
Mutirão é uma das marcas da COP30, que começa em Belém nesta segunda-feira (10). Não é uma palavra que tenha uma tradução óbvia para o inglês, mas os gringos desembarcando no Brasil nos últimos dias estão tentando arranhá-la.
No mundo das finanças sustentáveis, o instrumento que melhor define esse espírito é o blended finance, porque reúne tipos de capitais que nem sempre costumam se cruzar: o público, com o privado e o filantrópico.
Neste tipo de arranjo, o dinheiro catalítico (filantrópico ou subsidiado) entra para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala.
O programa brasileiro Eco Invest, que está ancorado nesta estrutura de capital misto, atraiu grande interesse de investidores internacionais que estiveram no PRI in Person, evento organizado pelo Principles for Responsible Investment (PRI), em São Paulo, na semana passada.
Ele funcionou como uma espécie de pré-COP da Faria Lima mundial – a rede global de investidores do PRI conta com signatários com US$ 130 trilhões em ativos sob gestão.
“Falamos do Plano de Transformação Ecológica do Brasil, onde o Eco Invest está inserido, de como ele pode servir de case para outros mercados emergentes, para a gente fechar o gap de US$ 1,3 trilhão para financiamento climático”, conta Marcelo Seraphim, head do PRI no Brasil.
O PRI fez três rodadas de apresentação para investidores europeus e asiáticos antes do encontro em São Paulo, em que representantes do Ministério da Fazenda apresentaram as soluções baseadas na natureza, de mitigação e adaptação dos programas brasileiros.
“Os investidores internacionais ficaram muito impressionados com o pipeline, que eles não sabiam que existia”, diz Seraphim.
Mario Gouvea de Almeida, coordenador do Eco Invest no Tesouro Nacional, fez apresentações sobre o programa no evento, entre eles um no espaço da BB Asset com a Régia Capital, com grande presença de estrangeiros com seus fones de tradução.
Mais segurança
O Tesouro Nacional lançou entre o ano passado e este três leilões do Eco Invest, programa do governo para atrair recursos privados estrangeiros para financiar projetos verdes brasileiros.
Uma das estruturas possíveis para estruturar os investimentos do programa são fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), veículo de investimento em crédito privado cujas emissões totais somaram R$ 55,6 bilhões entre janeiro e outubro deste ano.
“A regulação já permite que ele seja usado para blended finance e iremos lançar em breve um parecer de orientação para dar segurança jurídica”, disse Nathalie Vidual, Superintendente de proteção e orientação a investidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Uma vantagem é que as cotas podem se comportar de maneira diferente de acordo com o investidor: as que ficam com o capital catalítico, com dinheiro subsidiado do governo ou de fundações filantrópicas, podem servir como colchão contra perdas.
“O mercado brasileiro é sofisticado e tem boa regulação, mas o parecer torna mais fácil explicar para os investidores e atrair capital”, disse Cláudio dos Anjos, analista de sustentabilidade da Régia, joint venture da JGP com o Banco do Brasil, que tem R$ 14 bilhões sob gestão.
Reflorestamento de áreas degradadas, bioeconomia e sistemas agroflorestais são setores que tendem a se beneficiar do capital misto. A empresa de cosméticos Natura, por exemplo, lançou em 2024 o Mecanismo Amazônia Viva, com participação da securitizadora Vert, do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e da International Finance Corporation (IFC), braço de investimento privado do Banco Mundial. A iniciativa voltada para a Amazônia já mobilizou R$ 36 milhões de acordo com a companhia.
“Leva recursos privados para locais onde ninguém quer estar e ajudar a desenvolver negócios promissores onde ninguém quer correr o risco de ser o primeiro”, disse Jamie Fergusson, diretor global de ação climática da IFC, durante o painel “Blended finance na prática: fluxo de capital Norte-Sul para impacto e retornos”, que destacou o uso do mecanismo na construção de torres de telecom na Ucrânia combalida pela guerra.
Preocupações
O capital misto tem angariado a atenção de governos e instituições do terceiro setor porque parece uma saída eficiente para um problema antigo, mesmo que isso exija assumir riscos maiores do que os sócios.
“Precisamos de capital privado para suprir os US$ 4 trilhões que faltam para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável, e o blended finance é uma maneira de atraí-lo”, disse Heiner W. Skaliks, conselheiro da Convergence, plataforma voltada ao financiamento combinado.
Investidores institucionais de países desenvolvidos ainda têm seus temores. Ao fim do painel, o representante de um fundo de pensão britânico abordou uma das palestrantes com empolgação. “Nós queremos muito fazer isso. Mas os custos administrativos ainda são altos”, disse ele, trocando cartões e migrando às pressas para outro debate.
A participante era Caroline Flammer, professora de economia da Universidade de Columbia, que havia acabado de apresentar um levantamento realizado com 128 investidores do norte global esse ano.
Eles apontaram que os principais riscos de investir em mercados emergentes são o de câmbio, o político e os operacionais. No entanto, nenhum desses riscos é o fator que os impede de entrar em operações de blended finance. A falta de expertise pesa mais.
“Essa parceria público-privada-filantrópica é nova, exige adaptação a diferentes regulações, demora para estruturar e tempo é dinheiro”, diz Flammer, explicando a queixa do investidor britânico.