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Natura abandona a sustentabilidade para ser regenerativa

Empresa traz novo conceito para seu plano estratégico com metas para 2050; ideia é recuperar os ecossistemas em que atua

Natura abandona a sustentabilidade para ser regenerativa

A Natura não quer mais ser uma empresa sustentável. Nesta sexta-feira, a fabricante de produtos de beleza apresentou sua Visão 2050, com um conjunto de metas socioambientais para os próximos 25 anos. Se até hoje a companhia foi referência na agenda de sustentabilidade corporativa, a ideia agora é ir além: recuperar os recursos naturais que utiliza na produção dos seus produtos de beleza. A novo norte é ser uma empresa regenerativa.

“Só a sustentabilidade já não é mais suficiente, pois sustentar o mundo como ele é hoje não é uma boa ideia”, diz o CEO da Natura, João Paulo Ferreira. “O caminho é regenerar para estados progressivos de maior saúde e maior abundância, gerando, ao mesmo tempo, resultados positivos financeiros, humanos e ambientais.” 

O conceito é novo e ainda não está acabado, mas no plano da Natura se traduz em ações como dar assistência técnica e financeira para fornecedores amazônidas investirem em práticas que contribuam para a resiliência do solo e da floresta, por meio de sistemas agroflorestais (SAF); e garantir que 100% do plástico utilizado pela empresa será de origem renovável e compostável.

A princípio, parece uma mudança de retórica, uma vez que são objetivos que a empresa já persegue, ainda que com metas mais agressivas e novos prazos. Mas o CEO lembra que o mesmo aconteceu com o conceito de sustentabilidade.  

“Todo conceito novo provoca estranhamento. Imagino o que as pessoas falaram 30 anos atrás quando a ideia de sustentabilidade surgiu. Antes, escutávamos, no máximo, a palavra ecologia. Palavras ‘novas’ tendem a ter um significado difuso, mas queremos desde agora assumir o compromisso e ajudar a construir o conceito”, afirma Ferreira.

O conceito parece ter sido emprestado da agricultura regenerativa, um modelo de produção que propõe não apenas reduzir os impactos negativos da atividade, mas também gerar efeitos positivos sobre o solo, a biodiversidade e os ciclos da água e do carbono. A agropecuária é, no Brasil, a atividade que mais emite gases de efeito estufa. É, assim, uma promessa do capitalismo para restaurar ecossistemas degradados. “Não é diletantismo, a iniciativa privada tem que cumprir as suas obrigações”, afirma o CEO.

Mas ainda não se tem um consenso técnico e regulatório sobre o que exatamente caracteriza uma prática regenerativa na agricultura – o que abre espaço tanto para inovação quanto para greenwashing. Por enquanto, o que há com um mínimo de consenso é a nova certificação da Verra, a VM0042, que estabelece parâmetros de práticas regenerativas para a geração de créditos de remoção de carbono.

A Natura é uma empresa de cosméticos, mas tem o cultivo em sua cadeia produtiva. Exemplo disso é a Ekos, linhas de produtos com matérias-primas da Amazônia, onde a companhia tem parcerias com produtores de frutos e centros de pesquisa. 

A Visão 2050 vem substituir a de 2030, uma vez que a empresa está próxima de atingir (ou já bateu) as metas cinco anos antes do plano. A empresa, por exemplo, se comprometeu a ter 95% de fórmulas biodegradáveis até 2030, mas já chegou a 97,3% em 2025.

Outro objetivo da divulgação da nova visão foi  marcar uma posição “contra os discursos de retrocessos que estão surgindo pelo mundo e em alguns governos”, disse a vice-presidente de reputação da empresa, Ana Beatriz Costa, sem citar nomes diretamente. No início do ano, logo após a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, a Natura reafirmou seu compromisso com políticas ambientais e de diversidade e instou outras empresas a fazer o mesmo.

Metas 

A companhia divulgou suas principais metas para as próximas duas décadas e meia, muitas vinculadas à bioeconomia da Amazônia. 

