
Fenômenos climáticos, ainda que muito presentes em nosso cotidiano, são frequentemente mal compreendidos, mesmo diante da vasta produção científica disponível. A complexidade envolvida em sua mensuração, seja pela escassez de dados ou pela multiplicidade de variáveis, muitas vezes afasta o tema das discussões estratégicas, das análises de risco financeiro e dos processos de tomada de decisão.
A relevância e a magnitude dos impactos climáticos costumam ganhar visibilidade apenas diante de tragédias, como as recentemente ocorridas no Rio Grande do Sul e no Condado de Kerr, no Texas, entre inúmeros outros eventos que estampam os noticiários globais.
Contudo, nem todos os eventos climáticos precisam resultar em fatalidades para causar prejuízos significativos. Mesmo alterações aparentemente modestas, como chuvas intensas ou ventos fortes em regiões urbanas e industriais, podem provocar paralisações em cadeias produtivas e prejuízos econômicos substanciais.
Episódios como os danos à rede elétrica na cidade de São Paulo e as interrupções em importante unidade fabril em Porto Feliz (SP) evidenciam os riscos físicos associados ao clima e suas consequências diretas sobre a atividade econômica.
Riscos físicos e riscos de transição
Para compreender melhor esses riscos, é importante distinguir os chamados riscos físicos – impactos resultantes de alterações graduais no clima ou de eventos extremos – dos riscos de transição. Embora este texto não se proponha a realizar uma análise de causalidade detalhada para cada evento climático, é fundamental reconhecer a relação estrutural entre essas ocorrências e o acúmulo de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.
Ainda que não seja possível vincular diretamente uma tonelada de CO₂ a milímetros de chuva em determinada região, os efeitos agregados das emissões alteram componentes essenciais do ecossistema global, como temperatura, precipitação e padrões de vento.
Já os riscos de transição decorrem da ausência de preparo para implementar a mitigação das emissões de GEE. A transição para uma economia de baixo carbono, com sistemas produtivos menos dependentes de combustíveis fósseis e emissores de GEE, é a única solução reconhecida pela ciência para mitigar os efeitos das mudanças do clima.
Quanto maior o volume de emissões, mais intenso o desequilíbrio dos sistemas naturais da Terra, gerando impactos cada vez mais desconhecidos e potencialmente destrutivos. Portanto, a transição não é uma escolha opcional, mas uma necessidade urgente.
O risco está justamente em não planejar essa transição. Com metas claras, compromissos ambiciosos e ações coordenadas, é possível mitigar seus efeitos adversos e alcançar benefícios ambientais, sociais e econômicos. A mitigação das mudanças do clima só será efetiva se envolver medidas concretas, contínuas e de início breve. É importante destacar que a redução dos riscos físicos não será alcançada sem uma transição profunda na economia global.
O agravamento dos riscos climáticos físicos é uma consequência direta da manutenção de modelos produtivos baseados em emissões elevadas de GEE. A persistência desse padrão amplia os danos ao ecossistema terrestre de forma cumulativa e intensifica a volatilidade de sistemas já naturalmente instáveis.
A imprevisibilidade climática – apesar dos avanços técnicos em sua medição – é elevada, e sua combinação com níveis crescentes de emissões gera cenários inéditos e potencialmente devastadores, semelhantes aos chamados “cisnes negros” da história recente.
O que fazer?
Diante disso, quantificar com precisão os impactos climáticos torna-se uma tarefa desafiadora, não apenas pelas incertezas inerentes, mas também pela complexidade das cadeias de valor afetadas e pela falta de dados consolidados.
Ainda assim, é possível identificar tendências, antecipar riscos e promover inovações que contribuam para maior resiliência. O agravamento dos riscos físicos já está em curso e torna cada vez mais urgente o debate sobre adaptação, uma etapa inadiável diante das transformações em andamento e que tendem a se intensificar.
Boas práticas de gestão de riscos envolvem medidas preventivas capazes de preservar o crescimento econômico e a estabilidade dos mercados. Entre as ações mais relevantes está o investimento em profissionais capacitados e em soluções tecnológicas voltadas à identificação dos impactos do clima sobre os negócios e suas cadeias de valor. Ainda que os modelos disponíveis sejam imperfeitos, os aprendizados gerados por esse esforço são valiosos.
Outra medida importante é a construção e o monitoramento de indicadores climáticos, que permitam acompanhar o desempenho de fatores críticos relacionados às mudanças do clima. Embora não seja possível abranger todas as variáveis, é essencial focar nos elementos mais sensíveis e nas conexões diretas ou indiretas com os riscos físicos e de transição. A partir desses indicadores, torna-se possível atualizar planos e estratégias empresariais, adaptando-os a uma realidade dinâmica em que o passado já não serve como referência segura para o futuro.
Por isso, é essencial intensificar os esforços de conscientização, fomentar a mobilização institucional, direcionar recursos com maior eficiência e acelerar os investimentos em soluções sustentáveis. O Brasil, com sua vasta biodiversidade, matriz energética limpa e potencial produtivo, possui condições naturais para se tornar protagonista global na agenda da transição climática. Mas, para além do potencial, é preciso agir com urgência.
A adaptação às mudanças já em curso e a mitigação de impactos futuros não podem mais ser adiadas. O agravamento dos riscos físicos é uma realidade presente e sua intensidade será cada vez mais perceptível. A grande questão é se conseguiremos promover uma transição eficaz e rápida o suficiente para evitar que o sistema econômico colapse em decorrência de um estágio irreversível das mudanças do clima.
*Julio Carepa é head de riscos sociais, ambientais e climáticos do Bradesco