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“Se a Áustria tivesse me ligado, teríamos dado um jeito”, diz prefeito de Belém

Em entrevista ao Reset, Igor Normando falou sobre a crise da hospedagem, planos de mobilidade, obras e o legado para a cidade

“Se a Áustria tivesse me ligado, teríamos dado um jeito”, diz prefeito de Belém

Belém – A pauta era sobre a infraestrutura de transporte de Belém para a COP30, mas o tema hospedagem apareceu antes mesmo de a reportagem do Reset entrar na sala do prefeito de Belém, Igor Normando (MDB), na última sexta-feira (8). 

Na ante-sala do gabinete, uma repórter da CCTV, a emissora estatal da China, pediu dicas de hospedagem para a reportagem e foi surpreendida com os preços da plataforma oficial do governo. “Está bem acima do limite do nosso orçamento”, disse. 

Os altos preços de hospedagem criaram uma crise diplomática. Representantes de países pobres afirmam que, se não houver opções mais baratas, podem não vir à conferência por falta de orçamento para a acomodação. Mas alguns países ricos fizeram coro. O presidente austríaco, Alexander Van der Bellen, oficializou, na semana passada, sua ausência alegando limitações orçamentárias. 

“Se o presidente da Áustria tivesse me ligado, teríamos dado um jeito”, afirmou Normando.

Ele assumiu a Prefeitura de Belém no ano de realização da COP30. A cidade já estava em obras capitaneadas pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que apoiou a sua candidatura – os dois são primos. 

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual deve ser o legado da COP30 para Belém?

Assumi a prefeitura com a organização do evento já acontecendo por parte dos governos federal e do Estado, bem como do próprio gestor anterior. Minha primeira medida foi manter o planejamento e planejar a zeladoria da cidade. Não queríamos inventar a roda, mas o nosso governo não é de continuidade. É como trocar o pneu do ônibus com ele andando. 

Quando vejo reportagens falando mal da cidade, do saneamento, habitação, condições das ruas, penso que são problemas que as metrópoles passam, mas que são acentuados em Belém, pois somos uma região amazônida, que não desmatou tudo para gerar desenvolvimento. Temos ilhas e rios preservados, ainda que haja desmatamento. 

Em vez de criticar, deveriam nos ajudar. Ajudamos o mundo todo com a preservação da floresta, com a bioeconomia, com os créditos de carbono. Por que o mundo não ajuda a gente também? Não dá para discutir Amazônia sem discutir quem vive aqui. Precisamos de visibilidade e esse é o legado que a COP vai deixar para o povo amazônida. 

A crise da hospedagem tem trazido uma visibilidade negativa, até o momento. 

Acho que existe muita desinformação, muito alarmismo, acho que falta um pouco de sensibilidade. O Presidente da República foi muito feliz de trazer a COP para Belém, poderia ter sido no Rio, em São Paulo, Brasília. Estruturalmente, são lugares com mais condição de receber eventos desse porte. Porém é uma reparação histórica com a nossa região. Nós fomos esquecidos durante muitos anos. E tu sabes que a gente recebe o Círio, como é que a gente não vai receber a COP?

Mas é diferente, não é, prefeito? No Círio não costumam vir chefes de Estado de outros países.

Posso ser sincero? Quem vem conhecer Belém e a Amazônia tem que ver a realidade da Amazônia. O governo brasileiro e o governo do Estado estão fazendo as conversas, regulando. Isso vai ser resolvido tranquilamente. Temos hospedagem. Podem não ser as mais luxuosas e penso que também não precisa vir com comitivas e delegações gigantes. 

Se o presidente da Áustria tivesse me ligado, teríamos dado um jeito. Mas tu há de convir comigo: muitas das vezes, quem reclama da hospedagem é quem tem condição de pagar. São chefes de Estado.

Mas começou com os países pobres reclamando dos preços. 

Aí sim, se for falar dos países pobres, eu topo dialogar. Agora os países ricos têm condição. Quer dizer que não teve esse problema, por exemplo, em Baku? Fui na COP29 e tinha hotel cobrando 40 mil reais para cinco dias. O que der para intermediar, nós vamos fazer.