Até 2035, a empresa tem como meta multiplicar por quatro as compras de insumos amazônicos, influenciando políticas públicas e marcos regulatórios. Objetivo é ter 55 bioingredientes da Amazônia entre suas matérias-primas. Até 2050, a expectativa é que todas as comunidades fornecedoras estejam recebendo por serviços ambientais prestados.

A Natura quer ter 30% dos seus ingredientes-chave fornecidos por pequenos agricultores que possuam práticas regenerativas certificadas de maneira independente. 

A empresa usa muito dendê, o óleo de palma, um gargalo de sustentabilidade para qualquer companhia do ramo de cosméticos. Atrelado ao desmatamento, perda de biodiversidade, altas emissões de carbono e conflitos por terra na Amazônia, o óleo de palma parece ter achado uma saída para reduzir os impactos negativos na floresta: o Safta, Sistema Agroflorestal de Tomé-Açú. 

A colônia japonesa da cidade paraense é célebre pela Cooperativa de Agricultura Mista de Tomé-Açú (Camta), que mistura saberes de antepassados japoneses com o conhecimento dos ribeirinhos para o policultivo de espécies endêmicas amazônicas. Após 12 anos de pesquisas apoiadas pela Natura e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Cooperativa chegou em um modelo de plantio de dendê que inclui cacau, andiroba, taperebá e até açaí, diversificando a cartela de produtos e garantindo fluxo de caixa para os agricultores ao longo de todo o ano.

A meta da Natura é que todo o óleo de palma utilizado pela empresa venha deste modelo, com 45 mil hectares do chamado “SAF Dendê” até 2035. Em Tomé-Açú, hoje são 650 hectares em plena produção e outros 1.350 em preparação. “Houve uma quebra de paradigma da região. Grandes empresas, graças a essa pesquisa, visitam Tomé-Açú e comprovam in loco que é possível cultivar dendê de maneira sustentável”, afirma Ernesto Suzuki, da Camta.

Ao todo, a Natura tem na sua cadeia 46 comunidades produtoras e 94 cadeias de fornecimento para seus produtos. Para Angela Pilhati, diretora de sustentabilidade da empresa, é preciso avançar no acesso ao crédito para eles também. 

“Hoje, já temos soluções que envolvem blended finance, juntando Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) com filantropia, por meio de fundos de investimento não reembolsável. Precisamos de financiamento com juros baixos, acessíveis para comunidades produtoras e que assumam um certo risco também no caso da SAF de dendê, que é algo completamente novo. As comunidades e produtores possuem inadimplência zero e querem produzir mais”, afirma.

Hoje, as embalagens de vidro da Natura utilizam até 30% de vidro reciclado. Em parceria com a Wheaton, fornecedora de longa data, o objetivo é aumentar gradualmente esse percentual. Os produtos de refil também são prioridade, já que reduzem a produção de embalagens. A própria Wheaton desenvolveu os frascos de refil da linha Essencial da Natura também com vidro reciclado. O compromisso da empresa é ter 100% das embalagens reutilizáveis, refiláveis, recicláveis ou compostáveis até 2030.

O objetivo de zerar as emissões líquidas indiretas da companhia (o chamado escopo 3, que inclui fornecedores e clientes) até 2050 foi reafirmado. Hoje, elas respondem por 95% das emissões da Natura. Tudo o que não dá para descarbonizar é compensado com a compra de créditos de carbono da Amazônia, com foco nos projetos de REDD+. 

Compromissos sociais

Do lado social, a Natura anunciou novos compromissos tanto para diversidade no seu quadro de funcionários quanto para seu exército de consultoras, responsáveis pela maior parte de suas vendas.

A empresa  anunciou a meta de que 100% das suas consultoras tenham renda digna, um conceito que vai além do salário mínimo e pressupõe que a renda seja suficiente para que uma pessoa possa pagar os seus gastos com moradia, saúde, educação, alimentação e, assim, viver dignamente. 

Em diversidade, a meta de 2030 era ter 30% de pessoas negras em cargos gerenciais. Agora, a meta é ter no quadro de colaboradores a mesma proporção de grupos subrepresentados que exista na sociedade em cada país que atua. No Brasil, no caso de raça, negros (soma de pretos e pardos) são 56% da população.