DIVERSIDADE

Número de negros em cargos de liderança cai nas empresas do Ibovespa

A média do principal índice da bolsa brasileira caiu pela metade em 2024; Minerva, Weg e Multiplan aparecem entre companhias com menor percentual

Número de negros em cargos de liderança cai nas empresas do Ibovespa

Dizem que o principal critério de promoção na carreira deve ser o mérito, mas os dados mostram que a questão racial conta (muito) no Brasil. O número de profissionais negros em cargos de liderança caiu nas empresas que compõem o Ibovespa, que reúne as ações mais negociadas da bolsa de valores brasileira. A média foi de 10% em 2024, ante 23% em 2023. 

O levantamento do Reset foi feito com dados coletados pelo especialista em governança Renato Chaves a partir das informações prestadas pelas próprias empresas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – confira a metodologia completa no fim da reportagem. 

Empresas com ações negociadas na bolsa brasileira são obrigadas a divulgar informações relacionadas à sustentabilidade, como inventário de CO2, disparidade salarial e diversidade. Neste último item, são informações sobre gênero, cor ou raça e idade.  

A presença de negros na liderança de empresas do Ibovespa está longe da representatividade desse grupo na sociedade brasileira.

A categoria de pessoas negras é formada pela soma de autodeclarados pretos e pardos, conforme classificação do IBGE baseada em uma combinação de convenções estatísticas, razões históricas e análises de desigualdades sociais. No Brasil, negros são 55,5% da população – brancos são 43,5%, indígenas são 0,8% e amarelos são 0,4%. 

Na questão de gênero o quadro é melhor, mas ainda assim desigual. A média de mulheres em cargos de liderança era de 33% no ano passado, estável em relação ao ano anterior. Elas são 51% da população brasileira. 

Renato Chaves explica que a CVM não especifica um critério de nível hierárquico para definir liderança, então as empresas fornecem os dados de acordo com seus próprios recortes. “A companhia tem liberdade de preencher de acordo com seu organograma interno”, diz o especialista em governança. 

Esse tipo de levantamento demonstra o impacto socioeconômico real de raça e gênero, já que as empresas listadas na bolsa são as maiores do país, diz Patrícia Garrido, líder de projetos do Instituto Ethos. Ela avalia que existe um esforço das empresas para a seleção de negros e mulheres, mas falta um trabalho voltado para toda a pirâmide. 

“É preciso um olhar específico para garantir a formação de líderes, da ação afirmativa para a entrada na empresa até o topo da hierarquia”, diz a líder do Instituto Ethos, que realiza um dos estudos mais abrangentes sobre diversidade, o “Perfil Social, Racial e de Gênero das Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas”.

Negros na base

Entre as 10 empresas com o menor percentual de negros em cargos de liderança, a Minerva Foods lidera a lista, com 0%. Isso se deve, porém, à falta de dados. No formulário da companhia na CVM, todos os campos referentes a raça aparecem zerados. 

Procurada, a empresa não explicou se coleta essas informações entre os funcionários. Em nota, afirmou que os recrutamentos da companhia são abertos para todos os candidatos interessados e que segue atenta a oportunidades para ampliar a inclusão e a representatividade em todos os níveis.

Em segundo lugar, apareceu a Weg, fabricante de equipamentos elétricos, com 2,65%, seguida da Multiplan, empresa de investimentos imobiliários focada em shopping centers, com 4%.

As empresas têm diferentes níveis de maturidade sobre o tema, explica Gabriel Levi, fundador da consultoria Mutünci, especializada em diversidade e inclusão. Ele avalia que o clima político instaurado por Donald Trump nos Estados Unidos tem impactado as políticas de diversidade das empresas. 

O forte movimento anti-diversidade vindo dos EUA somado às incertezas macroeconômicas brasileiras têm pesado sobre os orçamentos e políticas das empresas aqui como mostrou reportagem do Reset no início deste ano

“Houve um boom do movimento pró-diversidade a partir de 2020 e ele está um pouco menor agora. Mas, as empresas brasileiras que notaram impacto positivo ao investirem lá atrás, viram esse momento nos Estados Unidos como oportunidade para se posicionar de maneira ainda mais firme”, diz Levi.

Lugar de mulher

No recorte de gênero, a rede de academias SmartFit foi a empresa do Ibovespa com o menor percentual de mulheres em cargos de liderança, com 4,40%. A São Martinho, do ramo sucroalcooleiro, apareceu em segundo lugar, com 5,69%. 

A estatal Petrobras aparece na sequência, com 7,2%. Em nota, a estatal afirmou que a seleção de funcionários acontece por meio de concurso público e que em junho deste ano a empresa apresentava 17,3% de mulheres no seu efetivo e 24,4% ocupando cargos de liderança. 

“Pela primeira vez na história da companhia, a diretoria é composta por cinco mulheres e entre elas está a presidente [Magda Chambriard assumiu a presidência em junho do ano passado], o que é histórico e demonstra que o público feminino vem crescendo na carreira dentro da empresa”, disse a Petrobras em nota. A diretoria da companhia é formada por nove cadeiras.

Os dados do levantamento do Reset se referem a 2024, mas a empresa não esclareceu o salto do percentual de liderança no intervalo de apenas seis meses, nem quais níveis hierárquicos considera como liderança. 

A Petrobras também informou que tem um programa de mentoria para mulheres, pelo qual passaram “mais de uma centena” de profissionais, das quais 49 ascenderam à posições de liderança.

No topo

Os dados indicam um marcador social forte de raça e gênero. 

Entre as empresas com mais negros em cargos de liderança, a maioria é do ramo do varejo, como Petz, Assai/Sendas, Carrefour/Atacadão BR e Pão de Açúcar. São operações que demandam um elevado número de funcionários e, por isso, também de posições da liderança de equipes. 

Devido a herança de escravização do país, que não promoveu políticas de reparação e inserção social e econômica de negros, eles aparecem até hoje na base dos indicadores sociais, o que inclui escolarização e empregabilidade. Isso se traduz na entrada do mercado de trabalho em cargos mais subalternos, com possibilidade de ascensão mais limitada.   

Estudos indicam que isso se agrava quando a análise cruza dados de raça com os de gênero – não é possível fazer esse recorte com os dados pedidos pela CVM às empresas.

As empresas com mais mulheres em cargos de liderança são dos ramos de moda e joalheria (Azzas 2154, Renner e Vivara), saúde (Rede D’or) e educação (Cogna e Yduqs).

Três empresas apareceram nas melhores posições em ambos os rankings: Fleury, Raia/Drogasil e Hapvida. As três empresas destacaram o papel de suas políticas de diversidade no resultado. 

A Fleury diz que tem investido em diversidade por considerar que ela impacta os negócios e contribui na construção de um ambiente mais inclusivo. “Destacamos o programa ‘Elas na Liderança’, voltado à aceleração da carreira de mulheres da empresa”, afirma a empresa em nota. 

A Raia/Drogasil também destacou sua plataforma de iniciativas que atua em cinco frentes prioritárias: gênero, raça e etnia, pessoas com deficiência, gerações e LGBTQIAPN+. A Hapvida diz que sua política de diversidade, equidade e inclusão (D&I) conta com a atuação junto à ONU Mulheres e os Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs), que apoiam ações afirmativas e programas de aceleração de carreira.

Apagão de dados

Ao coletar os dados, chamou a atenção de Chaves empresas que apresentaram um nível alto de “prefiro não responder” nos questionários. Foram os casos, além de Minerva (100% na pergunta de cor ou raça), de Petrobras (83% em gênero) e Banco do Brasil (69% em gênero).

“Os dados são por autodeclaração, então não deixa de ser estranho ter empresas como Petrobras e Banco do Brasil, com funcionários com estabilidade, não responderem sobre gênero. O levantamento estaria mais rico com essas respostas”, afirma Chaves, especialista em governança que tabulou os dados.

Segundo Garrido, do Instituto Ethos, é de responsabilidade das empresas garantir não apenas políticas de inclusão, mas também a transparência e aferição dos resultados que elas geram. 

“Transparência é a base da governança. Sem ela, fica difícil ter metas e planos de ação. E as empresas precisam trabalhar na conscientização interna sobre esses temas”, diz. 

Na maioria dos itens relacionados à sustentabilidade, a CVM não obriga as companhias a elaborar e divulgar as informações, mas se limita a perguntar se as informações existem e, em caso negativo, por que não existem. É o que se chama de ‘relate ou explique’. 

Para Levi, da consultoria Mutünci, as pesquisas precisam ir além dos dados quantitativos, com informações qualitativas sobre as experiências desses grupos dentro das empresas. “Esses funcionários se sentem valorizados? Respeitados? Não podemos esquecer que políticas de diversidade e inclusão nada mais são que uma forma de garantir direitos humanos no ambiente empresarial.”

Metodologia

Todos os dados usados no levantamento foram divulgados pelas próprias companhias no Formulário de Referência disponível no site da CVM, um dos documentos obrigatórios mais relevantes das companhias de capital aberto, que serve para dar aos investidores um panorama geral das empresas. 

Os dados foram coletados e tabulados pelo especialista em governança Renato Chaves. Foram consideradas todas as empresas que faziam parte do Ibovespa no fim de 2024. Como a composição do índice acionário muda de um ano para o outro, o universo de empresas do levantamento de 2024 é diferente do ano anterior. O objetivo da análise, porém, é ter um indicador de diversidade das empresas de maior destaque da bolsa de valores, o que esse recorte cumpre.

