O órgão que regula o mercado de capitais americano, a Securities and Exchange Commission (SEC), aprovou nesta quarta-feira um novo conjunto de regras de divulgação climática obrigatória para as empresas de capital aberto.
A obrigação de relatar as emissões de gases de efeito estufa da cadeia de valor, o chamado escopo 3, ficou de fora. As chamadas emissões indiretas são aquelas atribuídas a fornecedores de matéria-prima e serviços e também a clientes ou consumidores e, em alguns setores, respondem por 80%, 90% do total das emissões de uma empresa.
O reporte do escopo 3 constava da proposta original da SEC apresentada há dois anos, mas foi abandonado por pressão e ameaças de processos por parte das companhias.
Durante um longo processo de consulta pública que atrasou em mais de um ano a definição das regras, os opositores dessa divulgação mais abrangente alegaram dificuldades técnicas e alto custo para levantar o CO2 emitido por fornecedores e clientes.
Mesmo com o recuo relevante, a regra é uma das medidas mais incisivas adotadas pelo governo americano para que o setor privado seja mais transparente em relação à sua contribuição para a crise do clima e também para eventuais riscos que o aquecimento global traz para os negócios.
As divulgações obrigatórias incluem:
- Riscos climáticos que tiveram ou têm probabilidade razoável de causar impacto material na estratégia, nos resultados ou na condição financeira da empresa;
- Descrições quantitativas e qualitativas das atividades de mitigação ou adaptação a riscos climáticos que fazem parte da estratégia da companhia;
- Informações sobre as metas ou objetivos relacionados ao clima que afetam ou têm probabilidade razoável de afetar materialmente os negócios;
- Os custos e eventuais perdas associadas a eventos climáticos extremos, tais como furacões, tornados, enchentes, secas, incêndios florestais, temperaturas extremas e aumento do nível do mar;
As regras “oferecem especificidade sobre o que as empresas devem divulgar, o que produzirá informações mais úteis do que as disponíveis para os investidores hoje”, afirmou em nota o chefe da SEC, Gary Gensler.
Como as informações terão de ser registradas oficialmente junto à SEC em vez de publicadas voluntariamente em sites, elas serão “mais confiáveis”, disse ele.
Nota de corte
Os reportes relativos ao escopo 1 (emissões decorrentes das atividades diretas da companhia) e escopo 2 (relativas à energia adquirida) são obrigatórios dependendo do tamanho da empresa e se as emissões forem consideradas “materiais” para o negócio, na avaliação das próprias empresas.
Enchentes que obrigam uma seguradora a pagar mais indenizações são um exemplo de impacto material que deve ser divulgado.
Cerca de 40% das 7000 empresas americanas registradas na SEC terão de cumprir a exigência. Seguindo os mesmo critérios, em torno de 60% das companhias estrangeiras com registro na SEC estarão sujeitas às novas regras.
A ausência das emissões de escopo 3, que tipicamente compõem a maior parte do impacto climático associado a uma empresa, frustrou ativistas.
“A decisão de se curvar à pressão da indústria contra uma regra abrangente é um desserviço para o planeta e para os investidores”, afirmou em comunicado Charles Slidders, do Center for International Environmental Law (Ciel).
Essa opinião, entretanto, não é unânime. Steve Rothstein, diretor da Ceres, entidade que defende práticas sustentáveis nas finanças, afirmou ao Financial Times que “uma regra boa que possa ser implementada e cumprida é melhor que uma regra ótima que nunca é implementada”.
Ana Luci Grizzi, sócia da EY e colunista do Reset, aponta outro ponto positivo, em sua avaliação: “Há um forte componente de governança climática a ser comemorado: as empresas listadas deverão informar sobre o papel do conselho de administração na supervisão dos riscos climáticos e dos executivos no gerenciamento dos riscos climáticos materiais. Isso significa que obrigatoriamente, clima entrará na pauta do conselho, esclarecendo de uma vez por todas que risco (e oportunidades climáticas) compõem o dever fiduciário dos administradores.”
Abismo político
O conselho da SEC é formado por cinco diretores. Na gestão atual, três são democratas (incluindo Gensler) e dois são republicanos.
A votação de hoje refletiu a divisão política que também se faz sentir no mundo dos negócios. Os dois diretores republicanos votaram contra a nova regulação e emitiram opiniões contrárias que indicam a inevitabilidade de contestações judiciais, segundo especialistas.
“Por mais bem-intencionados que sejam, esses interesses particulares não justificam forçar os investidores que não compartilham [dessa opinião] a pagar a conta”, disse Hester Peirce, uma das republicanas do conselho.
Nos quase dois anos que se passaram entre a apresentação da proposta e a votação desta quarta, as posições anti-ESG da ala mais radical do Partido Republicano se acirraram consideravelmente.
Gensler foi indicado para chefiar a SEC por Joe Biden. Para a oposição, ele estaria extrapolando os limites de seu cargo e impondo uma “agenda progressista” no órgão regulador.
A consulta pública recebeu mais de 16 mil comentários, em sua maioria relativos às dificuldades e custos envolvidos com o detalhamento do escopo 3.