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Crise da hospedagem na COP30 também afasta empresas

Empresas do Brasil e do exterior estão revendo planos de estar em Belém por causa dos altos preços da acomodação

Crise da hospedagem na COP30 também afasta empresas

Ativistas e representantes de ONGs têm afirmado que os preços da hospedagem em Belém podem resultar em uma COP30 “capturada” pela iniciativa privada, já que somente empresas teriam condições de arcar com os custos de participar da conferência.

Mas essa impressão não corresponde bem à realidade. Os altos valores das diárias e as opções disponíveis têm levado muitas companhias brasileiras e estrangeiras a desistir de acompanhar a conferência in loco ou a reduzir o número de representantes enviados.

O Reset ouviu relatos nesse sentido de mais de uma dezena de pessoas. Elas pediram que os nomes de suas empresas não fossem divulgados para evitar possíveis repercussões negativas, e algumas ainda buscam opções de acomodação.

Um escritório de advocacia que tem estreita cooperação com uma banca europeia afirmou que os parceiros do exterior ainda não decidiram se vêm.

“São pessoas que costumam ir sempre às COPs, mas desta vez ainda não está certo”, afirmou uma pessoa do escritório.

Uma grande empresa brasileira que também envia executivos para as conferências do clima no exterior fechou os planos há pouco mais de uma semana. A opção encontrada foi um hotel numa cidade a cerca de 45 minutos de Belém.

“Não faço ideia de como é o hotel, mas é o que temos. E espero que a gente não tenha problemas com os deslocamentos”, afirmou uma pessoa da companhia.

Em cima da hora

Sempre se soube que a rede hoteleira de Belém não seria suficiente para acomodar as 50 mil pessoas esperadas ao longo das duas semanas da conferência.

A cidade e a região metropolitana têm cerca de 17,7 mil leitos em hotéis. Outros 1.100 serão adicionados com reformas e novos empreendimentos, como um antigo edifício da Receita Federal desocupado desde um incêndio em 2012 e que está sendo convertido em hotel (foto).

E é preciso levar em conta o tipo de acomodação demandada por perfis corporativos, em que não é comum dividir quartos. Ou seja, é razoável supor que nem todos os leitos serão ocupados.

Aluguéis temporários de residências oferecidos em sites como Airbnb e Booking.com devem receber uma parcela importante do público esperado.

Até pouco tempo atrás, essas plataformas tinham opções com preços exorbitantes, com valores acima de R$ 1 milhão para ocupar um apartamento durante o período da COP30 – o valor cobrado é estabelecido por quem oferece o imóvel.

Nas últimas semanas têm aparecido anúncios com valores mais razoáveis nesses serviços, e o governo lançou no início de agosto, depois de meses de promessas, uma plataforma oficial com mais ofertas de aluguéis temporários.

Big brother corporativo

Mas a demora na normalização dos preços, somada ao desconhecimento sobre Belém por parte da maioria dos visitantes estrangeiros, também está se mostrando um obstáculo.

A reportagem ouviu relatos de pedidos de ajuda por parte de pessoas de outros países. “Tenho clientes japoneses que não conseguiam decidir sozinhos. E eu não sabia como oferecer ajuda”, afirmou uma pessoa que negocia créditos de carbono com empresas estrangeiras.

Em muitos casos, a solução foi uma “convivência forçada” entre colegas de trabalho: muitas empresas alugaram uma casa ou um apartamento que será dividido pelos seus enviados à COP30.

“Não é o ideal, mas não achamos outra saída”, afirmou um executivo.

E houve casos de companhias que se anteciparam à crise e optaram por uma saída mais ousada (e custosa). Uma grande empresa brasileira decidiu com dois anos de antecedência comprar e reformar uma casa para acomodar seus executivos.

Esvaziamento?

Desde que a capital paraense foi anunciada oficialmente como sede da COP o governo brasileiro vem tentando moderar as expectativas em relação à infraestrutura da cidade.

“Belém não é Dubai”, ou alguma variação dessa ideia, foi dita em várias ocasiões pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo governador do Pará, Helder Barbalho, e por Valter Correia, o responsável pela logística do evento.

Trata-se de uma referência à edição de 2023, que aconteceu nos Emirados Árabes Unidos e que promoveu a maior COP da história em termos de participantes: 85 mil pessoas.

É claro que não faz sentido algum comparar a estrutura das duas cidades no que diz respeito a receber visitantes.

Mas a frase tem outras dimensões importantes. O Brasil será o primeiro país democrático e sem restrições à liberdade de expressão a sediar a conferência depois de três anos. No Egito, nos Emirados Árabes e no Azerbaijão não houve qualquer tipo de manifestação pública por parte da sociedade civil.

Há muitos sinais de que atores que não são parte formal das negociações, mas são importantes como observadores, não poderão ir a Belém por causa dos preços da acomodação. Seria uma oportunidade perdida de ouvir as vozes de ativistas, ONGs, empresas, cientistas e governos subnacionais.

Eventos paralelos

Diante das incertezas de ordem prática, muitos interessados em ir a Belém estão fazendo planos para participar de eventos paralelos que acontecerão em outras cidades.

Na primeira semana de novembro, uma antes da abertura da COP30, São Paulo vai receber a reunião global do Principles for Responsible Investment (PRI), entidade apoiada pela ONU que incentiva o setor financeiro a adotar práticas sustentáveis em seus investimentos.

Gestores e executivos de alguns dos fundos e bancos mais reconhecidos do mundo por aplicar critérios ESG em suas decisões estão entre os nomes confirmados.

Também dias antes do início da COP o Rio de Janeiro vai sediar uma reunião global do C40, coalizão de governos subnacionais criada para troca de experiências entre cidades, Estados e outros níveis da administração pública. 

Um possível “esvaziamento” tem outra implicação diretamente ligada às ambições do Brasil para esta conferência. Um dos motes de Belém é que a COP30 seja o começo de um mutirão, uma grande mobilização global que aproxime o “mundo real” do que é decidido nas salas de negociação.

Um dos pontos enfatizados pela presidência da COP é que ela seja uma multiplicadora de experiências que já dão certo e que podem ser replicadas mundo afora.

O setor privado é parte central desse esforço. Mas como isso vai acontecer se as empresas e os bancos não estiverem em Belém?

Imagem: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia