O trabalho do professor Paulo Arruda envolve a edição de frases e palavras, mas não se engane. Ele nunca ensinou português, e muito menos trabalha numa editora de livros.
Arruda não modifica textos, mas sim as letras que compõem genomas.
Ele é o CEO da InEditaBio, uma startup de biotecnologia que desenvolve uma técnica que permite fazer pequenas mudanças no DNA de plantas para torná-las mais resistentes a pragas, doenças e, quem sabe, os efeitos das mudanças climáticas.
Criada há dois anos, a startup já recebeu investimentos do fundo Vesper Ventures e da gestora Ecoa Capital. A startup nasceu com capital da Vesper, investimento que foi necessário para dar o pontapé e fazer as primeiras validações do negócio.
“Conversando com o Vesper Ventures, eu disse a eles: ‘Olha, a edição genômica é uma baita oportunidade para o país, porque temos conhecimentos, pessoas treinadas e bem formadas, Então, se nós fizermos um projeto de empresa que seja focado em coisas de grande impacto, eu acho que a gente pode ter sucesso.”
O valor dos aportes não é revelado. Agora, o objetivo é captar US$ 5 milhões até o fim do ano para acelerar o trabalho de laboratório.
De olho nas possibilidades do mercado de capitais americano, a startup tem sua matriz nos Estados Unidos. Mas as pesquisas acontecem em Florianópolis – dentro da estrutura da Vesper – e o foco é em duas culturas centrais do agronegócio brasileiro: soja e milho.
O negócio da InEditaBio é a edição genômica, um conceito que não chega a ser uma novidade por completo, mas que começa a conquistar espaço no agronegócio brasileiro.
“Como o próprio nome já diz, edição genômica é corrigir, trocar palavras, botar um verbo. O genoma de todos os organismos é uma sequência de letras, e o arranjo dessas letras ao longo de uma frase é que constitui o que a gente chama de gene. E o conjunto de todas as frases possíveis compreendem o genoma”, explica Arruda.
Modificando ou apagando algumas dessas letras, é possível silenciar genes que seriam atacados por um fungo, por exemplo, com o objetivo de diminuir a dependência de pesticidas.
“Nos colocamos no seguinte desafio: ora, se nós queremos ser uma empresa de biotecnologia com impacto real na sociedade, nós temos que atacar a questão das doenças e das pragas [na agricultura].”
Nesse primeiro momento, a InEditaBio quer atacar a ferrugem asiática. A doença, que atinge as plantações de soja, surgiu no Japão no começo do século XX, se alastrou pelo mundo de forma lenta e hoje afeta em cheio o campo brasileiro.
No ano passado o número de casos registrados no país aumentou 491% em comparação com 2022, segundo dados do Consórcio Antiferrugem.
A disseminação da doença tem provocado um aumento progressivo do uso de pesticidas ao longo do tempo.
“Há alguns anos, eram quatro pulverizações por ano. Hoje, esse ano, estão fazendo seis pulverizações, tem um impacto econômico e ambiental enorme”, diz Arruda. “Não tem produção de soja se não pulverizar com fungicida.”
Edição x transgenia
A tecnologia da InEditaBio é diferente da transgenia, que envolve o uso de genes de outra espécie. Provavelmente o produto transgênico mais conhecido do mundo, a soja Roundup Ready, da Monsanto, foi modificada com genes de microorganismos que a tornaram resistente ao glifosato, um herbicida.
A diferença não é apenas técnica, segundo Arruda. “O custo de colocar um transgênico no mercado fica em torno de US$ 100 milhões. Já para fazer um material editado, está entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões.”
Arruda fala com experiência acadêmica também de empreendedor. Professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele fundou há mais de 20 anos uma das primeiras empresas de biotecnologia agrícola do país, a Allelyx Applied Genomics, vendida para a Monsanto em 2008.
Seu novo negócio ainda está nos estágios iniciais. Os primeiros ensaios de campo da InEditaBio devem começar somente em 2026.
Pode parecer muito tempo, mas, para os padrões da biotecnologia, o desenvolvimento é até rápido. Segundo Arruda, projetos de melhoramento genético tradicionais levam geralmente de 10 a 15 anos para serem concluídos.
Com os resultados vindos dos primeiros testes, a startup passa para a fase de comercialização. Os potenciais clientes são empresas que desenvolvem sementes de soja. O modelo de negócios envolve licenciamento da tecnologia e cobrança de royalties.
A startup também está negociando o licenciamento das patentes que já possui – são duas, ambas depositadas nos Estados Unidos – para interessados que queiram utilizar essa tecnologia para desenvolver seus próprios produtos.
Ainda que não sejam o foco atual, outras culturas também podem ser editadas geneticamente com a tecnologia desenvolvida pela startup, segundo Arruda, caso de algodão, trigo, cevada e leguminosas.
Para ele, isso abre espaço para outras empresas também apostarem na edição genética. Arruda não os vê como concorrentes em potencial, mas sim como parceiros em termos de impacto socioambiental.
Picando a mata
O caminho trilhado pela startup foi aberto graças ao trabalho das pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna.
Elas ganharam o Prêmio Nobel de Química de 2020 pela descoberta de um método de edição genética, o CRISPR/Cas9, que permite a substituição de determinadas partes do DNA por outras sem que todo o código genético seja afetado.
Países como China – um dos líderes da edição genética no mundo –, e Argentina já estabeleceram regras para a metodologia. Outros ainda estão avaliando como regular a novidade.
A União Europeia, por exemplo, que havia inserido o método na mesma categoria dos transgênicos há alguns anos, voltou atrás na decisão.
No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vem fazendo pesquisas de edição genética há anos. As primeiras amostras de soja editadas pela Embrapa em laboratório foram a campo no fim do ano passado.
“A InEdita não vai resolver sozinha o problema de produção sustentável de alimentos no mundo. Serão necessárias algumas dezenas ou centenas de InEditas no mundo”, diz Arruda.