Pouco antes da pandemia, começou a formar-se uma “onda verde” de investimentos em empresas que ofereciam soluções de descarbonização e prometiam retornos superiores.
A eleição de Joe Biden nos Estados Unidos e a volta do país ao Acordo de Paris no inicio de 2021 – que significou, objetivamente, que 90% do PIB mundial passava a estar comprometido com a descarbonização – criou contagiante euforia sobre essas oportunidades de investimento, apontando para o início de uma potencial ruptura com a economia de alto carbono, alimentando crescente adesão do setor financeiro ao compromisso com o net zero, que desembocaria em seu inusitado protagonismo na COP de Glasgow, em 2021.
Índices que acompanham ações de companhias com soluções materiais de descarbonização tiveram excelente desempenho nesse período. O iClima Global Decarbonization Enablers Index, que representa mais de 150 empresas verdes listadas, por exemplo, terminou 2020 com uma valorização de mais de 83% no ano.
Esse despertar dos investidores era visível em todo o espectro de risco tecnológico de climate investing: de setores em que a tecnologia já era amplamente dominada e produzida a preços competitivos, como em energia solar e eólica, até climatechs em que os prêmios de retorno da inovação justificavam o investimento mais paciente.
Entretanto, esse otimismo exuberante dos mercados com as perspectivas de investimento nos ativos descarbonizantes não se sustentou como esperado.
Já a partir de meados de 2021, o impacto cumulativo do aumento da inflação após o surto de demanda com fim dos confinamentos impostos pela pandemia, o veloz aumento do custo de capital global a partir de maio de 2022, e a disparada dos preços de combustíveis fósseis ampliada pelo impacto da guerra na Ucrânia sobre o equilíbrio energético da Europa, propiciaram as condições para uma verdadeira “vingança da velha economia”.
Paradoxalmente, depois da “primavera verde” de 2020, os nomes de empresas com melhor desempenho no ano passado foram os relacionados a petróleo e gás.
Esse conjunto de choques globais afetou desproporcionalmente a classe de ativos que refletiam a aposta na transição ao baixo carbono. As incertezas no ambiente macro e, especialmente, os custos mais elevados de capital reduziram o apetite de investidores pelo risco implícito em histórias de crescimento fundadas em climate impact.
Mesmo os substanciais incentivos dados pelo pacote americano IRA (Inflation Reduction Act) a uma enorme gama de produtos “verdes“ e o aprofundamento das políticas de incentivo na União Européia não foram suficientes para evitar uma “tempestade perfeita” para o desempenho das empresas verdes.
Esse impacto é visível nas empresas listadas em bolsa, na maioria pequenas e médias empresas com valuations baseados em expectativas de crescimento sustentadas pelo cenário totalmente diferente de preços de energia e de capital vigentes antes do choque.
Aqui, o colapso do mercado de SPACs – um veículo muito usado para capitalização dessas climatech startups –, causado pela alta global de juros, teve efeito relevante.
De 40 SPACs classificados como verdes completados em 2020-21, cinco (Appharvest, Kalera, Lordstown, Tattooed Chef e Proterra) entraram em processos falimentares, o chamado “Capítulo 11” americano. Nada menos de 31 deles tiveram queda de preços de ações de mais de 50% desde a listagem em bolsa e, destes, doze perderam mais de 90% em valor. Dos nove nomes cujas ações caíram menos de 50%, apenas três (Acher Aviation, Amprius Technologies e PureCycle) têm uma capitalização de mercado que está agora acima da avaliação no momento da aquisição.
Esta fraca performance não é exclusividade de empresas com risco tecnológico, ainda não lucrativas e que necessitavam de contínuo aporte de capital. Mesmo empresas de equipamentos solares e eólicos que desenvolvem e operam energia renovável de tecnologia amplamente difundida, mas que requerem altos investimentos, estão sendo vistas como problemáticas em um cenário de taxas de juros elevadas. O iShares Global Clean Energy ETF (ICLN), cuja maiores posições são de empresas verdes, lucrativas e grandes como Enphase, First Solar, Iberdrola, EdP e Orsted, está em queda de mais de 26% este ano.
