
Apesar de poucos avanços concretos, com projetos aguardando decisão final de investimento, o Brasil é o país mais bem preparado na América Latina para tirar o hidrogênio verde do papel, segundo o ranking H2LAC Index, produzido pela organização New Energy Events, que atua promovendo conexões entre empresas do setor, e pela consultoria Hinicio.
O avanço dos aspectos regulatórios levaram o país a tomar o lugar do Chile na lista, que ocupava a liderança na edição do ano passado.
O estudo apontou a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão e a Lei do Combustível do Futuro, ambos de 2024, como os principais motivadores da mudança no ranking.
Entre os principais avanços trazidos estão imposto zerado para compra de equipamentos, incentivos que elevarão a demanda doméstica por essa fonte de energia renovável e a definição da governança do setor, sob a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
“Algo que o Brasil fez muito bem foi enfrentar desafios ambientais, regulatórios e de financiamento. Há uma realidade econômica no país que de certa forma desincentiva o investimento, que reduz o interesse, mas as oportunidades identificadas anos atrás permanecem”, afirma Nuria Hartmann, diretora da Hínicio.
O ranking pontua os países de acordo com políticas públicas, o desenvolvimento dos ecossistemas, projetos em operação ou em desenvolvimento e a perspectiva de demanda. Avanços em cooperação internacional também entram na conta.
Na nova edição, o Brasil passou de 72 para 75 pontos, enquanto o Chile seguiu com 73. A Colômbia se manteve em terceiro, logo atrás, também com 73. Juntos, os três países formam o que o H2LAC Index chama de pelotão de frente e estão acima da média regional de 40 pontos.
Os dados foram apresentados no 5º Congresso do Hidrogênio para a América Latina e o Caribe, em São Paulo, nesta terça-feira (5).
Monitoramento da Agência Internacional de Energia (IEA) mostra que o Brasil tem projetos que podem somar 41 gigawatts em 2030. As unidades de produção de hidrogênio por eletrólise são medidas pelo consumo de eletricidade usada para quebrar a molécula da água.
Mas, desses 41 gigawatts, segundo ferramenta interativa da IEA, cujos últimos dados são de outubro de 2024, apenas 5 megawatts estão hoje operacionais no país e outros 72 megawatts receberam decisão final de investimento no país (FID, na sigla em inglês). São 10,8 gigawatts aguardando a confirmação definitiva.
Esse compasso de espera é comum em toda a América Latina, segundo o H2LAC Index. No último ano, os poucos casos relevantes que receberam o sinal verde foram os da Ecopetrol, na Colômbia, da Ventus, no Uruguai, e da Atome, no Paraguai.
Hidrogênio verde
O hidrogênio verde é uma versão sustentável do hidrogênio, gás utilizado hoje principalmente na indústria e obtido de combustíveis fósseis. A grande aposta no Brasil é produzi-lo via eletrólise da água, usando energia limpa.
Essa versão limpa do hidrogênio é apontada como peça essencial para a transição de indústrias que são difíceis de descarbonização, como siderurgia, fabricação de cimento e aviação civil.
Entre os projetos brasileiros em modo de espera está o da australiana Fortescue, que opera nas frentes de mineração e energia.
A empresa quer construir uma planta no Porto do Pecém, perto de Fortaleza, de 2,1 GW, com capacidade de produção de 460 toneladas de hidrogênio por dia. Estimativas da AIE preveem que a demandam mundial será de 415 mil toneladas diárias em 2030. O investimento previsto é de R$ 20 bilhões.
Luis Viga, diretor da operação brasileira da Fortescue, concorda com o diagnóstico de que o ambiente regulatório melhorou. Para destravar a decisão final da companhia, ele apontou em conversa com o Reset o que precisa acontecer nos próximos meses.
Pelo lado da demanda, a companhia espera mudanças na União Europeia. Os países membros do bloco consideram incorporar nacionalmente uma meta da região que hoje impõe a substituição de 40% do hidrogênio tradicional.
A obrigação deverá gerar a demanda para que a Fortescue avance no investimento em 2026, já que os primeiros contratos com clientes são fundamentais para viabilizar a decisão.