Nos dados de cor ou raça, o Reset somou os números de pretos e pardos e os apresentou na categoria ‘negros’, conforme a classificação usada pelo IBGE.

Na elaboração do ranking das empresas com maior e menor percentual de negros foi excluido os dados de empresas não operacionais, como as holdings Cosan, Bradespar e Itaúsa. Devido ao seu número muito baixo de funcionários, elas distorcem o resultado. 

Respostas das empresas

A reportagem procurou todas as empresas com os menores percentuais no ranking. Abaixo reproduzimos a posição das que responderam ao nosso contato – as demais não responderam aos pedidos de comentários ou informaram que preferem não se manifestar. 

Banco do Brasil

“O Banco criou o Programa Liderança Feminina com o objetivo de aumentar o número de mulheres em cargos de liderança. Nesse período, entre 2018 e 2025, passamos de 18,88% para 28,2% (1S25) de mulheres ocupando funções de liderança.  O BB adota critérios ESG na composição da Diretoria Executiva, garantindo que pelo menos 50% das indicações considerem a presença de, no mínimo, 30% de mulheres. Atualmente, o Conselho de Administração é composto por 50% de mulheres, superando em 20 pontos percentuais o patamar estabelecido pela Lei nº 15.177/25.”

Braskem

“Destacamos que entendemos os indicadores de diversidade com um olhar vigilante e particular para a abrangência de atuação da Braskem. No Brasil, onde a questão racial é central, temos resultados mais expressivos. A representatividade de pessoas negras na liderança é mais de 5 pontos percentuais superior ao índice global da companhia. A Braskem segue dedicada a ampliar a participação de pessoas negras por meio de iniciativas estruturadas, da adesão ao Pacto de Promoção da Equidade Racial e de parcerias com organizações.”

CSN Mineração

“Nos últimos anos, a companhia implementou uma série de ações voltadas ao desenvolvimento de mulheres para posições de liderança, como os programas ‘Empodera’ e ‘Primeira Liderança’, que busca preparar colaboradoras para diferentes funções de gestão. Além disso, o programa Capacitar Mulheres, uma das iniciativas criadas para ampliar o volume de talentos femininos na base da companhia, tem proporcionado formação técnica gratuita em municípios onde atuamos — com o objetivo de gerar mais oportunidades de desenvolvimento de carreira e sucessão interna para mulheres em cargos de liderança.”

Iguatemi

“Valorizamos a diversidade e a inclusão como tema relevante para a Iguatemi e como forma de formação de uma sociedade mais justa e igualitária. Seguimos fomentando a criação de um ambiente onde todas as pessoas sejam respeitadas e tenham espaço para evoluir com integridade, encontrando oportunidades para crescer e prosperar, além de contar com treinamentos e programas de crescimento profissional para todos os nossos colaboradores.”

Isa Energia

“A Isa Energia Brasil tem avançado de forma consistente na promoção da diversidade racial em seu quadro funcional. Entre 2022 e 2024, a representatividade de pessoas pretas, pardas, indígenas e amarelas em cargos de liderança cresceu de 7,9% para 14,7%, um aumento de 6,8 pontos percentuais. O programa de D&I da ISA ENERGIA BRASIL é sustentado por uma governança participativa, que envolve grupos de afinidade dedicados aos temas de Equidade de Gênero, Raça e Etnia, Pessoas com Deficiência (PCDs) e LGBTI+, com apoio de consultoria especializada.”

Sabesp

“Desde que foi desestatizada, há um ano, a Sabesp vem passando por uma transformação com foco na valorização de pessoas. Antes, o ingresso na empresa era feito, exclusivamente, por meio de concurso. Agora, a companhia tem autonomia para conduzir seus processos de contratação com foco em eficiência e desafios para o futuro, priorizando também a diversidade como aspecto determinante. Para a empresa, a diversidade é intrínseca à inovação e ambas devem caminhar juntas para construir um ambiente de trabalho ético, transparente e inclusivo.”

SLC Agrícola

“A SLC Agrícola está empenhada em aumentar a presença das mulheres em posições de liderança na empresa. A frente Mulheres+ contempla o projeto Liderança Feminina, cujo objetivo é promover e formar mulheres para ocupar posições executivas. Desde seu início, a empresa registrou um crescimento de 272% da presença feminina em cargos de liderança. No entanto, a empresa salienta que possui 26 fazendas, localizadas no interior de sete estados brasileiros e que, pela complexidade de se encontrar mulheres no mercado de trabalho nessas localidades do país, o desafio se torna ainda maior.”