EMPRESAS

Sob pressão, Danoninho terá menos açúcar

Danone tem meta de que todos os produtos infantis sejam compostos de até 10% de açúcar; empresa também terá limite para produtos voltado a adultos 

Sob pressão, Danoninho terá menos açúcar

Paris* – O Danoninho, um dos carros-chefes da multinacional Danone, será produzido com menos açúcar a partir de agosto no Brasil. A quantidade do ingrediente baixará dos atuais 11,5% para 10% da composição do produto. 

O ingrediente vem sendo reduzido em resposta à pressão de regulações e movimentos por uma alimentação mais saudável, menos processada e com menos açúcar. Uma breve busca no Google com a palavra “danoninho” retorna variadas receitas caseiras “mais saudáveis” e “sem adição de açúcar” do produto.

O volume máximo de 10% faz parte de uma meta mundial da Danone para a linha infantil, compromisso que precisa ser cumprido até o fim deste ano – sua aplicação está em cerca de 75%. Na operação brasileira, a mudança ocorre na marca Danoninho, que é um queijo do tipo petit-suisse sabor morango, e nos iogurtes da linha Danone Kids. 

Com o corte, os produtos da linha infantil passam a seguir a recomendação padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS): o açúcar não deve exceder 10% no total de calorias consumidas diariamente.

A OMS propõe até uma redução maior, para menos de 5%. Como cada grama de açúcar rende cerca de 4 quilocalorias (kcal), a quantidade máxima recomendável para um adulto em uma dieta de 2 mil calorias seria de 50 gramas, metade no caso de jovens e ainda menos no caso de crianças.

A redução segue a Danone de diminuir o volume do ingrediente em todos os seus produtos, sem compensar com outros tipos de adoçantes. Nos próximos meses, a companhia vai estabelecer metas também para os produtos voltados a adultos, que deverão começar a ter cortes a partir de 2026.

Para isso, a companhia investe alto em pesquisa para que os produtos não percam o dulçor, diz Isabelle Esser, diretora-geral global de pesquisa, inovação, qualidade e segurança alimentar da Danone. 

A Danone nasceu no início do século 20, na Europa, justamente a partir de uma experiência para tentar resolver problemas intestinais de crianças. Sua marca é tão reconhecida que até hoje as pessoas usam o seu nome como sinônimo para se referir a bebidas lácteas. 

Com faturamento de 27 bilhões de euros em 2024, a empresa tem no Brasil seu décimo maior mercado, responsável por 3% das vendas globais. Os líderes são Estados Unidos, com 21%, China (10%) e França (8%).

Combate ao açúcar 

O escrutínio sobre a indústria de alimentos tem sido crescente ao redor do mundo, com as consequências de condições e hábitos alimentares pouco saudáveis pesando sobre os sistemas (e orçamentos) de saúde. 

Como política pública, a OMS defende aumento de taxação para produtos com alto volume de açúcar e restrições de publicidade de produtos infantis. A agência de saúde das Nações Unidas propôs em julho que os países aumentem os preços das bebidas açucaradas, do álcool e do tabaco em 50% nos próximos 10 anos por meio de impostos – no maior apoio já dado aos chamados “impostos sobre o pecado”, para ajudar a combater problemas crônicos de saúde pública e aumentar os orçamentos públicos. 

Uma pesquisa realizada no Reino Unidos e divulgada em 2018 na revista médica BMJ Open mostrou que um iogurte tinha o mesmo nível de açúcar que a quantidade equivalente de um refrigerante comum, incluindo os produtos orgânicos e petit suisse (tipo “danoninho”).

Já um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) relevou que mais da metade (54%) dos produtos brasileiros destinados a crianças se enquadravam no grupo com os maiores teores de energia por açúcar e gordura.

Para Gustavo Alvarez, diretor de pesquisa e inovação da Danone Brasil, a responsabilização da indústria alimentícia pelo volume de açúcar precisa considerar que, ao longo do século 20, o vilão era outro: a gordura era vista como o grande mal para a saúde, devido à falta de conhecimento científico.

Hoje, há consenso entre pesquisadores e médicos de que o açúcar tem alta relação de causalidade com obesidade e diabete tipo 2. 

Gosto brasileiro

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina, desde 2022, que produtos com composição superior a 15% de açúcar tenham avisos com uma tarja preta na embalagem. Segundo a Danone, nenhum dos seus produtos figura nesta lista. 

Os testes da companhia com o público brasileiro indicam que a população local tem preferência por produtos mais doces. Isso impõe uma estratégia de transição cuidadosa e em ritmo lento, segundo executivos da Danone. No México, onde a população teria o mesmo tipo de preferência, o Danoninho alcançou a meta antes, em 2024. 

Por conta disso, os 10% de açúcar não será um teto, mas sim um piso no Brasil. “Se eu baixar mais o volume de açúcar, eu não vendo”, afirma Camillo Wittica, vice-presidente de relações-públicas da Danone Latam.

