OPINIÃO

Regulador propõe inovações de ESG em investimentos de fundos de pensão

Previc abriu consulta pública até 6 de novembro com proposta de normas mais ambiciosas

Regulador propõe inovações de ESG em investimentos de fundos de pensão

O ente regulador das entidades fechadas de previdência complementar (mais conhecidas como fundos de pensão) publicou recentemente uma consulta pública que trata da revisão de uma das normas estruturantes da regulação dessas entidades. Entre as mudanças estão inovações relativas à temática ESG – ambiental, social e de governança –, que trataram o tema de forma bem mais ambiciosa do que em normas anteriores (a primeira norma sobre a matéria dirigida ao setor era de 2009).

Em primeiro lugar, destaca-se a “recomendação” para que as maiores entidades (enquadradas nos segmentos S1 e S2), que contam com maior estrutura e ativos sob gestão, adotem programa de integridade, que são iniciativas para prevenir e combater a improbidade ou corrupção. Na mesma linha, recomenda-se que tais entidades adotem programa que promova a diversidade, equidade e inclusão na sua estrutura de governança e na sua política de pessoal.

Outra novidade super importante é a previsão de regras (que vale para entidades de qualquer porte) para o investimento em Fiagros, que são fundos de investimentos compostos por ações ou quotas de empresas que integram a cadeia do agronegócio e/ou por imóveis rurais. Para investir nesses fundos, a proposta de norma estabelece que as entidades devem analisar, entre diversos outros pontos, “as características e riscos específicos dos ativos-alvo, incluindo aspectos fundiários, ambientais, climáticos e de mercado que possam afetar tais ativos.”

Last but not least, a minuta de norma traz toda uma subseção abordando riscos e impactos ambientais, sociais e de governança (também válida para todas as entidades). Primeiramente, na linha do que já foi feito em regulações do Banco Central e da Susep (que regula o setor de seguros e de previdência complementar aberta), são apresentados conceitos do que se entende por aspectos sociais, ambientais (que incluem os climáticos) e de governança (esses últimos não abrangidos nas demais regulações referidas, mas que aqui são definidos como abrangendo o tema da integridade e das estruturas de governança que garantam transparência e evitem conflitos de interesse).

Em seguida, determina-se que os fundos de pensão analisem a relevância da sustentabilidade ambiental, social e econômica em seus ativos, adotando – ressalte-se – o conceito de dupla materialidade, ou seja, relevância financeira e também relevância dos impactos positivos ou negativos que os investimentos possam gerar no meio ambiente e na sociedade. Nesse tema, a visão da Previc é absolutamente inovadora no cenário da regulação financeira nacional e merece imenso aplauso. 

Também se determina que essa análise deverá fazer uso de indicadores e métricas setoriais (o que é muito relevante, pois os riscos e impactos variam muito conforme o setor econômico), notas de riscos temáticos ou ratings especializados – busca-se garantir a objetividade e consistência dos critérios utilizados na análise. 

Seria importante que tivesse sido feita referência também à questão da localização das atividades econômicas receptoras de investimentos, que é tão relevante quanto o setor para definir a magnitude dos riscos ambientais (inclusive climáticos) e de boa parte dos riscos sociais (impactos na comunidade do entorno). 

Por fim, existe uma referência essencial à necessidade de considerar os objetivos de longo prazo dos planos de benefícios – horizonte temporal que casa perfeitamente com o conceito de sustentabilidade.

Também na linha de seguir os bons exemplos de outros reguladores financeiros, dispõe-se que a gestão dos riscos relacionados à sustentabilidade deve abranger sua identificação, avaliação, controle e monitoramento. Faltou a previsão da mitigação e classificação dos riscos, mas é pra isso mesmo que serve uma consulta pública – para que possamos sugerir aprimoramentos.

Por último, a minuta traz exigências de transparência sobre os impactos ESG da carteira de investimentos, abrangendo: a) estratégias de gestão de riscos e oportunidades nos horizontes de curto, médio e longo prazos; b) desempenho da entidade com relação aos riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade, incluindo seu progresso em relação a metas definidas por ela ou por normas regulatórias; c) informações necessárias para a compreensão dos impactos dessa natureza; d) riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que possam afetar a entidade; e) alinhamento de investimentos à Taxonomia Sustentável brasileira. 

As previsões são excelentes, mas poderiam ser ainda mais ambiciosas, incluindo, por exemplo, divulgação da composição setorial e da localização das atividades investidas e classificação do nível de risco ESG das empresas, considerando tanto o cumprimento da legislação socioambiental e de governança, quanto o seu desempenho à luz de indicadores-chave do setor de atuação respectivo.

Ainda, considerando que grande parte dos ativos dessas entidades costuma ser administrada por gestoras de ativos, seria importante mencionar a necessidade de incluir fatores ESG na seleção e remuneração de tais gestoras (inclusive o tema da seleção de prestadores de serviços é tratado pela minuta de norma).

De fato, a integração de fatores ESG na gestão de investimentos, que vários estudos demonstram ter impacto positivo na rentabilidade, é um caminho sem volta – tão desafiante quanto fascinante.

*Luciane Moessa, fundadora e diretora executiva e técnica da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS)