Investidores ‘responsáveis’ buscam argumentos para justificar alocação em armas 

A União Europeia não foi sutil ao criar o programa ReArm Europe, lançado em março deste ano. Mesmo depois da troca de nome para Readiness 2030, a mensagem é clara: os europeus planejam aumentar sua capacidade militar para lidar com ameaças geopolíticas. 

Os países membros gastaram 1,9% do PIB com segurança e defesa em 2024. A meta é chegar a 3,5% até o fim da década. 

Com tanto investimento dos governos, as empresas do setor se valorizam. E aplicações até outro dia proibidas, como eram os casos de armas e fumo, estão entrando nos portfólios de investidores e gestoras de recursos que se dizem alinhados a princípios de responsabilidade e sustentabilidade.  

Geopolítica e defesa foram um dos principais temas do PRI in Person, promovido pelo Principles for Responsible Investment (PRI), rede global de investidores cujos signatários contam com US$ 130 trilhões em ativos sob gestão. Neste ano, ele foi sediado em São Paulo.

“Última vez que estive no Brasil falávamos sobre energia renovável, como compartilhar melhores práticas, o potencial da tecnologia para educação e transparência. O mundo era diferente. Hoje falamos de defesa, resiliência energética e como lidar com os riscos da inteligência artificial”, resumiu o presidente da Letônia, Edgar Rinkevics.

O país europeu com pouco mais de 1,8 milhão de pessoas se tornou independente da União Soviética em 1991, continuou intimamente ligado a Moscou porque dependia do gás e petróleo russos. 

Em 2017, a Letônia começou uma transição e hoje não depende mais do vizinho, tendo se tornado um exemplo de que os investimentos em energia renovável adquiriram um caráter estratégico que vai além da questão climática e impacta diretamente na soberania da região.

Tensão crescente

O assunto não é exatamente novo, entrou na pauta desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 2022, mas ganhou nova dimensão desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou retirar o apoio militar ao país e abandonar a aliança militar do Atlântico Norte, a OTAN.  

Isso pressionou países europeus a aumentar seus orçamentos de segurança e defesa, realocando recursos de outras áreas – entre elas gastos sociais e com políticas ambientais e de transição. 

“Geopolítica era um barulho de fundo para investidores, hoje é a música principal. Precisamos ter transparência para esse mercado [defesa] da mesma forma como a gente olha para todas as indústrias”, disse Philippe Zaouati, CEO da gestora francesa Mirova, com 30 bilhões de euros sob gestão. 

A gestora tem um position paper em que diz ser importante rever a proibição de investimentos em defesa em situações de ataques à soberania. Sua diretriz é para que sejam identificados segmentos da indústria de defesa que atendam a “critérios éticos e de responsabilidade claros, afastando-se de armas proibidas por convenções internacionais”.

“Não é como se estivéssemos investindo em guerras estrangeiras. Estamos investindo em nossa própria defesa, para garantir que estamos seguros na Europa”, diz um gestor com atuação global, que pediu para não ser identificado. 

Armas e direitos humanos?

Energia é um setor sensível para a Europa. A crescente tensão geopolítica com a Rússia cria uma tese mais forte para o investimento em renováveis, mas agora também tem obrigado os gestores a responder se é possível conciliar princípios de responsabilidade enquanto estão expostos a companhias de armamentos que podem provocar mortes e destruir a infraestrutura de cidades. 

“Direito humano é uma das questões mais importantes a serem levadas em consideração por quem vai investir em defesa. Faz diferença ser uma empresa que faz armas para defesa do território ou uma que facilita crimes de guerra”, diz Peter Webster CEO da EIRIS Foundation, organização britânica de pesquisa e advocacy em finanças sustentáveis.

Webster acredita que é necessária a elaboração de diretrizes globais para orientar investidores que decidam alocar recursos no setor. A EIRIS Foundation tem uma concept note voltada a investidores em que propõe “princípios para o investimento responsável em defesa”.

Mas o que é defesa?

Investimentos em defesa não se restringem apenas a armamento. Empresas de tecnologia e software, por exemplo, podem ser usadas para fins letais. 

“É desafiador excluir defesa do portfólio quando se vai além das armas. A guerra na Ucrânia nos mostrou que tecnologia importa cada vez mais”, disse Suzanne Tavill, sócia e diretora de investimentos responsáveis do StepStone Group, com mais de US$ 700 bilhões sob gestão.

O argumento que se forma entre as gestoras é de que elas podem ajudar a tornar o setor de defesa e armas melhor com a devida due diligence. O problema, nesse caso, é que as empresas de tecnologia militar dizem que nem sempre podem – mesmo que queiram – ser abertas a respeito de suas pesquisas, produtos, fornecedores e clientes.

Os críticos desse movimento dizem ser uma perversão máxima da agenda. A ginástica narrativa, porém, também inclui o clima. “Muitas tecnologias que usamos para o clima hoje surgiram de pesquisa militar, como o GPS. O investimento que se faz hoje nesse setor vai fluir para o combate às mudanças climáticas”, diz Tavill.