Assim, a redução deve ser a última do petit-suisse no país, um movimento que começou nos anos 2000, quando a quantidade de açúcar ultrapassava os 20%. 

“Queremos baixar a quantidade de açúcar e, para isso, temos que ter um consumidor aberto a receber um produto menos doce”, diz Alvarez. Segundo ele, a empresa não utiliza a mistura de açúcar e adoçante nos produtos para não manter e nem estimular o hábito de consumo de produtos muito doces. 

Pesquisa 

A grande adição de açúcar aos produtos lácteos pela indústria alimentícia se deu para reduzir a alta acidez dos primeiros produtos fermentados no século passado, explica Esser. Com o avanço das pesquisas, novas bactérias foram descobertas, levando a uma diversidade maior de texturas e sabores, incluindo aqueles mais palatáveis.

“Se você provar o iogurte da Danone de 1919 hoje, vai dizer que é impossível comê-lo, porque era tão ácido como um medicamento”, afirma Esser. Ela explica que além de ser responsável pela fermentação, as bactérias adicionadas têm um papel também de dar textura, cor e sabor que lembram até o dulçor. 

A Danone cria e mantém essas variações biológicas de fermentos em um centro de pesquisa na Universidade Paris-Saclay, onde uma planta-piloto produz em pequena escala testes de todo tipo.

As instalações também têm espaços para receber consumidores – entre eles crianças – para avaliar a aceitação de qualquer mudança nos produtos existentes.

Em 2024, foram 447 milhões de euros alocados em pesquisa e desenvolvimento pela Danone, uma alta de 10% em relação ao ano anterior. O volume de capital correspondeu a 1,6% do valor das vendas globais. 

A decisão de reduzir açúcar também está alinhada com o interesse da Danone em manter uma classificação de pelo menos 3,5 estrelas pela Health Star Rating para 85% dos seus produtos no mundo (a classificação vai de 0,5 a 5 estrelas).

O sistema de avaliação foi desenvolvido com base no modelo de perfil nutricional da Food Standards Agency do Reino Unido e considera as calorias, gordura saturada, sódio e açúcares totais, junto ao teor de frutas e vegetais, fibra alimentar e proteínas dos alimentos.

O patamar desejado pela Danone foi alcançado este ano e cobre 88% do portfólio mundial, de acordo com Esser.

Recomendações 

A Danone divulga, desde 2016, recomendações nutricionais sobre o consumo ideal de seus produtos, com indicações mínimas e máximas baseadas em evidências científicas, segundo a companhia. Quanto a iogurtes, por exemplo, a empresa afirma que o consumo pode ser diário, mas sobremesas como o pudim Danette têm indicação de até duas vezes por semana. Um dos iogurtes naturais da empresa, por exemplo, têm apenas leite e fermento vivo dentro da embalagem.

A multinacional diz que essas recomendações guiam o desenvolvimento e a reformulação dos produtos, com foco na qualidade nutricional e na densidade de nutrientes. O objetivo seria reduzir o teor de açúcares, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo em que promove ingredientes nutritivos como fibras, proteínas, vitaminas e minerais.

As metas são adaptadas aos diferentes grupos populacionais, levando em consideração as necessidades nutricionais de bebês, crianças pequenas, adolescentes, adultos e idosos.

Nos dados mais recentes, de dezembro de 2024, está justamente a recomendação máxima de 10 gramas de açúcar para as crianças e um limite de 11,5 gramas para adultos. Em calorias, seriam no máximo 170 para crianças e 200 para adultos em um produto lácteo.

Já no caso da proteína, a lógica é outra: é positivo garantir pelo menos 2,2 gramas diárias dentro dos produtos. Conhecida como um “macronutriente”, ela é crucial para o ganho e manutenção de massa muscular. Por isso, a Danone busca aumentar os níveis deste componente em seus laticínios sem, no entanto, causar mudanças grandes em textura e sabor.

Agenda 

O compromisso da Danone de reduzir açúcar foi estabelecido no início de 2023 junto a outras metas sociais e ambientais, incluindo a redução de emissões indiretas de metano pelos criadores de gado (conhecido como escopo 3) e uso apenas de plástico reciclável nas embalagens.

Saúde, pessoas e natureza formam os três pilares da estratégia de sustentabilidade da companhia. Na frente da saúde, onde a redução do açúcar é vista como crucial, o bem-estar da população refletiria de forma material no negócio porque há uma associação entre qualidade de vida e as escolhas alimentares feitas no supermercado.  

O termo material, dentro da agenda ESG, é usado para demonstrar como uma ação ou fenômeno tem reflexos relevantes nos negócios e nas finanças das empresas, com riscos e oportunidades.

Outros objetivos na frente de saúde são: 85% dos lácteos infantis devem ser enriquecidos com minerais até 2025 e a empresa quer alcançar 150 publicações científicas em revistas especializadas entre 2021 e 2025. 

*O repórter viajou a convite da Danone