Apesar de o Brasil ter uma das matrizes de energia mais limpas do mundo, muitos processos industriais ainda usam combustíveis fósseis. A maior parte das indústrias ainda usa óleo diesel ou gás natural para a geração de calor, por exemplo.

Representantes de quatro empresas discutiram a descarbonização da indústria no evento “Energia em Transição: Das Oportunidades na Prática Empresarial às Vantagens Competitivas no Brasil”, realizado pelo Reset nesta terça-feira (14).

Biogás e biometano produzidos a partir de resíduos e a queima de biomassa para aquecer caldeiras foram exemplos das alternativas que estão no radar das companhias para a transição para uma economia de baixo carbono.

Caroço de açaí, casca de arroz e restos do eucalipto transformado em papel e celulose são a aposta da Combio, uma empresa que substitui equipamentos industriais baseados em combustíveis fósseis por máquinas que queimam material orgânico.

Os clientes da companhia utilizam 1,2 milhão de toneladas por ano, o que evita a emissão de cerca de 700 mil toneladas de CO2 anualmente. A solução da empresa inclui o fornecimento da biomassa, uma consideração importante, diz Paulo Skaf Filho, CEO da Combio. 

“Muitas vezes a transição energética não é uma questão financeira, e sim de disponibilidade da fonte [de energia verde]”, afirmou Skaf Filho. 

Da esquerda para a direita: Vanessa Adachi, Milton Pilão, Paulo Skaf Filho, Guilherme Setubal e Ítalo de Freitas

Efeito duplo

Essas energias de baixas emissões de carbono têm uma vantagem adicional: muitas vezes elas também ajudam a resolver problemas ambientais, como o descarte dos caroços de açaí em rios.

No caso do biometano, um gás renovável idêntico ao de origem fóssil e uma pegada de carbono 90% menor, o impacto poderá ser sentido nos lixões, afirma Milton Pilão, CEO da Orizon, companhia que transforma resíduos em fontes de energia limpa. 

A Orizon gera biometano purificando o gás resultante da decomposição do material orgânico em seus aterros – ou ecoparques, como os chama a companhia. “Transformamos um passivo gerado pela população diariamente em um ativo que volta como recurso para a indústria”, disse Pilão. 

No Brasil, cerca de 40% dos resíduos gerados nas cidades vão parar em lixões – aproximadamente 30 milhões de toneladas.

Com essas montanhas de lixo – literalmente –, o país pode ao mesmo tempo avançar na solução de um problema ambiental crônico e reduzir as emissões da manufatura. Hoje, são consumidos diariamente 50 milhões de metros cúbicos de gás fóssil pelas indústrias e outros 30 milhões em usinas termelétricas. A produção nacional de biometano não chega a 1 milhão de metros cúbicos, segundo Pilão.

Na ponta do lápis

Na conversa, foi consenso que a transição energética precisa ser compatível com a competitividade industrial, especialmente em setores de margens estreitas e forte concorrência internacional. Quando a indústria encara a transição energética num contexto em que precisa melhorar seu desempenho ambiental e seus concorrentes não fazem esses investimentos, elas podem competir em desvantagem, pois terão custos mais altos.

Por outro lado, as emissões serão precificadas no Brasil – o mercado regulado está nas fases iniciais de implementação.

A Dexco, empresa de materiais de construção, controlada pelo grupo Itaúsa, inclui o carbono nas contas que fez para adquirir a Cecrisa, empresa de revestimentos cerâmicos, em 2019. A planta da companhia, em Criciúma (SC), usava carvão mineral em seus fornos. 

Eles foram convertidos para gás natural e a previsão é usar pellets de madeira no futuro. Além de reduzir as emissões em 48%, a Dexco já se antecipa às obrigações regulatórias que vêm por aí. “Já atuamos em países em que essa regulação está mais adiantada, como a Colômbia”, afirmou Guilherme Setubal, diretor de relações com investidores e ESG da empresa.

“Temos um grupo de trabalho que participa das tomadas de decisão de investimento que faz provocações de olhar na frente. A gente não consegue prever exatamente [o impacto do mercado de carbono], conseguimos colocar alguns cenários e variáveis para ajudar na tomada de decisão”, disse.

Outro caminho

A eletrificação de processos industriais, como a substituição de caldeiras a óleo pesado por caldeiras elétricas, é outro caminho percorrido pelas indústrias. Um desafio é o custo inicial e a intermitência de fontes renováveis, afirmou Ítalo de Freitas, vice-presidente executivo de comercialização e soluções em energia da Eletrobras, uma das maiores companhias que produz e transmite energia elétrica no Brasil.

“A geração solar e eólica depende de condições climáticas, o que aumenta a variabilidade e impacta o preço final da energia. Isso influencia diretamente a decisão de investir em eletrificação. A indústria precisa de estabilidade de fornecimento e de custo para seus projetos”, explica. 

Aí entram as hidrelétricas, disse Freitas. Elas “garantem energia firme e 100% renovável, disponível 24 horas por dia. A indústria precisa de estabilidade de fornecimento e de custo para seus projetos de eletrificação”, disse.