
Um grupo de elementos químicos saiu da tabela periódica para o centro da política internacional. São os lantanídeos, mais o escândio e o ítrio, que permitiram a existência da vida moderna e agora se tornaram insumos-chave da transição energética.
Eles estão presentes em smartphones, computadores, turbinas eólicas, painéis solares, veículos elétricos e até no tratamento de câncer. Praticamente todas as grandes inovações tecnológicas das últimas décadas precisam desses componentes.
A busca por energia limpa, a digitalização e o avanço da inteligência artificial aumentam a necessidade de extrair mais desses metais. A demanda deve crescer 1.500% até 2050, segundo a Unctad, agência da ONU. É muito além do que a produção global consegue entregar hoje.
É por isso que potências como Estados Unidos, União Europeia e Japão buscam reduzir a dependência da China, que concentra mais de 40% das reservas mundiais e domina o refino desses minerais.
Afinal, o que são terras raras?
São metais prateados, moles e altamente reativos, conhecidos por propriedades como magnetismo, luminescência e resistência ao calor.
Eles se dividem em três grupos:
- Leves: lantânio, cério, praseodímio e neodímio
- Médias: samário, európio, gadolínio e promécio
- Pesadas: térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, além do escândio e do ítrio.
Os elementos pesados são os mais valiosos porque permitem fabricar ímãs de alto desempenho.
Eles possibilitaram que produtos eletrônicos como celulares, tablets e notebooks ficassem cada vez mais finos e leves.
Para que servem?
São insumos para diversos produtos, de tecnologias do dia a dia a armas de destruição.
Tecnologia de consumo: Telas de celulares e computadores e lentes de câmeras usam ítrio e európio. Os ímãs permanentes, ou superímas, feitos de neodímio são necessários para os discos rígidos, que estão deixando de ser usados em PCs mas ainda são essenciais para armazenar dados em data centers.
Energia limpa: Neodímio e disprósio são usados nos geradores das turbinas eólicas, justamente por serem leves e eficientes. Também estão nos motores dos carros elétricos e híbridos; as baterias levam lantânio. Já o cério é utilizado na produção de painéis solares, que traz mais eficiência e durabilidade.
Defesa e segurança: As tecnologias militares também dependem de terras raras. Mísseis, radares, sonares, bombas, satélites, drones, equipamentos de comunicação e tecnologia de visão noturna, utilizam vários elementos. Os principais são: disprósio, samário, gadolínio, neodímio e érbio.
Medicina: Elas estão presentes nos ímãs dos equipamentos de ressonância magnética. O gadolínio é usado como agente de contraste para gerar imagens do corpo. O érbio compõe lasers médicos usados em cirurgias dermatológicas e odontológicas. O lantânio pode atuar como ligante de fosfato no tratamento de pacientes com doença renal crônica.
Vidro: O óxido de cério é o composto mais eficaz e amplamente utilizado para polir lentes de precisão e telas de vidro.
Refino de petróleo: Catalisadores com terras raras, como o cério, ajudam a quebrar as longas cadeias de hidrocarbonetos para produzir gasolina.
As terras raras são raras?
Não. As terras raras são abundantes na crosta terrestre. Mas a extração, refino e processamento são complexos, com alto custo e potenciais riscos ambientais.
Apenas um desses elementos não é encontrado na natureza: o promécio, que depende da engenharia nuclear. Por ser radioativo e difícil de obter, tem poucas aplicações comerciais, é utilizado em baterias nucleares e fontes de raios-X portáteis.
Os outros 16 elementos são encontrados como parte de minerais (bastnäsita e monazita), e não como elementos puros e isolados. O nome “terras raras” é histórico e se refere ao fato de que, na época de sua descoberta, esses minerais eram considerados “raros”.
Terras raras não existem na sua forma metálica na superfície da terra por muito tempo. Elas tipicamente estão presentes na forma de óxidos, o que exige um processo de “purificação”. Existem dois tipos de depósitos:
Rocha dura: As rochas concentram as terras raras dentro de sua estrutura. Extraí-las envolve mineração tradicional (detonação e escavação), moagem e aplicação de processos químicos para separar o mineral. Esse processo exige muito capital, energia, tecnologia avançada e gera resíduos tóxicos.
Argila iônica: Nesses depósitos, a ação da chuva e do evento “apodrecem” as rochas, o que significa que a extração tem menos etapas. Basta lavar a argila com uma solução de sal comum (cloreto de amônio, por exemplo). Esse processo é considerado mais limpo e menos poluente.
O Brasil concentra parte de sua reserva em depósitos de argila. A Serra Verde, a única mina de terras raras em atividade, encontrou essas formações em Goiás. Depois dela, outras empresas começaram a pesquisar mais áreas com potencial para extrair os elementos.
Argilas iônicas são as principais fontes de terras raras pesadas, como o disprósio, o térbio e o európio. Esses elementos são cobiçados para a fabricação de ímãs de alta performance e têm um valor de mercado maior.
Por muito tempo, a China investiu nesse tipo de exploração, especialmente na região sul do país. Isso explica, em parte, as razões pelas quais o país conquistou o monopólio do fornecimento de terras raras pesadas.
Já os EUA não têm depósitos com todos os elementos pesados, o que aumenta sua dependência do país asiático. Países com reservas de terras raras pesadas (como o Brasil), mesmo em volumes menores, podem ser competitivos no mercado global.
A China detém a maior reserva do mundo, com 44 milhões de toneladas de óxido de terras raras (OTR) – cerca de 40% do total mundial. O Brasil vem em segundo lugar, com aproximadamente 21 milhões de toneladas de OTR, segundo o Serviço Geológico dos EUA.
Outros países com reservas significativas são: Rússia, Vietnã, Índia, Austrália, Estados Unidos e Groenlândia.
O custo ambiental
Embora terras raras sejam insumos para a transição energética, a extração e o refino desses elementos trazem riscos ambientais, como contaminação do solo, da água e do ar. A mineração tradicional (em rocha dura) é mais invasiva, degrada o solo e ameaça a biodiversidade do local – além de gerar rejeitos que precisam ser manejados adequadamente.
As etapas de separação e purificação são as mais críticas: como os elementos têm propriedades muito semelhantes, é difícil isolar cada um. O processo demanda muita energia, altas temperaturas e reações químicas agressivas, com pH elevado.
Além disso, o uso de grandes volumes de água e ácidos tóxicos, como sulfúrico, nítrico e clorídrico, gera rejeitos líquidos e sólidos que precisam de um controle rigoroso para não contaminar solo, rios e aquíferos.
É justamente nessa etapa que empresas ocidentais enfrentam os maiores obstáculos.
O domínio da China sobre as terras raras se explica, em parte, por regulamentações ambientais mais brandas. Entre 2020 e 2023, o país respondeu por 70% das importações americanas de compostos e metais, segundo o Serviço Geológico dos EUA.
A produção em grande escala, no entanto, tem alto custo ambiental. Regiões mineradoras acumulam áreas contaminadas e rios poluídos após décadas de extração e refino. Em Baotou, cidade de mais de dois milhões de habitantes e um dos principais polos de produção, um lago artificial de rejeitos tóxicos ficou conhecido como “inferno na terra”.
Além da contaminação, a atividade consome grandes volumes de água e energia. A falta de infraestrutura e de gestão de resíduos intensifica os impactos sobre as comunidades locais.