Na visão do executivo, este é um dos principais gargalos que começam a ser resolvidos. Ele também aponta o novo acordo pela redução de combustíveis fósseis no setor de transporte marítimo, promovido pela International Maritime Organization (IMO).
O hidrogênio verde é uma das alternativas para descarbonizar navios cargueiros, transformado em amônia ou usado como insumo para substitutos sintéticos do diesel bunker usado por embarcações de grande porte.
No aspecto legal, a Fortescue aguarda o decreto do Ministério de Minas e Energia que regulamentará a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão, previsto para os próximos meses, afirma Viga.
Na visão do executivo, os mesmos gatilhos são esperados também por “todos os outros players do mercado”, como Casa dos Ventos e FRV. No Brasil, o projeto de maior porte com capital já comprometido é o complexo da indústria química Unigel, que tem uma planta de 60 MW de eletrólise concluída e planos de expansão para mais 600 MW.
A Casa dos Ventos atua com geração de energia eólica e tem parceria com a petroleira francesa TotalEnergies para a produção de hidrogênio verde também no Ceará, um projeto de 2,4 GW com investimento que chegaria a R$ 54 bilhões. Em nota enviada ao Reset, a companhia afirma concordar que a regulação brasileira avançou consideravelmente.
Para a Luis Viga, a regulamentação precisa garantir que os grandes players sejam os que terão acesso aos incentivos. A empresa espera que seja possível compartilhar a infraestrutura com os concorrentes, promovendo ganhos de eficiência.
“Se eu for o primeiro a produzir, terei tubulações, estocagem, dessalinização, esquema de água de reuso, subestação e obras feitas no porto. Quando o segundo produtor entrar, isso tudo estará construído. Para ele vai ser menos risco e custo porque vai utilizar uma estrutura conhecida e com custo amortizado.”
O acesso aos benefícios fiscais depende de um leilão que o governo federal pretende realizar em 2026.
Entre os maiores custos de capital previstos estão a compra dos eletrolisadores. A IEA afirma que, nos últimos 12 meses, 40% das decisões finais de investimento aconteceram na China, onde a produção doméstica desses equipamentos favorece o setor.
Competitividade brasileira
Superados esses obstáculos, a competitividade do hidrogênio “made in Brazil” deve ficar mais evidente, segundo Viga. Mas a questão do custo ainda é um dos impedimentos para que se construa uma indústria global.
O hidrogênio de baixas emissões ainda custa até seis vezes mais que o usado hoje, segundo um estudo da Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) divulgado em 2024.
Em uma pesquisa anterior, de 2023, a Bloomberg NEF, aponta que o Nordeste brasileiro tem potencial de produzir hidrogênio verde a US$ 1,47/kg em 2030. No mundo, o custo atual médio da produção do combustível é US$ 6,4.
Projetos com decisões finais de investimento pendentes em países emergentes serão priorizadas na “The 10 GW Lighthouse Initiative”, do Banco Mundial. A iniciativa também conta com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outras instituições multilaterais.
“Já identificamos um pipeline de projetos promissores e agora estamos discutindo ativamente como apoiar o caminho para a FID, especialmente na Colômbia, Brasil e Chile. O objetivo é ver como podemos combinar nosso poder de financiamento e nossos instrumentos para esses primeiros projetos”, afirma Dolf Gielen, que lidera a frente de hidrogênio no Banco Mundial.
O CEO global da Fortescue, Andrew Forrest, esteve no Brasil em junho e se encontrou com o governador do Ceará, Elmano de Freitas, e com o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Apesar dos gargalos restantes, Viga aponta que há interesse do mercado de capitais para o financiamento do hidrogênio verde e cita programas de instituições como o próprio Banco Mundial. .
“O que não falta é o banco querendo colocar dinheiro. É um projeto verde e, se você for olhar as primeiras fases, tem receita com exportação. Não tem risco cambial. Isso acelerou a nossa vontade de botar dinheiro, mas o mercado de offtakers (compradores) ainda não se consolidou”, diz.