
Veja o resumo da noticia
- Emissão de títulos sustentáveis cai 65% no Brasil (US$ 3,3 bi) e 25% globalmente (US$ 440 bi) no 1º semestre de 2025.
- Instabilidade geopolítica e incertezas macroeconômicas resultam em cautela em investimentos sustentáveis.
- Ausência de emissão soberana do Tesouro Nacional contribuiu para a queda no Brasil.
- Custo de capital elevado (juros de 15% a.a. no Brasil) e desafios na precificação de risco influenciam mercado de dívida ESG.
- Apesar da queda em títulos rotulados, financiamento para descarbonização flui por outros mecanismos (Eco Invest, blended finance).
Um efeito em cascata atingiu o mercado de dívida sustentável no primeiro semestre. A instabilidade geopolítica mundial aliada a incertezas macroeconômicas brasileiras tornaram as decisões sobre gastos de capital (capex) em geral mais cautelosas – e os investimentos atrelados à sustentabilidade entram nessa conta.
As emissões de títulos rotulados no Brasil somaram US$ 3,3 bilhões no primeiro semestre de 2025, uma queda significativa em comparação aos US$ 9,5 bilhões registrados no mesmo período do ano passado, segundo dados da Sustainable Fitch (braço de sustentabilidade da Fitch Ratings) e da EF Data.
O tombo de 65% foi maior do que a queda das emissões globais, de 25%. Na primeira metade do ano, o volume emitido foi de US$ 440 bilhões, o que representou 10% da dívida total global no período.
“A gente vê um cenário de capex mais incerto. Os bonds de uso de recursos, que são os green, social e sustainable bonds, demandam um investimento de capital maior”, diz Paula Carvalho, diretora na Sustainable Fitch. “A instabilidade política e questões macroeconômicas se refletem nessa queda, não só na América Latina, mas globalmente.”
No caso do Brasil, também contou a ausência de uma emissão soberana. No primeiro semestre de 2024, o Tesouro Nacional emitiu US$ 2 bilhões em títulos sustentáveis, aqueles em que os recursos são carimbados para projetos com benefícios ambientais e sociais.
Neste ano, a expectativa é que ela aconteça no segundo semestre. “O Tesouro lançou recentemente o relatório de pré-alocação de recursos e indicou que está esperando uma janela de oportunidade para colocar essa operação no mercado”, diz Leonardo Gava, gerente-sênior de transição agrícola da Climate Bonds Initiative (CBI), organização britânica referência em dívidas sustentáveis, que certifica e reúne dados desse mercado.
Custo
“A gente vive momentos cíclicos e cada país têm sua questão. Em alguns lugares há uma desaceleração da agenda ESG, em outros há pressão inflacionária ou de custo de capital muito grande”, observa Gava. Segundo ele, no Brasil pesam a influência das emissões soberanas e o custo de capital – a taxa básica de juros atualmente está em 15% ao ano. “Não vejo essa agenda [de sustentabilidade] desacelerando aqui.”
A Climate Bonds Initiative ainda não tem os números referentes ao primeiro semestre fechados (a organização tem uma metodologia própria para classificar títulos rotulados). Dados preliminares indicam que o montante de dívida emitido na primeira metade de 2025 corresponde a 52% do valor total emitido no ano passado. “Esperamos que as emissões acelerem no segundo semestre”, diz Gava.
Com o custo de capital mais alto, o preço tem pesado sobre os rotulados. “No Brasil, a gente viveu um momento de boom das dívidas ESG, talvez com uma expectativa de benefício de preço pelo lado das companhias, ou algum benefício maior, que não veio”, diz o executivo de um banco de investimento, que pediu para não ser identificado.
Segundo ele, o desafio do mercado financeiro é que ele ainda não conseguiu traduzir práticas sustentáveis na precificação de risco. “Empresas com boas práticas de sustentabilidade têm também boas práticas de corrupção, de governança, e isso implicaria um menor risco de crédito.”
Menos dinheiro?
As fontes ouvidas pelo Reset foram unânimes em dizer que a menor emissão de dívida sustentável não significa menos dinheiro para financiar a transição. Mas sim que o financiamento estaria fluindo também por outros mecanismos. “Não rotular uma operação não significa não financiar projetos de descarbonização”, afirma o executivo do banco de investimento.
A demanda por ativos sustentáveis não desapareceu, segundo a Fitch. Em relatório, a agência cita uma pesquisa de janeiro de 2025 apontando que investidores institucionais querem aumentar sua exposição a títulos verdes da América Latina.
No entanto, barreiras sistêmicas como a falta de padronização de relatórios, instabilidade política e preocupações com a transparência do emissor continuam a dificultar uma participação mais ampla no mercado.
A Fitch avalia que o alinhamento com os padrões ISSB (International Sustainability Standards Board) indica uma mudança para maior transparência. Brasil e Chile exigirão relatórios IFRS S1 e S2 de empresas abertas a partir de 2027.
“Investidores institucionais estão sintonizados com a agenda das vulnerabilidades climáticas, com a agenda de transição que temos no Brasil. E isso não se desenvolve apenas via títulos verdes e sustentáveis”, diz Déborah Siqueira, diretora associada na Fitch Ratings.
Segundo ela, o financiamento acontece por meio de instrumentos inovadores como bonds da Amazônia, blue bonds (de preservação de recursos hídricos) e blended finance. Ainda não foi registrada nenhuma dívida com recursos carimbados para Amazônia, mas há uma expectativa que o guia com guidelines lançado ano passado pelo Banco Mundial incentive esse segmento.
Outra via de financiamento amplamente citada é o Eco Invest, programa do governo federal para atrair capital estrangeiro para projetos verdes no Brasil. Em uma de suas frentes, oferece recursos no modelo de blended finance, em que o capital catalítico (subsidiado) entra para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala.
São operações que destinam recursos para a transição, mas não entram nas estatísticas de dívida sustentável rotulada.
Ventos contrários
No contexto global, as incertezas regulatórias também pesaram sobre os volumes de emissões.
Na União Europeia, o ambiente regulatório passa por uma recalibragem, com adiamento e propostas de simplificação das regras de sustentabilidade, entre elas a CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) e a CSDDD (Corporate Sustainability Due Diligence Directive). As duas siglas são conhecidas no Brasil pelo impacto que terão nos negócios de diversas empresas, seja de maneira indireta, com a pressão de compradores europeus por documentos e informações, seja diretamente, com obrigações a serem cumpridas pelas companhias brasileiras.
Nos Estados Unidos, a Regra Federal Climática foi oficialmente desmantelada. Em março, a SEC (regulador do mercado de capitais) votou uma ação que, na prática, encerrou a perspectiva de divulgação financeira relacionada ao clima exigida pelo governo federal. No entanto, alguns Estados estão avançando com requisitos de divulgação obrigatórios, casos de Illinois, Nova Jersey e Nova York.
As avaliações da Sustainable Fitch apontam que há uma ligação entre a participação ativa no mercado de títulos rotulados e um maior grau de compromisso com as metas climáticas.
A maioria das empresas da amostra da agência manteve (58%) ou aumentou (30%) seus compromissos de net zero, enquanto 13% reduziram, predominantemente nos setores bancário e de petróleo e gás.
A amostra da Fitch cobriu cerca de 4.700 títulos rotulados, totalizando US$ 1,4 trilhão. Uma amostra de 40 grandes corporações e instituições financeiras em nove setores foi isolada para avaliação sobre os compromissos climáticos do setor privado. Estas empresas representam uma “parcela significativa” da emissão global de títulos e geram perto de US$ 5 trilhões em receitas anuais.