
Eventos climáticos extremos no mundo todo causaram prejuízos de US$ 369 bilhões no último ano. Desse valor, US$ 145 bilhões estavam cobertos por seguradoras. O dado mostra um duplo papel do setor: enquanto sofre o impacto direto dos desastres, é parte indispensável da resposta. Sem seguros, a conta climática não fecha.
Esse foi o tom do evento pré-COP30 da Casa do Seguro, promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), em Brasília, que reuniu no dia 8 de outubro representantes do governo, da academia e da iniciativa privada para discutir o papel do seguro nas políticas de adaptação e no financiamento climático.
“O setor está sendo obrigado a se reinventar. A lógica baseada em dados históricos já não é suficiente diante da imprevisibilidade do clima”, afirmou Dyogo Oliveira, presidente da Confederação, na abertura do evento.
Os painéis abordaram agronegócio, infraestrutura, seguros sociais e finanças sustentáveis, mostrando como o seguro pode ser um motor de resiliência e de atração de investimentos em diferentes frentes.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, destacou a importância da presença do setor na conferência, em Belém. Iniciativa da CNseg em parceria com dez seguradoras, a Casa do Seguro será um hub de conteúdo, diálogo e articulação para posicionar o mercado segurador nas discussões do clima. “Ela será um espaço para discutir ação concreta, e não apenas compromissos”, afirmou Corrêa do Lago.
Segundo Oliveira, o objetivo é integrar seguros ao planejamento climático de diferentes setores. “O seguro precisa estar na mesa desde o início da formulação das políticas de adaptação, e não apenas no pós-desastre”, disse.
Risco, dados e inovação
Se o setor costumava olhar para o retrovisor – ao usar estatísticas do passado para calcular riscos –, as mudanças do clima estão obrigando as seguradoras a olhar para o futuro. Essa transformação passa, antes de tudo, por dados.
No agronegócio, por exemplo, a falta de informações atualizadas sobre práticas sustentáveis e produtividade limita o desenvolvimento de novos produtos. “O Brasil tem muito dado, mas falta coordenação”, afirmou Guilherme Bastos, da FGV Agro. “Não existe pesquisa periódica sobre adoção de práticas conservacionistas. E isso trava a capacidade do seguro de precificar e proteger o produtor.”
Para tentar corrigir essa lacuna, a CNseg anunciou a criação do Hub de Riscos Climáticos, que pretende reunir informações climáticas, geográficas e econômicas para apoiar tanto a precificação quanto o desenho de novas coberturas. A proposta é fazer um ponto de convergência entre seguradoras, governo e academia.
Do lado das inovações tecnológicas, Corrêa do Lago destacou o papel da inteligência artificial como aliada para lidar com a imprevisibilidade do clima. “A IA vai ser importantíssima para trabalhar com as perspectivas do que pode vir a acontecer”, disse.
A digitalização também é ponto-chave para ampliar o alcance do seguro. Para Júlia Normande Lins, diretora técnica da Susep (Superintendência de Seguros Privados), a discussão sobre inovação deve caminhar junto à adequação dos produtos à realidade dos consumidores.
“As pessoas querem seguros. O problema não é falta de conscientização, é falta de produtos adequados e de uma experiência melhor para o consumidor”, afirmou Lins.
Uma proposta é o Seguro Social de Catástrofe para atender famílias afetadas por enchentes e inundações. A iniciativa busca reduzir a dependência do Estado na reconstrução e assistência, oferecendo soluções que combinam mitigação, prevenção e cobertura de riscos, tornando o seguro um instrumento central de proteção social.
Com eventos extremos cada vez mais frequentes – foram 1.690 ocorrências severas no Brasil só em 2024 –, a capacidade do setor de antecipar perdas e reagir rapidamente é o que pode determinar sua relevância econômica nas próximas décadas.
E, como resumiu Oliveira, “sem informação, não há seguro possível; e sem seguro, não há resiliência possível”.
