De Bonn para o mundo: a COP não é mais só dos governos

Há 12 anos, quando participava da minha primeira Conferência de Bonn – capital da antiga Alemanha Ociental e onde fica a sede da Convenção do Clima, a UNFCCC –, não podia imaginar que um dia ela se tornaria um evento de tamanho interesse, como é hoje. Naquela época, as COPs ainda eram, essencialmente, processos de negociação multilateral entre governos – e pouco atrativos para outsiders.

Mas a verdade é que este regime vem, aos poucos, se expandindo para atrair atores não estatais, como organizações da sociedade civil, empresas e governos subnacionais. Com o Acordo de Paris e suas NDCs, cresceu a conscientização e a participação da sociedade. Mais governos passaram a ter políticas climáticas, mais agentes econômicos começaram a considerar o clima em suas estratégias de negócio e de gestão de riscos. 

Entes privados passaram a ser taxados, regulados ou começaram a perceber oportunidades de mercado associadas à economia de baixo carbono. Litígios climáticos se multiplicaram. O Acordo de Paris ganhou vida e passou a se manifestar no dia a dia daqueles que nunca frequentaram uma COP. 

Hoje, a UNFCCC é muito mais do que um acordo entre governos. Ela é de todos – e precisa ser operacionalizada para isso.

Por muito tempo, tive dificuldades de explicar para as pessoas o que é a Conferência de Bonn. O “encontro dos órgãos subsidiários” da Convenção do Clima é uma abstração difícil de compreender para quem nunca estudou sobre o processo e a governança de um tratado internacional, como eu havia feito na Universidade de Londres. Mas sempre tive convicção de que essa reunião é, em muitos sentidos, mais importante que a COP, pois elabora com calma as recomendações que depois serão debatidas sob muita pressão no fim do ano.

A minha primeira Conferência de Bonn, em 2013, foi marcada por uma disputa de agenda provocada pela Rússia, que atrasou o início das negociações justamente em um ano-chave para criar as bases do que, dois anos depois, se tornaria o Acordo de Paris.

Superadas essas disputas, mais tarde naquele ano a COP em Varsóvia teve êxito em criar um processo para que países voluntariamente apresentassem suas “intenções” de contribuição – as INDCs, precursoras das atuais NDCs. O objetivo era testar a boa vontade de engajamento de todos os países com um novo acordo. E funcionou. De lá para cá, dá para ver que pouca coisa mudou na substância das decisões e na forma como se negocia. O que mudou foi a participação.

Prestação de contas

O Acordo de Paris criou um ciclo de transparência e prestação de contas para os países, incluindo os mecanismos de comunicação das NDCs, os balanços globais (Global Stocktakes) e os relatórios de progresso, que passaram a demandar mais dados e pressionar ações efetivas de implementação. 

Com mais informação documentada, aumentou também o escrutínio da sociedade sobre essas ações, levando inclusive ao crescimento dos litígios climáticos contra governos por omissão, falha ou insuficiência de suas metas e políticas nacionais. Esse escrutínio se estendeu a outros setores, com standards internacionais e algumas regulações domésticas exigindo que empresas e instituições financeiras demonstrassem como estão alinhando seus planos de transição climática aos objetivos do Acordo de Paris – e sendo acionadas judicialmente quando não o fizeram. Cidades e estados passaram a apresentar compromissos e políticas próprias.

Nesse contexto, em 2016, a UNFCCC deu um passo importante ao criar a Parceria de Marrakech, uma plataforma formal para registrar e acompanhar compromissos de stakeholders que não são governos parte do Acordo de Paris – como cidades, regiões, empresas, investidores e sociedade civil – com vistas a contribuir para sua implementação. 

Mais adiante, em 2021, a Cúpula de Líderes da COP26, em Glasgow, abriu espaço inédito para anúncios e compromissos do setor privado – o que se tornou uma prática desde então, com as COPs assumindo cada vez mais um papel de palco para o protagonismo de ações não governamentais. Na COP29, foram mais de 97 anúncios de novas iniciativas, declarações e ações de implementação do Acordo de Paris por stakeholders e governos.

No entanto, essas iniciativas tiveram repercussão limitada e pouco celebrada. Uma explicação para isso é o fato de que essas mobilizações mantiveram um caráter manifestamente marginal no âmbito da UNFCCC – “uma plataforma complementar e não um substituto para as negociações entre as partes”, como diz o site da convenção.

Sendo este um tratado entre governos nacionais, e não entre empresas privadas, nunca houve apetite real para integrar e monitorar ações de atores não estatais ao processo. Além disso, a falta de acompanhamento, verificação e responsabilização sobre esses compromissos gerou um efeito de banalização e alimentou acusações de greenwashing.

O aumento do interesse pelas COPs, contudo, é visível. Os números de participantes chegaram a patamares de 40, 60 e até 80 mil pessoas. E as Conferências de Bonn, que antes contavam com não mais que 4 mil delegados, hoje atraem mais de 8 mil. Se há dez anos quase ninguém sabia o que elas eram, neste ano não faltaram postagens nas redes sociais e matérias de imprensa explicando “o que é a Conferência de Bonn”.

A verdade é que todos querem participar, mas poucos sabem como. E a UNFCCC não estava oferecendo essas respostas satisfatoriamente. Se o Acordo de Paris é um tratado entre países, e as COPs são reuniões de negociação entre eles, como eu – indivíduo, CEO de empresa ou gestor público municipal – posso fazer minha parte? 

Mutirão

Afinal, cabe também a empresários, administradores, investidores, trabalhadores e consumidores adotar, na ponta, as ações concretas que vão reduzir emissões de gases de efeito estufa e estabelecer uma dinâmica de mercado de baixo carbono. A implementação de políticas climáticas pelos governos não acontece de forma desconectada dos agentes que operam sua execução.

A presidência da COP30 capturou bem essa necessidade de “conectar a UNFCCC à vida das pessoas” em sua quarta carta, ao propor uma “transformação” para que esse universo de ações de stakeholders seja mais bem incorporado ao sistema da UNFCCC. 

Em analogia ao “mutirão nacional” que salvou os gaúchos da enchente de 2025, o texto ressalta o poder da união – mais do que da força individual – e o valor de ações, soluções e parcerias de toda a sociedade, para muito além dos governos nacionais. Propõe uma “agenda coletiva e coordenada, envolvendo todos os setores da economia, todos os segmentos da sociedade e todos os níveis de governo, rumo aos objetivos climáticos multilaterais”.

Resta saber o que será, na prática, esse novo “espaço” que se pretende criar para governos e partes interessadas. Será uma nova plataforma nos moldes da Parceria de Marrakech? E, se sim, como integrá-la de forma mais orgânica ao processo formal de negociação – incluindo os mecanismos existentes de transparência, progresso das NDCs e balanço global do Acordo de Paris?

A COP30, marco de uma década do Acordo de Paris, pode ser lembrada como o momento em que o regime climático finalmente se abriu para o todo da sociedade. Porque o Acordo de Paris se tornou, na prática, um esforço compartilhado entre governos e sociedade.

Cabe agora ao processo multilateral reconhecer essa realidade – e criar, dentro do regime climático da ONU, o espaço necessário para integrar as contribuições de todos os atores e ampliar o engajamento da sociedade como um todo.