RESET CONECTA

De onde virá o financiamento para o restauro?

Recuperar os mais de 70 milhões de hectares de áreas degradadas vai custar bilhões de reais; bancos, gestoras e compradores de créditos de carbono já se movimentam

De onde virá o financiamento para o restauro?
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Reflorestar áreas desmatadas em escala é uma atividade que demandará bilhões de reais. Conforme o segmento começa a se estruturar e ganhar tração no Brasil, as fontes de financiamento também começam a se desenvolver.

O terceiro painel do Reset Conecta debateu de onde pode vir esse dinheiro e a importância do mercado de carbono.

Participaram da conversa Alexandre Muller, sócio e gestor de crédito privado da JGP, Fábio Marques, gerente de originação de fontes alternativas de cacau da Cargill, Mauro Paradella, especialista sênior em carbono do Mercado Livre na América Latina, e Luiza de Vasconcellos, head de negócios ESG do Itaú BBA. 

Estruturas de financiamento

“O track record é muito pequeno ainda nos projetos florestais. Me lembra muito o que vimos com infraestrutura há cerca de 20 anos. Então, além da estrutura de funding, há necessidade de suporte de modelagem financeira para esses projetos, de verificar a modelagem interna dos operadores florestais”, disse Alexandre Muller, sócio e gestor de crédito privado da JGP.  

Dadas as especificidades de cada bioma e de cada projeto, faltam bases comparativas. Nesse cenário, instrumentos de blended finance e de securitização, que já se encontram disponíveis, são essenciais para tirar esses projetos do papel, de acordo com o gestor. 

Dificuldade semelhante é sentida pelo Mercado Livre, que já destinou mais de R$ 115 milhões a projetos de reflorestamento no Brasil e no México. A ideia é que, quando começar a geração de créditos de carbono, eles sejam usados para compensar as emissões de gases de efeito estufa da empresa. 

“Muitos dos projetos que financiamos não geraram créditos ainda, mas buscamos experiência demonstrada na área florestal, em projetos de preservação e conservação. E mesmo assim ainda temos dificuldade de encontrar”, disse Mauro Paradella, especialista sênior de estratégia de carbono da varejista. 

Nas chamadas para selecionar as iniciativas que receberão aportes, a maturidade dos projetos é o primeiro filtro pelo qual passam os candidatos. Só depois são avaliadas questões como benefícios para a comunidade, diversidade de fauna e flora, monitoramento dessas questões e disponibilidade hídrica, segundo Paradella. 

A regulação e segurança jurídica

Ao lado de nomes de peso do setor privado, o Itaú é um dos investidores da Biomas, empresa de reflorestamento lançada na COP27, em novembro passado. Aumentar a oferta de créditos de carbono e mostrar que atividades ligadas à natureza integram a agenda de negócios foram parte da motivação para a criação da companhia, disse Luiza de Vasconcellos, head de negócios ESG do Itaú BBA.

Mas, da porta para fora, o financiamento de projetos na área ainda é carregado de incertezas. “Todo mundo pergunta: quando o banco vai colocar dinheiro [nesse setor]? Ainda há alguns passos até lá. O primeiro, que já está sendo feito, é a discussão de um marco legal para o mercado regulado de carbono que conviva em harmonia com o mercado voluntário”, afirmou Vasconcellos. 

Definições sobre natureza jurídica, tributação e autoridade competente são necessárias para que o banco analise os fatores de risco e faça a discussão interna sobre como incluir tais produtos no balanço e quais os instrumentos para mitigar os riscos associados. 

O mercado regulado vai servir como alavanca para potencializar projetos muito maiores do que os propostos atualmente, afirmou Muller, da JGP. “Vamos contar com essa receita de início. Não vamos precisar de tanto equity para pouca dívida, vamos poder mexer nas variáveis e adiantar um pouco a alavancagem que está todo mundo perseguindo nesses projetos.”

SAF no presente, carbono no futuro

Existe uma expectativa de que os projetos de reflorestamento em andamento hoje gerem créditos de carbono no futuro. Mas, por enquanto, “ainda é precoce” basear todo  sistemas agroflorestais (SAFs) na receita do carbono, disse Fábio Marques, gerente de originação de fontes alternativas de cacau da Cargill. 

Em março, a companhia deu início a uma parceria com a Belterra Agroflorestas para fortalecer a produção de cacau em SAFs no Mato Grosso. “A gente acredita muito na tese de reflorestamento via offtaking, e é nisso que estamos apostando”, afirmou Marques. Nesse modelo, parte da receita já é garantida pela compra contratual de longo prazo de insumos produzidos na agrofloresta. 

“A cadeia do cacau tem um grande potencial, em nosso entendimento, sobretudo por meio de sistemas agroflorestais, de gerar um benefício para a bioeconomia. A gente sai de uma visão do capital filantrópico puramente para um capital catalítico”, disse Gustavo Luz, diretor do Fundo Vale. “A gente entende que para dar escala a esses projetos é necessária uma soma de alternativas, do fomento até o investimento.”

Os compromissos net zero e ESG assumidos por grandes empresas sugerem que deve haver demanda por projetos de restauração e os créditos de carbono gerados por eles. “A forma que elas vão buscar fazer isso é que ainda é incerta. Se será uma composição de equity, de dívida, de investimento direto, de parceria… Acho que cada uma vai adotar a sua estratégia”, diz Vasconcellos, do Itaú BBA. 

Grande parte desses créditos deve encontrar compradores no exterior. A dimensão da área degradada no Brasil coloca o país como um dos principais exportadores do mundo. Para deslanchar esse mercado, o governo vai precisar atuar fortemente para vender esses projetos, além de investir em pesquisa e desenvolvimento de metodologias tropicalizadas e no monitoramento e acompanhamento desses projetos, afirmou a executiva. 

“A demanda por crédito de carbono vem. E se for de restauro, vai ter prêmio”, disse Muller, da JGP. “Acho que o risco maior aqui é até o pessoal pagar errado. Isto é, pagar por projetos que não vão parar de pé, que não vão ser executados, ou que não sejam efetivamente justificados, acompanhados, monitorados.”