No campo
O Brasil já vive os impactos da mudança climática, com ondas de calor, estiagens e chuvas intensas, e o Plano Clima busca estruturar políticas de mitigação e adaptação para tornar a produção agropecuária menos vulnerável.
Nesse cenário, o Seguro Rural surge como ferramenta essencial: sem ele, afirmam representantes do setor, o produtor terá dificuldades de se manter na terra nos próximos 10 a 15 anos.
“Você imagina fazer um esforço enorme de restauração e perder tudo por um incêndio. É preciso colocar o seguro dentro desse sistema”, disse Bastos, da FGV Agro.
Além disso, especialistas destacam a necessidade de educação do produtor para que enxergue o seguro como instrumento de proteção e continuidade familiar, e não apenas como garantia de crédito.
“O produtor ainda não tem percepção da importância do seguro. Ele o vê como obrigação do crédito, não como investimento”, disse Ricardo Sassi, diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB). “Mas sem ele, é impossível o produtor se manter na terra nos próximos dez ou quinze anos.”
As Soluções Baseadas na Natureza (SBN) também ganharam atenção, especialmente na recuperação de vegetação, regulação climática e estocagem de carbono.
“É fundamental reconhecer o valor prestado pelas áreas de vegetação, não só na remoção de carbono, mas em outros serviços ambientais, e integrar isso às políticas públicas e mecanismos de financiamento, incluindo seguros”, disse Aloísio Lopes, secretário de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente.
Entre os produtos discutidos durante o evento estão o Fundo Clima e o Ecoinvest, que oferecem recursos concessionais para projetos de restauração de áreas degradadas. Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs) também foram apontados como incentivo crucial para a manutenção da cobertura vegetal.
Nas cidades
As cidades com densidade populacional elevada são mais suscetíveis a sofrer impactos graves de eventos como enchentes, ventanias e ondas de calor. Nos últimos dez anos, 94% dos municípios brasileiros declararam estado de calamidade ou emergência pelo menos uma vez.
Mas nem todas estão preparadas para lidar com eles. Muitas vezes, o Estado acaba se tornando “o grande segurador”, tendo que arcar com custos de reconstrução e assistência por meio de um orçamento limitado e com dificuldades operacionais de execução.
A proposta do setor de seguros é mitigar a dependência exclusiva do Estado nessas situações.
No debate sobre infraestrutura, o BNDES apresentou o programa Cidades Resilientes, que utiliza recursos do Fundo Clima para financiar projetos urbanos de adaptação.
“O problema muitas vezes é compartilhado: um evento em uma cidade impacta a vizinha. Por isso, precisamos olhar para soluções maiores. Temos uma boa janela de oportunidade com esse programa e esperamos em breve apresentar resultados concretos”, disse Flávio Papelbaum, head de soluções imobiliárias e regeneração urbana do banco.
O Seguro Garantia também foi apontado como peça-chave do novo ciclo de obras, especialmente após a nova Lei de Licitações permitir cláusulas de retomada, que obrigam seguradoras a concluir projetos em caso de sinistro.
“Fazer Seguro Garantia é muito mais barato e eficaz, por exemplo, do que uma fiança bancária. Precisamos avançar nesse produto para conseguir atender a todos os projetos que estão entrando e ainda entrarão no mercado”, disse Roberto Guimarães, diretor de planejamento e economia da ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
E o dinheiro?
O papo que encerrou a programação da CNseg em Brasília tratou da mobilização de capital para a transição climática – um valor de US$ 1,4 trilhão por ano até 2035 para países emergentes.
O Ministério da Fazenda apresentou o Plano de Transformação Ecológica, que visa destravar investimentos em transição energética e bioeconomia, com destaque para o Ecoinvest, programa que pode mobilizar até R$ 70 bilhões em capital privado.
A embaixadora Tatiana Rosito, secretária de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, destacou a liderança do Brasil no Círculo de Ministros das Finanças para a COP30, grupo que busca mobilizar US$ 1,3 trilhão. Entre as prioridades estão otimizar fundos climáticos, reformar bancos multilaterais para ampliar o risco assumido e fortalecer a capacidade doméstica de financiamento.
O painel também enfatizou a importância de mecanismos de risco e garantias – como blended finance e capital catalítico – para alavancar o investimento privado. O seguro, segundo especialistas, pode reduzir spreads bancários (taxa de empréstimo – taxa de captação), facilitar a securitização de carteiras e viabilizar projetos de longo prazo, como restauração e adaptação urbana.
A sinergia entre bancos, fundos e seguradoras foi outro ponto de destaque. A Febraban, a Anbima e a CNseg vêm atuando de forma coordenada em torno da Taxonomia Sustentável Brasileira, considerada essencial para dar segurança regulatória e direcionar fluxos de investimento.
Cerca de 21% do crédito corporativo já vão para setores da economia verde, segundo Amaury Oliva, diretor executivo de sustentabilidade da Febraban. “Crédito e seguro são absolutamente complementares. O seguro reduz incertezas e ajuda a baratear o custo do capital”, disse.
A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que representa uma indústria de fundos de R$ 10 trilhões, também tem atuado na autorregulação e padronização de títulos sustentáveis, promovendo jornadas de sustentabilidade e estruturas de blended finance.
“O nosso principal papel está no campo exatamente da indução do engajamento e efetivamente da canalização de todas essas tendências, de tudo isso que está acontecendo, no nosso universo”, afirmou Cacá Takahashi, diretor da associação.
Maria Neto, CEO do Instituto Clima e Sociedade (iCS), complementou o debate destacando que o seguro pode ser usado para securitizar carteiras e criar escala para a emissão de títulos. Além de facilitar investimentos de fundos e oferecer proteção de preço, por exemplo, do carbono.
“Esse tipo de conversa permite criar soluções, desenvolver novos produtos e gerar oportunidades para o setor de seguros se tornar verdadeiro destravador de investimentos. Precisamos ter esse olhar mais profundo, e é por isso que estamos aqui”, disse Neto.
Rumo a Belém
O consenso entre os participantes do evento pré-COP30 da CNseg é que o seguro precisa migrar de um modelo de reparação para um modelo ativo de prevenção e de adaptação. Ao reduzir incertezas, o seguro também diminui o custo de capital e atrai investimentos privados, um ponto central para destravar o financiamento climático.
“O seguro é a infraestrutura da transição. Ele dá previsibilidade, confiança e viabilidade aos projetos sustentáveis”, disse o presidente da CNseg. “O que não pode acontecer é o setor se acanhar dentro desse debate. Nós temos que nos colocar como um ator-chave dentro da agenda climática.”
Em Belém, a Casa do Seguro ficará instalada próxima ao espaço oficial da COP30 e promoverá, além da ampla programação de conteúdo, iniciativas de responsabilidade social, prestigiando a economia e a mão de obra locais.
O projeto é ambientalmente responsável e foi desenvolvido dentro dos conceitos de evento neutro e resíduo zero, prevendo ainda uso eficiente de água e energia.
Com o apoio de seus empoderadores – Allianz, AXA, BB Seguros, Bradesco Seguros, Caixa Seguridade, MAPFRE, Marsh McLennan, Porto, Prudential e Tokio Marine – a Casa funcionará em 1,6 mil m² de área útil, acomodando plenária com 100 lugares, seis salas de reunião, business lounges, estúdio para gravação de podcasts, sala de imprensa, espaço de convivência e área para exposições artísticas e apresentações culturais.
Alguns eixos vão pautar a agenda da Casa do Seguro, como a proteção social e dos investimentos, as finanças sustentáveis, a infraestrutura resiliente, a inteligência climática, seguros & agronegócio, a descarbonização da frota brasileira e como os seguros podem auxiliar no desenvolvimento industrial mais sustentável.