CLIMA

Al Gore: "Estamos muito perto de uma virada na crise climática"

Em entrevista exclusiva ao podcast Las Niñas, ex-vice-presidente americano se diz otimista e defende que o mundo já tem tecnologias "totalmente maduras" para a transição

Al Gore: "Estamos muito perto de uma virada na crise climática"

Poucas figuras têm tanta influência na luta climática global quanto Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ganhador do Prêmio Nobel da Paz (2007). Conhecido pelo documentário Uma Verdade Inconveniente e por liderar mobilizações do Climate Reality Project, ele transformou ciência em narrativa política e ação.

Natalie Unterstell e Caroline Prolo, colunistas do Reset, o entrevistaram para o Las Niñas, podcast que mantêm sobre emergência climática. No papo, Al Gore, 77 anos, conta como enxerga o futuro, a transição e o que significa resistir quando muitos já falam em desistir. 

Leia a seguir trechos da conversa, que pode ser vista na íntegra pelo Youtube e pelo Spotify.

Caroline Prolo: Senhor Gore, os números atuais não mentem. A transição está acontecendo, e talvez até mais rápido do que podemos entender. Se acelerarmos a partir daqui, como será o futuro? O que acontecerá se realmente fizermos a coisa certa?

Bem, estou otimista de que conseguiremos. A transição está definitivamente acontecendo, e mais rápido do que muitas pessoas achavam que fosse possível. Mas ainda não rápido o bastante, porque estamos em risco de cruzar certos pontos de inflexão negativos que poderiam tornar a situação pior do que esperávamos. Sou otimista, mas meu otimismo é baseado na suposição de que as pessoas vão continuar a aumentar seu entusiasmo e determinação, em todo o mundo. 

Assim acredito que estamos próximos de um ponto de inflexão positivo. E esse progresso dramático que você mencionou é um sinal claro disso. 93% de toda a nova geração de eletricidade no ano passado foi renovável. Os veículos elétricos estão realmente pegando. E, em alguns países, estão substituindo completamente os motores de combustão interna. E poderia citar outros exemplos. Mas quero garantir que possamos avançar ainda mais rápido, porque as emissões ainda estão aumentando e precisamos reduzir essa curva.

Natalie Unterstell: No Brasil, e acho que em todo o mundo, adaptação já é uma urgência. Vemos o que aconteceu na Amazônia, no Rio Grande do Sul e em outros lugares, o que torna a adaptação inseparável da transição, certo? Porém, ainda há quem, especialmente pessoas com interesses ligados aos combustíveis fósseis, defende que não devemos mitigar, mas apenas adaptar, o que não faz sentido. Como elevar a adaptação globalmente à prioridade sem que pareça rendição? 

Quando comecei essa luta, há 50 anos, achava que qualquer tempo e energia gastos em adaptação desviariam o foco do que deveria ser a prioridade máxima, que era reduzir as emissões, mitigar e evitar que a crise piorasse. Com tanto dano já feito, hoje temos uma obrigação moral de ajudar as pessoas a se adaptarem às mudanças com que terão que conviver. 

Ainda assim, há um grande perigo, especialmente agora, de dar a qualquer pessoa a impressão de que podemos eliminar todos os nossos esforços de mitigação, porque eles às vezes são difíceis, e focar exclusivamente na adaptação. Acho complicado transmitir essa mensagem. Mas você pode caminhar e mascar chiclete ao mesmo tempo. E em muitos casos mitigação e adaptação realmente caminham juntas. Para mim, a prioridade principal deve continuar sendo a mitigação, mas apoio fortemente as medidas de adaptação que forem necessárias atualmente.

Caroline Prolo: Muitos dizem que já é tarde demais para o 1,5°C. Como restabelecer a fé na cooperação global? 

Não acho que a meta de 1,5°C esteja morta. É verdade que já ultrapassamos esse limite por períodos, inclusive quase todo o ano de 2024. Mas os cientistas medem esse limite não com base em um ano ou dois, e sim ao longo de um período de dez anos. É possível acelerar a transição e impedir que as temperaturas continuem a subir. Se nos mantivermos dentro do net zero por 30 anos ou mais, cerca de metade do CO₂ emitido pelo homem voltará a sair da atmosfera. 

Acho importante focar no que os cientistas dizem ser o limite. Eu me apóio nisso, e é a coisa responsável a se fazer. Mas para garantir que não ultrapassemos essa meta de forma definitiva é preciso acelerar a redução das emissões. As tecnologias que nos permitem fazer essa transição estão totalmente maduras. Há modelos de implementação comprovados. Precisamos continuar avançando e redobrando nossos esforços.

Natalie Unterstell: Como o senhor mantém sua determinação? E o que diria àqueles prontos para desistir?

Bem, eu diria para não fazerem isso. Eu tenho trabalhado nisso há muito tempo e vi mudanças positivas drásticas. Sei que podemos fazer isso. Havia um economista no século 20, nos Estados Unidos, chamado Rudy Dornbush. Uma “lei” econômica nomeada em sua homenagem diz que as coisas levam mais tempo do que você pensa que levarão, mas acontecem mais rápido do que você imagina que poderiam. Vejo isso acontecer na tecnologia, nos movimentos políticos. E continuo mantendo a esperança de que estamos muito próximos do ponto de inflexão onde as coisas começarão a acontecer de forma positiva mais rápido do que pensávamos ser possível.

Natalie Unterstell: O que o senhor gostaria de ver saindo da COP30 no Brasil?

Eu estou muito entusiasmado com a estrutura inovadora que Marina Silva apresentou, o Global Ethical Stocktake. Na história, o que sabemos ser certo e a diferença entre certo e errado às vezes estão em desacordo com as leis e políticas vigentes. E é quando esses grandes movimentos morais realmente ganham força. 

Se você olhar para trás, para grandes movimentos como a campanha para acabar com a escravidão, garantir o direito de voto às mulheres, a igualdade e liberdade para comunidades LGBTQIAP+, todos esses desafios pareceram impossíveis muitas vezes. E mesmo que alguns dos defensores mais ferrenhos estivessem vulneráveis ao desespero enquanto continuavam lutando, assim que a questão central foi revelada como uma escolha entre o certo e o errado, o resultado tornou-se inevitável, devido à nossa essência humana. 

Acredito que estamos muito próximos desse ponto em relação à crise climática. É importante lembrar que os cientistas previram com precisão, décadas atrás, as catástrofes climáticas que agora acontecem regularmente, o que deve nos fazer prestar mais atenção ao que eles nos alertam sobre o que pode acontecer se não agirmos. 

Somos seres complexos. E as pessoas são vulneráveis à ganância, à visão de curto prazo e a tudo mais. Sabemos disso. Mas também temos a capacidade de transcender essas limitações. E, quando temos uma visão muito clara de uma escolha dura entre um caminho certo difícil e um caminho fácil errado, temos a capacidade de escolher o certo, de persegui-lo e de sermos dedicados e destemidos para realmente alcançá-lo. Essa é a minha meta. E vejo pessoas todos os dias que compartilham desse objetivo e dessa convicção.