O ano é 2001. Advogada recém-formada, constato que as normas ambientais brasileiras, válidas e em vigor, não apenas eram ineficazes, mas também desconhecidas e/ou ignoradas pelo mercado.
Mesmo inexperiente, me questionava como um banco podia ter liberado um crédito rural sem sequer confirmar se as terras do tomador possuíam reserva legal averbada na matrícula.
Desde cedo ficou evidente para mim a relevância do fluxo de capital e o papel central das instituições financeiras como indutoras de conformidade ambiental no país.
Parecia o básico do básico: condicionar a concessão de financiamentos ao cumprimento da norma ambiental – isso validaria o contrato como objeto lícito e possível, seria uma alternativa à fiscalização ambiental inexistente, ao desconhecimento do mercado e, a cereja do bolo, reduziria o risco de crédito.
Não era uma defesa do fechamento da torneira do crédito. Minha proposta considerava a perspectiva econômica e social: sinal vermelho com negativa de crédito só em última instância, considerando a gravidade e a irreparabilidade do caso.
O objetivo era assegurar que um percentual do dinheiro fosse usado para atingir conformidade ou que, na melhor hipótese, houvesse um prêmio com juros menores na operação para conformidade ambiental comprovada na largada.
Em 2003, escrevi meu primeiro livro, focado na incorporação da variável ambiental na atividade dos financiadores. Em 2008, escrevi meu segundo livro focado nas cláusulas ambientais que deveriam ser inseridas nos contratos (de financiamentos, de seguros etc.).
Em 2012, o Banco Central do Brasil publicou a consulta 41, com uma proposta de política de responsabilidade socioambiental para os bancos, junto com a obrigação de publicarem relatório de responsabilidade socioambiental anual.
Seria o fim da frase que tanto ouvi na minha carreira: “O que essa menina acha que banco tem a ver com meio ambiente?” Mas ainda não foi dessa vez.
Foram-se 2012 e 2013, com discussões acaloradas no setor financeiro sobre a falta de cabimento daquelas propostas. Afinal “quem tinha que se preocupar com meio ambiente era órgão ambiental, não banco”.
Em 2014, a queda de braço acabou com a publicação da Resolução 4327, que veio singela, com uma única proposta de política de responsabilidade socioambiental para ser disponibilizada na internet. Meu entusiasmo foi por água abaixo.
Até que chegou 2020 e, com ele, o Banco Central anunciou a inclusão da dimensão sustentabilidade na sua Agenda BC#. Para melhorar, a variável ambiental passou a ser considerada tão relevante que foi desdobrada em duas: ambiental e climática.
Em 2021, o BC publicou seu pacote regulatório de sustentabilidade, reconhecendo, afinal de contas, que a estabilidade financeira precisava ser resguardada dos “novos” riscos sociais, ambientais e climáticos.
De lá para cá, o cenário só melhorou e a Susep e a CVM, os reguladores do setor de seguros e do mercado de capitais, respectivamente, entraram no jogo. E, como não poderia deixar de ser, o Banco Central continuou aprimorando a dimensão de sustentabilidade sob seu comando.
Nova norma em consulta pública
Em março deste ano, o BC lançou a consulta pública 100. Seguindo sua agenda, após iniciar com dados qualitativos de governança e estratégia de riscos e oportunidades ambientais, sociais e climáticos a serem reportados anualmente, chegou o momento de dar o próximo passo e tratar de dados quantitativos, métricas e metas.
Mas o cenário evoluiu tanto em relação a esses riscos no mundo nos últimos anos, que o Banco Central precisou atrasar seu cronograma para aprimorar a construção da consulta com a incorporação dos padrões S1 e S2 do IFRS para divulgação de dados de sustentabilidade e da consulta pública do BIS que tratou da incorporação do risco climático no pilar 3 (divulgação) da regulação prudencial.
A consulta 100 está dividida em 5 grandes temas: contexto e abrangência das informações divulgadas; interação das regras prudenciais de divulgação de informação com os padrões IFRS; indicadores para gerenciamento do risco climático; compromissos voluntários e planos de transição; escopo de aplicação e prazo para implementação.
Com relação à abrangência dos dados, o Banco Central questiona quais indicadores poderiam ser incluídos no relatório de gerenciamento de risco social, ambiental e climático para complementar as métricas de riscos climáticos abrangidas pelos padrões internacionais.
Para a interação com as regras prudenciais, alguns questionamentos são:
- Quais diferentes escopos de consolidação (contábil e prudencial) podem ser considerados significativos para divulgação de informações qualitativas e quantitativas? Existiriam sobreposições de dados qualitativos considerando os enfoques distintos dos padrões internacionais – IFRS (investidor) e BIS (prudencial)?
- Se o Banco Central recepcionasse os padrões IFRS S1 e S2, haveria necessidade de ressalva ou adaptação para aplicação no âmbito do Sistema Financeiro Nacional?
- As informações requeridas deveriam fazer parte do relatório de administração, de nota explicativa ou seria um relatório separado?
Com relação aos indicadores para gerenciamento de risco climático, alguns questionamentos são:
- Considerando a disponibilidade dos dados sobre emissões financiadas, quais metodologias seriam as mais adequadas para a mensuração dessa métrica, quais são os desafios encontrados na coleta de dados e quais seriam as potenciais soluções?
- Em não havendo dados sobre emissões financiadas, devem ser construídos indicadores padronizados de emissões de gases de efeito estufa?
- Quais seriam as metodologias mais apropriadas para esse cálculo, considerando dados publicamente disponíveis?
- Quais os prós e os contras para escolha de metodologia pelo Banco Central do Brasil, a exemplo da metodologia do Pcaf?
- Tendo como base as estimativas anuais de emissão de gases de efeito estufa no Brasil divulgadas pelo MCTI, o enfoque proposto nas tabelas ilustrativas do emprego de indicadores quantitativos para o gerenciamento do risco climático para o setor agropecuário e o setor de geração de energia elétrica é adequado?
Para os compromissos voluntários e planos de transição dos regulados, alguns questionamentos são:
- Haveria benefício em prever a divulgação dos compromissos voluntários relacionados a gases de efeito estufa?
- Essa divulgação deveria ser padronizada?
- Quais seriam as informações essenciais a serem incluídas?
Com relação ao escopo de aplicação e prazo para implementação, alguns questionamentos são:
- A divulgação da integralidade do relatório GRSAC deveria ser aplicável para todos os segmentos? Qual seria o prazo adequado?
- Considerando os distintos graus de complexidade e relevância sistêmica dos regulados, qual seria o prazo adequado para darmos este passo de aprimoramento?
- Caberia regra de transição – e em qual prazo – para os segmentos menores do SFN?
O Banco Central receberá comentários à consulta até 28 de junho neste link.
Não vale chorar o leite derramado: esta é a oportunidade para balizar as ações de aprimoramento da gestão e reporte dos dados sociais, ambientais e climáticos pelo guardião da estabilidade financeira nacional.
É o momento dos regulados individual ou coletivamente em suas associações apresentarem comentários, assim como do mercado inteiro entender o recado e rapidamente começar a gerenciar e produzir dados fidedignos de sustentabilidade.
Parece que, com isso, zeramos as dúvidas sobre o papel dos bancos na agenda de sustentabilidade. Ansiosa, eu só estava uns 20 anos adiantada.
Na segunda parte do artigo, a ser publicada nos próximos dias, abordarei como a soma de economia e sustentabilidade resulta em estabilidade financeira para o sistema.