do governo estadual. É que o governo federal está muito lá em cima, não tem capilaridade nos municípios. Essa realmente é uma atribuição do governo estadual.

Você pensar, por exemplo, em unidades de planejamento para isso, é a unidade de bacia hidrográfica, não necessariamente o município A, B ou C, mas os municípios da bacia do Rio Jacuí, por exemplo. Com um estudo bem feito, que englobe todos eles, você tem uma solução satisfatória para todos.

Como financiar esses projetos? Não deveria existir um instrumento capaz de fomentar esse tipo de estudo?

O dinheiro do planejamento em si não é muito alto. Claro que, para uma prefeitura individual, fazer um plano desses pode até ser complicado e caro, mas, na verdade, nem é tão caro, principalmente por estar analisando um problemaço.

Se você não faz o estudo, você não tem resposta para dar e acontece o que acontece. É melhor fazer o estudo, a prevenção, e você identificar as áreas onde você está mais vulnerável.

Pagar por esse plano é caro, mas, para um governo estadual que pode evitar um monte de mortes fazendo um bom plano e prevenção, é barato, né? O plano fica muito barato diante do problema que ele está eventualmente resolvendo.