Mas existe um preconceito por ser na Amazônia. Querem discutir a Amazônia, mas longe do povo da floresta? Não dá para falar de preservação de meio ambiente, de floresta em pé, sem falar de quem e com quem vive aqui. 

O senhor mencionou a contribuição da Amazônia e a atuação de países ricos, há alguma proposta a ser apresentada durante a conferência?

Penso que nós temos três caminhos: um nacional, um internacional e um caminho de solidariedade. Nacionalmente, nossa proposta é que o Fundo Amazônia possa dialogar com ações para o desenvolvimento das cidades amazônicas. Geração de emprego, renda, saneamento. 

Do ponto de vista internacional, é pleitear que vejam a Amazônia como um todo, o que inclui saneamento e habitação, pois tudo isso leva ao desmatamento. Quando você tem emprego garantido, renda, a população tem outras formas de subsistência. 

E a outra questão é a solidariedade, estabelecer essa relação entre os povos. Temos um plano, por exemplo, de arborização da cidade, com o Banco Mundial. Mas precisamos de prática. Vemos muito a comunidade internacional fazendo planos, mas sem dinheiro não se faz nada.

A COP deve trazer investimentos, além de receitas com serviços, para Belém?

Vai. Não só do ponto de vista do Imposto sobre Serviços (ISS), mas também um mercado de oportunidade para Belém de novas matrizes econômicas e serviços. Poderemos explorar mais o turismo, a bioeconomia. Vamos diminuir o ISS para as empresas de tecnologia que se instalarem em Belém, na área do centro histórico. O que a gente puder isentar ou diminuir, nós vamos fazer.

Qual a previsão de arrecadação com o evento?

Não temos essa estimativa, mas será considerável. No Círio, já existe esse aumento significativo. 

Como está o andamento das obras que são de responsabilidade da Prefeitura?

A maioria terá entrega em outubro ou antes do Círio. A reforma do Mercado de São Brás está em 98% e a Praça Araújo Martins, que faz parte do mesmo complexo, está em finalização. O Ver-o-Peso também está em 98%. O Mercado de Carne tem 86% das obras concluídas e o Mercado de Peixe, 91%. A sede do Distrito de Inovação e Bioeconomia está com 60%. O Parque Urbano Igarapé São Joaquim tem 25%, que é a primeira etapa.

A Vila da Barca, área de palafitas na cidade que não possui saneamento básico, ganhou destaque no noticiário, como um contraste com as obras da COP30. Há algo sendo feito para mudar a situação de quem vive lá?

A parte de água e esgoto da Vila da Barca está sendo feita agora em parceria com a prefeitura, o governo do Estado e a empresa que vai fazer a distribuição da água na cidade, a Águas do Pará (Aegea). O governo do Estado investiu muito em macrodrenagem e em saneamento. 

A Vila da Barca, por exemplo, é um problema. Mas parece que Belém se resume aos problemas. Ninguém mostra as nossas potencialidades. Se iniciativa privada decidisse ajudar, se resolveria em seis meses.

Falando em infraestrutura, como será o transporte durante a COP. Haverá algum esquema especial?

Sim, a ideia é ter transporte gratuito para os credenciados [pessoas que têm acesso à Zona Azul, onde ocorrem as negociações oficiais]. Nós estamos discutindo a mobilidade, assim como ocorre em outras COPs. A ideia é que a gente possa ter um fluxo, com pontos de integração. 

Estamos fazendo vários pontos [de ônibus] na cidade que ligam todo o trajeto específico da COP. É lógico que não conseguiremos ter, em todos os hotéis, um ônibus esperando para ir [ao Parque da Cidade, onde ficará a Zona Azul], mas nós vamos ter em vários lugares na cidade, nos quais as pessoas vão poder caminhar [até o ponto de ônibus] para ir até o evento.

O transporte público será reforçado? Qual é o tamanho da frota de ônibus? 

Belém renovou 30% da frota de ônibus com wi-fi, acessibilidade e ar-condicionado. Temos cerca de 1.100 ônibus rodando na cidade e estamos estendendo o sistema digitalizado de pagamento. O governo do Estado também vai oferecer, ao evento, ônibus que já estão até aqui na nossa cidade. E há indicativo de que a iniciativa privada também irá apoiar.