
As metas do Acordo de Paris estão por um fio. A produção de combustíveis fósseis esperada em 2030 é 120% maior do que seria compatível com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação com o período pré-industrial. O volume ainda seria 77% maior quando se leva em conta um aumento de temperatura de 2°C.
Essa é a principal conclusão do Production Gap Report, que faz uma análise da produção planejada de combustíveis fósseis de 20 países responsáveis por 80% da oferta global, entre eles o Brasil.
A lacuna entre os volumes projetados com o que seria compatível com as metas de Paris aumentou desde a última avaliação, realizada em 2023. Para que os compromissos acordados sejam atingidos, o mundo vai precisar de reduções muito mais rápidas e acentuadas.
“Muitos países parecem presos a uma cartilha dependente de combustíveis fósseis, planejando ainda mais produção do que há dois anos”, afirma Derik Broekhoff, autor principal do estudo e diretor de políticas climáticas do Stockholm Environment Institute (SEI), que preparou o levantamento junto com duas outras instituições.
Ambiguidade brasileira
O Brasil adota uma postura “ambígua” em relação a seus compromissos, segundo os autores. Em seu mais recente plano de descarbonização (NDC) entregue à ONU, o país promete uma redução de emissões entre 59% e 67% até 2035, em comparação com o ano base de 2005.
O cumprimento desse objetivo depende essencialmente do controle do desmatamento e da adoção de novas práticas agrícolas: dois terços das emissões brasileiras vêm da devastação de vegetação nativa e da agropecuária.
No entanto, o país planeja elevar a produção de combustíveis fósseis: a de petróleo deve crescer 56% entre 2023 e 2030 e a de gás natural deve mais que dobrar, com uma alta de 118% até 2034.
Notícias recentes ilustram os sinais ambíguos apontados pelo estudo: a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas já teve 19 áreas arrematadas, com leilões programados para outros 47 blocos.
No final de agosto, o governo federal anunciou leilões para a compra de energia para suprir a demanda nos horários de pico, com foco em fontes como gás natural e carvão. A escolha do carvão surpreendeu o setor, já que é o gerador de energia mais poluente.
O relatório destaca como positivos os anúncios da Política Nacional de Transição Energética e do Programa de Aceleração da Transição Energética, além do compromisso expresso peranta a ONU de reduzir emissões entre 59% e 67% até 2035.
Na contramão
O mundo segue caminhando no sentido contrário da decisão adotada na COP28, em Dubai, que estabeleceu a necessidade de uma transição que se afaste dos fósseis.
Somente seis países estão alinhando sua produção doméstica de combustíveis fósseis às metas de emissões líquidas zero, um avanço em relação aos quatro países do relatório anterior.
A maioria dos governos continua expandindo a infraestrutura de combustíveis fósseis com recursos públicos e subsídios. São empreendimentos que, futuramente, vão se tornar “ativos encalhados”, diz o estudo.
Dos 20 países analisados, 17 ainda planejam aumentar a produção de pelo menos um tipo de combustível fóssil até 2030.
Para que o mundo entre numa rota compatível com o consenso obtido em Paris, há dez anos, serão necessárias mudanças profundas, afirmam os autores.
Os quase 200 países que fazem parte do Acordo de Paris têm de entregar até o fim deste mês suas novas NDCs, ou seja, seus planos nacionais de descarbonização, com compromissos até 2035. Um dos objetivos da COP30 é analisar o agregado das NDCs.s
“Eles precisam se comprometer com a reversão da produção de combustíveis fósseis, integrar explicitamente planos para reduzir a produção com os esforços mais abrangentes de transição e redobrar a cooperação para uma transição justa”, afirma o documento.
O estudo analisou os seguintes países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Brasil, Canadá, Cazaquistão, China, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Kuwait, México, Nigéria, Noruega, Qatar, Reino Unido e Rússia.