DUBAI – No apagar das luzes da COP28, o governo apresentou os detalhes de seu ambicioso projeto para recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas por meio de pecuária e agricultura regenerativas, uma iniciativa que deve exigir US$ 120 bilhões ao longo de 10 anos.
O plano é coordenado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e une o conhecimento tecnológico da Embrapa e financiamento do Banco do Brasil e BNDES com o objetivo de dobrar a produção de alimentos do país sem a abertura de novas áreas.
As taxas de juros serão definidas com base em critérios ambientais e sociais, e o crédito terá prazos alongados: 15 anos, com 3 de carência. “Com juros de 7% ao ano, em dólar, tem dinheiro à vontade para a agricultura brasileira. Queremos taxas mais competitivas que isso”, disse ao Reset Roberto Perosa, secretário de comércio e relações internacionais do MAPA.
Já foram identificadas mais de 160 mil propriedades que se enquadram no programa, das quais 80% são de pequeno e médio porte. Elas ficam majoritariamente na região Centro-Oeste e Sudeste. “São áreas muito longe da Amazônia, já antropizadas”, afirmou Perosa.
A conta dos US$ 120 bilhões de dólares se baseia num investimento estimado de US$ 3 mil por hectare, que inclui correção do solo, maquinário e capacitação técnica. A ideia é tornar produtivas terras hoje essencialmente abandonadas.
A Embrapa já identificou as culturas mais adequadas para cada região, incluindo sistemas agroflorestais ou que integrem pecuária, lavoura e floresta, conhecidos pela sigla ILPF.
O plano vislumbra dois modelos de negócio. Um deles, para a pecuária, parte de uma produtividade de duas arrobas de gado por hectare e chega a até dez arrobas a partir do quarto ano.
No caso da agricultura, a previsão é aumentar a lucratividade das culturas em até 30% depois do quinto ano. Em ambos os casos, estão previstas certificações de rastreio da produção e também a geração de créditos baseados no carbono sequestrado.
Parte dos recursos disponibilizados pelo Banco do Brasil virão de uma operação de US$ 500 milhões que a instituição realizou com o Banco Mundial para redução de emissões de gases de efeito estufa.
A expectativa é que programas de hedge cambial, como o anunciado entre o Ministério da Fazenda e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ajudem a destravar mais dinheiro de investidores privados estrangeiros, afirmou Jorge Gildi, advisor sênior da área de finanças sustentáveis do BB.
50 anos em 10
A área de produção agrícola do país era de cerca de 27 milhões de hectares há 50 anos. Hoje, ela cobre 65 milhões de hectares. Na prática, o plano prevê um salto da mesma magnitude em um quinto do tempo.
Parte dessa recuperação já acontece hoje: entre 1 milhão e 1,5 milhão de hectares de áreas degradadas são recuperados por ano, diz Perosa. Mas os “50 anos em 10” só viram realidade com financiamento adequado e tecnologia.
Perosa afirma que as atividades do programa já começaram e que não há necessidade de pilotos. “Temos exemplos de empresas privadas que já fazem isso.”
Praticamente quadruplicar a taxa de recuperação é uma meta desafiadora, diz Renata Potenza, especialista em clima do Imaflora. “Vai exigir bastante capacitação. E também um monitoramento posterior, para garantir que o benefício ambiental e de carbono seja mantido.”
A experiência do setor privado
Os frigoríficos brasileiros JBS e Marfrig e a multinacional de sementes Syngenta, que têm iniciativas próprias de recuperação de áreas degradadas, também tinham representantes no evento de lançamento do plano do governo.
A Syngenta tem a meta de recuperar 1 milhão de hectares até 2030. O programa Reverte, em parceria com o Itaú, já atinge uma área total de 160 mil hectares.
Os juros são “competitivos, mas de mercado”, disse Parenti. O foco é nos grandes produtores de grãos, pois eles podem oferecer garantias para obtenção do crédito.
Paulo Pianez, responsável pela área de sustentabilidade da Marfrig, afirmou que há necessidade de mais inovações para lidar com os outros obstáculos além dos juros que separam o pequeno produtor do financiamento.
“É essencial desenvolver mecanismos financeiros alinhados à transformação do campo, principalmente do pequeno”, disse Pianez. “O Brasil tem 2,5 milhões de produtores que se dedicam em alguma medida à pecuária de corte, e destes 1,7 milhão é de pequeno porte.”
Timing curioso
Perosa apresentou o plano em um evento realizado na manhã desta segunda-feira no espaço do governo brasileiro na COP28. Durante a maior parte do painel, havia apenas cerca de dez pessoas na plateia.
Expandir a produção sem desmatar era uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia original era fazer a divulgação no Palácio do Planalto na última semana de novembro, antes do início da conferência.
Mas o decreto presidencial não ficou pronto a tempo e acabou sendo publicado sem grande destaque no último dia 5.
Além da COP já esvaziada – falta apenas um dia para o prazo final da conferência –, o timing também foi curioso porque o domingo era dedicado a sistemas alimentares.
O governo brasileiro anunciou a entrada em uma coalizão com outros quatro países “campeões” da transformação necessária na produção de alimentos, tanto do ponto de vista do clima quanto da segurança alimentar global.
Contando desmatamento, uso de insumos, o metano do arroto dos bois e emissões decorrentes de transporte e processamento, o setor de alimentos é responsável por quase um terço de todos os gases de efeito-estufa lançados anualmente na atmosfera.
A adesão do Brasil à aliança – voluntária e sem relação direta com a agenda oficial da COP28 – foi assinada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).“Existe uma grande divisão interna no governo sobre esse tema”, disse ao Reset uma pessoa que acompanha o assunto de perto. “Meio Ambiente, MPA e MDA não falam a mesma língua.”