Finalmente, mesmo levando em conta a imprecisão contida na classificação de “Fundos ESG” como indicador de impacto climático, é interessante notar que os choques e as incertezas recentes também causaram um visível desaquecimento dos investimentos nesta classe de ativos. Segundo dados da Morningstar, os fluxos líquidos – a diferença entre novos investimentos e resgates – em fundos mútuos e ETFs classificados como ESG despencaram 76% em 2022, retornando ao nível mais baixo da série desde 2018.
Olhando para o futuro, o que nos parece muito preocupante é o impacto negativo que estas tendências recentes estão tendo sobre a ambição climática do setor financeiro, pois ocorrem em um ambiente de crescente e justificada pressão sobre grandes investidores para medir e reportar emissões de suas carteiras visando penalizar os investimentos sem compromissos ESG.
Em virtude dessa pressão, já se pode notar o surgimento de um estresse na coesão das instituições financeiras que vinham apoiando ativamente o compromisso com net zero, especialmente quando o ativismo de litigância climática ameaça criar vultosas obrigações contingentes em caso de greenwashing.
Uma decomposição da coalizão consolidada no GFANZ desferiria um golpe severo e potencialmente desastroso sobre o crucial apoio recente das grandes instituições financeiras à transição ao baixo carbono.
Mas essa queda da performance dos ativos da nascente economia verde deve ser vista apenas como uma doença infantil da economia de baixo carbono. Os investidores devem olhar através da neblina criada pela instabilidade no curto prazo e apostar no aprofundamento dos gastos em inovação e na estabilidade regulatória dos incentivos à transição como geradores de oportunidades de investimento a longo prazo.
Essa é uma classe de ativos cuja atratividade tenderá a crescer na medida em que governos dos maiores emissores serão forçados pela evidência científica – como na pandemia – a implementar agressivas políticas de clima em suas jurisdições e em escala global como prioridade no horizonte da próxima década.
E, neste cenário, as soluções tecnológicas que fazem sentido econômico e têm real impacto climático, da perspectiva correta de redução das emissões, deverão gerar os investimentos que entregarão retornos superiores aos investidores.
Além disso, há o simples tamanho da oportunidade. Muitos analistas apontam a inteligência artificial como potencialmente uma enorme oportunidade de mercado, devendo gerar US$ 1 trilhão de investimentos até 2030. Isto, entretanto, é menor do que os US$ $1,7 trilhão que os investimentos verdes já somam hoje.
Em resumo, não há como negar que o atual “dilema dos horizontes” dos cruciais tomadores de decisão – formuladores de política e investidores – é realmente um sério problema de ação coletiva que dificulta e atrasa a solução da emergência climática em mercados de capital eficientes. Um cenário que só deverá piorar em 2024 com a aproximação das eleições nos Estados Unidos.
Se demorada, essa retração do financiamento privado aos investimentos verdes criada por uma percepção míope de maior risco de curto prazo pode diminuir significativamente a velocidade da transição, especialmente nas economias de mercado.
Resta, entretanto, a certeza de que não existe hoje estratégia de investimento de longo prazo maior e mais profunda do que a consistente com o cenário necessário para a descarbonização do planeta. Daí nossa esperança de que os formuladores de política, no Brasil e no mundo, permitam que o investimento verde não seja só para os bravos, mas para os investidores com visão estratégica, dando sinalização inequívoca da estabilidade dos incentivos à transição a longo prazo.
* Gabriela Herculano tem MBA em Finanças pela Wharton School e longa experiência em instituições financeiras internacionais na área de energia. Em 2019 fundou a www.iclima.earth, sediada em Londres, uma gestora de investimentos de equity de impacto climático.